sexta-feira, 2 de julho de 2010

Grand Prix (29ª parte, Monforte)

A vila de Monforte fica praticamente no centro geográfico da Sildávia, a meio caminho entre o mar e a fronteira, banhado pelo rio Tenha, o maior do pais. Monforte, um condado que tem raízes no tempo da ocupação romana e que foi depois ocupada por Alanos, Suevos, Visigodos e Vândalos, que misturaram com a população e ajudaram a erguer um dos reinos mais antigos da Europa, datado do século IX, quando o rei Recaredo se converteu ao Cristianismo. Monforte, com pouco mais de 20 mil habitantes, pertenceu desde o século XII aos Condes com o mesmo nome, que dominaram a zona até ao inicio do século XIX, quando as invasões napoleónicas e as guerras entre reformistas a absolutistas fizeram com que no final se abolissem muitos dos privilégios da nobreza e os títulos se reduzissem a um nível simbólico.

Quando isso aconteceu, alguma da nobreza se adaptou, outros perferiram viver dos títulos e definharam ao longo dos tempos. No caso dos Condes de Monforte, a sua riqueza passou a ser as suas vinhas. Extensos vinhedos pertenciam a eles que, passada a epidemia de flioxera que quase as dizimou, em finais do século XIX, voltaram a prosperar, produzindo vinhos tintos e brancos de qualidade. O rótulo "Condes de Monforte" era vendido não só na Sildávia mas como no resto do mundo, reconhecido pelos maiores especialistas da matéria.

Com a riqueza assegurada pela agricultura, e um negócio de família sabiamente gerido por eles, abrindo portas a todo e qualquer gestor capaz, alguns deles expandiram o seu faro pelo negócio noutras áreas, especialmente alguns dos filhos mais novos, que não tendo espaço, procuraram outras áreas. Alguns foram advogados, médicos e professores, e um deles, Teófilo de Monforte, decidiu fazer algo mais interessante: fundou em 1900 o clube de futebol local, e nove anos mais tarde, o Clube do Automóvel.

Sendo ele um dos primeiros proprietários desse "coche sem cavalos", primeiro um De Dion, e depois amante dos Peugeot (instalou a delegação local da marca) pouco tempo mais tarde, em 1914, idealizou um "Grand Prix" para todo o tipo de viaturas nas ruas da sua cidade natal. Porém, a I Guerra Mundial fez congelar na gaveta os seus planos.

Sete anos mais tarde, em 1921, Teófilo de Monforte, agora o presidente do Automóvel Clube, decidiu colocar em prática o seu traçado, idealizado por si. Começando na praça central, local onde ficava situado a Câmara Municipal, usava as estradas dos arredores, numa espécie de cintura externa da vila. No total, o circuito tinha perto de 16 quilómetros de extensão, e as estradas eram em terra, pedregosas e com tendência para furos. Circuito dificil, mas para compensar, decidiu dar uma generosa bolsa de 7500 coroas, um valor absurdo para a época. Basta dizer que o salário anual de um professor em 1921 era de 1500 coroas, e de um médico quase duas mil...

Pode-se dizer que cedo atraiu todos os melhores pilotos do seu país, e cedo os de outros lugares. Interrompido apenas pela II Guerra Mundial, pois mesmo que a Sildávia tenha sido um país neutral, a gasolina, sendo um bem precioso, tinha sido racionada, a corrida prosseguiu, com convidados cada vez mais ilustres, acelerando as suas máquinas. Essencialmente eram provas de Sport, com Jaguares, Ferraris, Maseratis, Aston Martins e Porsches, mas em 1956, o velho Teófilo era eleito o presidente do Real Automóvel Clube da Sildávia. E logo aí, pensou na maior das ambições: trazer a Formula 1 ao seu país.

Por esta altura, ele já tinha 70 anos e netos. Um deles tinha nascido dez anos antes, mais concretamente no primeiro dia de Julho. O velho Teófilo tinha ficado com o título de Conde, depois da morte inesperada do seu irmão mais velho, logo, o controlo do negócio dos vinhos, acumulado com o Automóvel Clube e as oficinas de automóveis. Teve um filho, José Maria e uma filha, Maria Leonor, e quando faltavam algumas semanas para o seu 60º aniversário, nascia o primeiro neto varão, a que deram o nome de Alexandre.

O avô adorava os netos, e alguns deles o acompanhavam ao trabalho, muitas vezes levados no Peugeot 202 preto de Teófilo. Com a velhice, a adega ficou nas mãos do filho, e decidiu vender o negócio das oficinas, perferindo a sua paixão, o Automóvel Clube. Os dias eram passados no escritório, tratando da papelada referente a vários aspectos, desde as inscrições até aos convites, passando à logistica referente ao trânsito, à montagem das boxes, à colcação dos comissários de pista, entre outras coisas, para que a cada três fins de semana por ano, em Abril, com as motos, no terceiro fim de semana de Junho, quando calhavam nas festas da cidade, e em Setembro, para comemorar as Vindimas, a cidade fechava para ver os automóveis passar.

