sexta-feira, 23 de abril de 2010

Grand Prix (parte quatro)

O fim de semana competitivo no Autódromo da Cidade do México, situado a 2245 metros de altitude, era obviamente a decisão do Mundial de Pilotos de 1968, numa luta a três entre Bob Turner, Pete Aaron e Bruce McLaren. Mas depois dos eventos de Watkins Glen, o veterano piloto inglês da equipa Jordan era mais do que favorito ao título mundial, já que McLaren estava muito distante, e Aaron estava na cama do hospital, com uma placa metálica na sua perna direita, no sentido de acelerar a cura, já que esta se tinha partido em três sitios.

Se a Yomura queria sair do automobilismo na mó de cima, tinha de pedir ao seu piloto Pierre de Beaufort para que vencesse a corrida e torcesse para que Bob Turner não chegasse ao fim, para que Pete Aaron conseguisse um terceiro título mundial. Mas essa também se revelava um trabalho dificil, pois bastava a Turner chegar ao fim na quinta posição para ser matemáticamente coroado campeão. Em suma: não era uma missão impossivel, mas quase.

No hospital nova-iorquino, Pete Aaron via a corrida num quarto individual especialmente preparado para ele. Tinham-lhe arranjado uma TV a cores, vindo expressamente do escritório do director, para que pudesse ver a corrida de forma confortável. Numa altura em que o país estava nas bocas do mundo, pois dali a poucos dias ia receber os Jogos Olimpicos e esta corrida iria ser a primeira a ser transmitida a cores, como forma de testar o sistema, o veterano piloto via tudo com algum ar de resignação. Especialmente depois de na véspera lhe terem telefonado com os resultados da qualificação, onde Bob Turner tinha conseguido fazer a pole-position, ao lado de Beaufort e Bob Bedford.

Para substituir Aaron, Izo Yomura teve de arranjar um compromisso de última hora: com a maioria dos americanos ausentes porque nesse mesmo fim de semana, no circuito californiano de Riverside, era a decisão do título da USAC, e com o facto de Tim Randolph não correr competitivamente há mais de um ano, teve de arranjar um piloto local. Mas nem Antonio Gonzalez, nem Pedro Molina estavam disponiveis, porque estavam... em Riverside!

Contudo, Molina tinha recomendado um jovem rapaz de 21 anos, que tinha potencial vencedor e que tinha corrido consigo na Can-Am desse ano, partilhando o seu McLaren M7A-Chevrolet, cujas prestações tinham sido tão impressionantes que até o próprio Bruce tinha dado uma chance para testar o seu carro de Formula 1. Seu nome próprio era Teodoro, mas os amigos lhe chamavam de Teddy. Teddy Solana.

Yomura, hesitante mas sem muito a perder, pediu a ele para dar umas voltas no circuito de Magdalena Michuca no seu Yomura. Após algum tempo de adaptação, o jovem piloto já fazia tempos um segundo abaixo dos da frente no final do dia, e isso foi o suficiente para o convencer no sentido de dar uma chance. Afinal, se Bruce McLaren o deu, porque não ele?

Quando Aaron soube quem era o seu substituto, o seu sentimento era misto. Sabia do seu potencial, mas sabia também que era novo demais e com alguma fama de destruidor da chassis. Tinha lido sobre o acidente em Elkhart Lake, onde destruiu o seu chassis devido a um excesso em curva, safando-se miraculosamente. E nas suas idas à Europa, especialmente na Formula 2, a sua rapidez num chassis Tecno nem sempre deu resultados. Tinha ganho uma corrida, em Albi, mas não chegou ao fim nas outras quatro que participou. Em uma delas, no Autódromo de Mothlery, nos arredores de Paris, teve um acidente arrepiante, quando o seu carro capotou e ficou de cabeça para baixo. Só que uma das rodas ficara em cima de um fardo de palha e ele conseguiu sair incólume.

Mas alguns meses antes, estava nas bocas do mundo por ter sido o piloto mais jovem de sempre a ganhar em Le Mans, numa dupla totalmente mexicana, num Ford GT40, ao lado de Pedro Molina, doze anos mais velho e muito mais experiente do que ele. Quando regressaram ao México, os dois pilotos foram recebidos em festa por milhares de pessoas, que os receberam como heróis. E Teddy era considerado como potêncial campeão do mundo de Formula 1, ou vencedor das 500 Milhas de Indianápolis... quando controlasse os seus ímpetos.

Na qualificação, mesmo sem grande experiência, Solana chegou ao nono posto, não muito longe de um mais experimentado Bruce McLaren, por exemplo. E até tinha passado o Matra de Patrick Van Diemen, que já tinha mais umas corridas no curriculo, e tinha sido um dos seus rivais na Formula 2 europeia.

Pete via a corrida da sua cama, e agitava-se. Era a primeira vez em muito tempo que via tudo de fora, sem sentir os cheiros, as cores e o batimento rápido do seu coração e as descargas de adrenalina que aconteciam nos momentos anteriores à partida. A sua mulher estava ao seu lado, sem dizer qualquer palavra. E de nada valia apertar a mão dele, pois da última vez que o fez, Pete apertou-a tanto que ela teve de o largar imediatamente, ou fraturava algum osso.

