O que poucos tinham entendido é que ali estava um dos sobreviventes então vivos da era do Grand Prix, mais de 65 anos antes. Então com 94 anos, este antigo piloto não era um qualquer: era Manfred von Brauchitsch, um dos cinco pilotos mais famosos da era, a par de Hermann Lang, Bernd Rosemeyer, Hans Stuck Sr. e Rudolf Caracciola. E a história dele, que atravessa todo o século XX, apanha todos os momentos da história da Alemanha: o império, a primeira República, o III Reich, a divisão entre dois blocos, o Ocidental e o Oriental, e depois a união alemã.
Nascido a 15 de agosto de 1905 em Hamburgo, na Alemanha, era filho e sobrinho de militares - seu tio seria Walter von Brauchitsch, um dos generais de Adolf Hitler na II Guerra Mundial - mas sendo muito novo para participar na I Guerra Mundial, foi para a "Reichswehr", muito mais reduzida na altura da republica de Weimar. Ao mesmo tempo correu em motociclismo, mas em 1928, um acidente o deixou ferido e pior: inapto para o serviço militar. Não seguiria a carreira familiar.
Pouco depois, foi para os automóveis, sendo contratado pela Mercedes em 1932, em substituição de Rudolf Caracciola, que tinha ido para a Alfa Romeo. Ali, ganhou uma corrida no circuito de Avus, em Berlim, e a sua reputação foi tal que quando a marca decidiu participar no campeonato europeu, em 1933, foi para a equipa oficial, ao lado do regressado Caracciola e Hans Stuck. Para evitar confusões, decidiu usar um capacete vermelho para dar nas vistas. Mas também ganhou outra reputação: atrair a má sorte.
O melhor exemplo aconteceu em 1935, no GP da Alemanha, na pista de Nurburgring.
Com os carros alemães mais que favoritos, no inicio da última volta, Brauchitsch liderava a corrida, com 35 segundos de avanço sobre o segundo classificado, o Alfa Romeo de Tazio Nuvolari, contudo, porque puxou tanto pelo carro que os seus pneus estavam no limite. A meio, o pneu traseiro esquerdo furou e ficou como alvo a abater pelo italiano, que o passou, mesmo com um carro inferior, para conseguir uma das vitórias mais improváveis da história do automobilismo. Brauchitsch acabou em quinto, com seis minutos de atraso.
“Duas voltas antes da chegada, o pneu dianteiro esquerdo começou a mostrar a sua faixa de marcação, o que indicava que estava a chegar à carcaça”, recorda von Brauchitsch, numa entrevista feita no ano 2000 na Motorsport britânica.
“Percebi pela reação dos espectadores, principalmente na descida para a Adenau, que entenderam que estava em apuros. Após a corrida, Neubauer culpou-me por não ter parado, mas eu não queria entrar nas boxes e talvez encontrar-me na mesma situação que Eddie Irvine enfrentou em Nurburgring na época passada [1999]. Não há pneus suficientes!”
Três anos depois, na mesma pista, ele ia reabastecer, na 11ª volta, quando, nas boxes, pate do combustível derramou-se no seu carro, pegando fogo. Brauchitsch saltou logo fora do carro, com a ajuda de Alfred Neubauer, e depois de terem apagado as chamas, regressou ao carro para arrancar, tentando recuperar o tempo perdido. Contudo, algumas curvas depois, a mais de 190 km/hora, o volante saltou fora do carro e ficou com ele nas mãos! Travou, despistou-se e o carro ficou danificado, mas ele não ficou ferido. Em suma, um milagre.
Quando a guerra chegou, em setembro de 1939, tinha 36 anos e a sua carreira estava, essencialmente, acabada. Foi trabalhar para a Junkers, como secretário particular de Heinrich Koppenberg, chefe de pessoal, e em 1943, foi para o Ministério da Produção e Armamento, como consultor, trabalhando para Albert Speer. Estava inscrito no NSKK, mas não era membro do Partido Nazi.
No final da guerra, os sarilhos aumentaram para ele. Apesar de ser um dos fundadores do renovado Automóvel Clube Alemão, em 1948, foi para a Argentina no ano seguinte, e tentar regressar à competição, sem sucesso. No regresso, em 1950, começou a falar com dirigentes do regime da Alemanha do Leste, que tinha sido declarada no ano anterior. E quando a sua autobiografia foi lançada numa editora de Berlim-Leste, foi acusado de traição e evasão fiscal, e ficou detido por oito meses. No dia de Ano Novo de 1954, antes de ser julgado, deixou a sua mulher e escapou para a Alemanha Oriental.
Anos depois, no ano 2000, numa entrevista feita à Motorsport, afirmou "que era um espirito livre" e não queria viver no ambiente conservador de Konrad Adenauer.
Ali, tornou-se o presidente do Clube Automóvel da RDA, e depois, membro do Comité Olímpico, onde chegou a ser condecorado pelo Comité Olímpico Internacional, em 1988, por propagar os ideais desportivos. Até ao fim, era convidado pela Mercedes pra diversos eventos, especialmente na Alemanha Ocidental, onde ia frequentemente, pois tinha privilégios de alto funcionário.
Acabaria por morrer a 5 de fevereiro de 2003, aos 97 anos. Foi dos últimos pilotos de Grand Prix que chegaram ao século XXI.
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