Todos os grandes nomes iam lá: Fangio, Ascari, Moss, Brabham, Farina, Hawthorn... especialmente nas provas de Endurance, as 3 Horas de Monforte. Quando no inicio dos anos 60 se decidiu dividir as Formulas numa prova e a Endurance na outra, decidiu-se que a primeira iria ser em Abril e a segunda em Junho, logo após as 24 Horas de Le Mans, relegando as motos para Setembro.

Quanto a Alexandre, cresceu com todos os mimos do mundo. Mas tinha também uma enorme curiosidade em saber como funcionavam as coisas. Na infância, era normal desmontar relógios de cuco, para depois levar uma sova dos pais pela ousadia. Depois, na escola, revelou-se ser um aluno de aprendizagem fácil, capaz de ter boas notas. Mas muitas vezes ia ver o seu avô, às voltas no motor do seu Peugeot, e perguntar o que fazia lá. Com a idade, começou a sujar as mãos e a montar e desmontar coisas. Passou dos relógios para as motos, e depois para os carros.

Quando tinha 12 anos, o seu avô lhe deu um velho Peugeot 201, abandonado havia há muito na garagem de sua casa. A ideia era testar as capacidades do seu rapaz, pois este estava sem peças no motor. Infatigavelmente, procurou por elas nas garagens da marca, pedindo a opinião dos mais velhos. Em alguns meses, especialmente depois dos deveres, ele tinha sempre um tempo para descobrir o que ele tinha. Quando descobriu as peças necessárias, colocou-o a funcionar, e triunfalmente, foi ter com o avô e disse: "Consegui pô-lo a funcionar. Posso ficar com ele?"

Algum tempo depois, teve a oportunidade de dar umas voltas do circuito desenhado pelo seu avô, num Mercedes 300 SL, guiado pelo melhor piloto de então, Guilherme de Oliveira. A vertigem da velocidade, naquelas voltas que deu, o fez despertar a paixão pelo automobilismo, e o bichinho ficou.

Apesar dos receios da familia, especialmente do avô, o rapaz estava cada vez mais decidido a correr. Nos fins de semana da corrida, a sua desenvoltura em termos de tudo, desde servir de tradutor a pilotos e mecânicos até a arranjar peças e apertar uma ou outra porca, uma ou outra vela, fez com que pensasse sériamente na carreira de piloto. Mas também queria ser engenheiro, e as boas notas na escola eram prova disso.

Então, aos 17 anos, engendrou um plano: iria para a Grã-Bretanha, estudar Engenharia em Londres, enquanto que tentava aproveitar os fins de semana para correr nas provas clubisticas, em circuitos um pouco pelo país. Já tinha acumulado algum dinheiro, tinha mais um outro dado pelos pais e avô, mas ainda queria mais uma coisa: tentar guiar um carro. Sabendo que o Automóvel Clube alugava sempre um carro para o fim de semana de Junho, chegou-se ao pé do avô e propôs-lhe um acordo: se fosse o melhor aluno do país, nos exames finais do Liceu, queria em troca guiar o carro do Automóvel Clube, na prova de Formula Junior. O velho Teodoro aceitou a ideia, não acreditando que ele conseguisse tal coisa.

As provas finais de Liceu eram seis, todas diferentes entre si: Matemática, Fisica e Quimica, Lingua e Literatura Portuguesa, Francês, História e Geografia. Eram dificeis e exigentes, e raramente as pessoas eram boas em todas as áreas. A nota máxima era de vinte valores, e era um feito se alguém tirasse dois ou três, quanto mais os seis. Alexandre aplicou-se, e no final cumpriu a sua parte: apesar de não ter conseguido os vinte valores a todos os exames, teve nota máxima em quatro das seis, tendo a nota mais baixa um dezanove. E foi na sua favorita, a Matemática...

O velho Teodoro cumpriu a sua parte, e na grelha, tinha um Lotus de Formula Junior. A corrida foi boa para um novato, acabando no terceiro posto e ganhando uma bolsa de 3500 coroas, quase tudo o que tinha amealhado de lado. Ainda por cima, tinha sido o melhor piloto nacional naquele fim de semana, e todos começavam a olhar para ele como sendo o neto do presidente, com jeito para correr...

Em Setembro de 1964, com 18 anos, partia para Londres, determinado em regressar ao seu país de duas formas: ou como engenheiro, ou como piloto.

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