Na televisão, o comissário agarrava a bandeira mexicana com as mãos, preparado para a agitar e dar o sinal de partida. Todos olhavam para ela, esperando pelo sinal. Quando assim o fez, todos arrancaram, num enorme barulho, rumo à enorme recta que marcava o circuito mexicano. Nas duas horas e nas 65 voltas seguintes, todos tentariam bater Bob Turner, mas ele era o unico que não precisava de vencer essa corrida. Bastava apenas terminá-la. E não ficou admirado com o facto de Beaufort ter ido para a frente, seguido de McLaren. Turner era o terceiro a fazer a primeira curva à direita, primeiro de forma aberta e depois de forma mais apertada.

Com as voltas a passarem, Beaufort e McLaren lutavam pela liderança, enquanto que Turner e Bedford não puxavam muito pelos seus carros, pois sabiam que isso era mais do que suficiente para conseguir o título de Construtores para a Jordan. Atrás deles estava o jovem Solana, que tinha feito uma boa partida e tinha saltado alguns lugares. Atrás dele estava o Ferrari de Reinhardt, o Jordan privado de Robert O'Hara, o herdeiro irlandês da marca de Whiskey com o mesmo nome, e o Matra de Van Diemen. Os quatro rolavam juntos, com Solana a marcar o ritmo e a não fazer má figura.

Mas com o decorrer da corrida, a falta de potência dos motores a aquela altitude teve as suas consequências: na volta 26, o motor de Bruce McLaren fundia-se e encostava à berma, resignado á sua sorte. E Beaufort, que dava o seu melhor, tentava evitar com que Turner vencesse. Mas à medida que as voltas passavam, via-se que era uma "caçada aos gambozinos" visto que Turner já tinha o título na mão.

E na volta 56, o golpe de misericórdia: o cabo do acelerador do seu Yomura parte-se à entrada da Curva Peraltada e imediatamente guinou para as boxes. Quando chegou, os mecânicos nada podiam fazer senão dizer a ele para sair do carro. Beaufort via fugir a vitória a menos de dez voltas do final... Por essa altura, Solana era um sólido quinto classificado, depois de ter sido ultrapassado por Peter Reinhardt, mas com a desistência do seu companheiro, subira para o quarto posto e ainda atacou o terceiro lugar, quando começou a ver aproximar a silhueta do Jordan de Bob Bedford, que tentava levar o seu carro ao fim, com um dos cilindros do seu carro a não trabalhar propriamente. Solana atacou, mas a três voltas do fim, a sua caixa de velocidades começou a falhar quando tentava engrenar a quarta marcha. Num acesso de sensatez, Teddy baixou o ritmo e procurou levar o carro até ao fim, algo que conseguiu.

Quando a bandeira de xadrez foi mostrada, Bob Turner era o novo campeão do mundo, no seu Jordan. Um prémio merecido num ano extremamente agitado, e marcado pelas mortes do seu fundador Jeff Jordan e do seu piloto "fetiche", Scott Stoddard. Peter Reinhardt levou o seu carro até ao segundo posto, seguido por Bob Bedford, que assim ajudava a Jordan a conseguir o título de construtores. Teddy Solana conseguia três pontos na sua corrida de estreia, seguido pelo Matra de Patrick Van Diemen e o Jordan privado do irlandês O'Hara.

No pódio, enquanto recebia o troféu de vencedor e a coroa de louros, presenteada por uma bonita senhora mexicana, o speaker de serviço lhe estendeu o seu microfone e pediu-lhe algumas palavras. Bob Turner não se conteve e afirmou:

- Primeiro, quero dedicar este título à equipa. Tivemos um ano muito difícil, com enormes perdas, mas resolvemos continuar no sentido de honrar a memória dos que se foram. A Jeff Jordan e a Scott Stoddard, eu dedico este título. Onde quer que estejam, obrigado e vamos continuar com a equipa para sucessos futuros.

O speaker já ia tirar o microfone da boca dele, quando voltou a dizer o seguinte:

- Quero também dar uma palavra de apreço ao meu amigo Pete Aaron, que neste momento está numa cama de hospital nos Estados Unidos. Foi um excelente adversário que tive esta época, e um fantástico cavalheiro que tive em pista. Um adversário leal e dedicado, no qual tenho pena que a coisa se tenha acabado num acidente em Watkins Glen. Espero vê-lo em breve, totalmente restablecido e junto de nós todos. E ao senhor Yomura, que este vai ser a sua última corrida, temos pena que abandone a competição, e esperamos vê-lo de volta o mais depressa possivel. Obrigado.

Após isso, a multidão mexicana aplaude frenéticamente as declarações de Turner, agora o novo campeão do mundo. Este abre o champanhe, que o coloca o seu conteúdo dentro do troféu, para que este pudesse ser bebido por ele, Jordan junior e Bob Bedford, seu companheiro no pódio.

Aaron tinha sorrido com as declarações de Turner. Estava pensativo e algo resignado com o que vira na corrida. Tinha plena consciência de que mesmo quando recuperasse dos ferimentos, a sua carreira competitiva estava terminada. Só Yomura sabia, e este nada disse aos outros, pois este tinha pedido isso. Queria que fosse ele a dizê-lo, e no dia em que voltasse para casa, iria fazer esse anuncio. Só que o dia da alta iria ser... amanhã.


(continua)

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