quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Memórias de uma cadela

Haverá sempre dias tristes nas nossas vidas, especialmente aqueles quando perdemos pessoas queridas. Mas são estranhos os dias em que a perda é um animal de estimação. Na sexta-feira passada morreu aqui em casa a minha cadela mais velha, aos 18 anos de idade. Chamava-se Rissa e era uma caniche de porte médio que fez as delicias do casal de meia idade, que são os meus pais, eu e o meu irmão.

Mas aqui eu prefiro falar das memórias que tenho dela. Desses dezoito anos de convívio que tivemos o privilégio de a ter. Quem insistiu em termos um animal de estimação foi o meu irmão, porque eu sempre fui relutante em ter um cão ou gato, porque achava que vivendo num prédio, não haveria condições para criar um animal. Mas aproveitando a altura em que iria embora para a universidade, arranjou-se um animal, gastando-se cerca de 150 euros de uma loja de animais. Foi a primeira - e última vez - que se comprou um animal de estimação em casa.

Com as semanas, afeiçoamos ao animal, até eu mesmo venci a minha relutância em relação aos animais. Achava que o pessoal em casa iria ter dificuldades em levar uma cadela como ela a passear à rua, duas vezes por dia, de limpar os dejectos que iria deixar espalhadas pela casa, desde a urina pelos tapetes até às "minas" que iria largar algures em casa, sem deixar aviso prévio. Com o tempo, a minha mãe ensinou-a a fazer nos jornais que decidimos espalhar pela casa, para aprender a fazer por lá.

No inicio de 1998, fiquei gravemente doente. Fiquei oito semanas no hospital, recuperando de uma peritonite, provocada por uma apendicite mal curada. E nesse tempo, passei duas semanas nos cuidados intensivos, com doses massivas de antibióticos para me tentarem salvar a minha vida. No meio destas coisas todas, um dia, a minha mãe me contou que ela estava a dormir na minha cama, esperando pelo meu regresso. Tinha notado a minha ausência prolongada e decidira passar as noites por lá, esperando pelo meu regresso, que naquele momento era ainda incerto.

Nesses tempos ainda prósperos, onde ainda ela era vivaça e ativa, tinha uma característica irritante: ladrava à hora das refeições. Apesar de lhe darmos comida de cão, ela queria sempre a nossa comida, o que deitava por terra o mito de que nunca poderíamos dar restos aos cães. A conclusão que chegamos é que para eles, desde que seja comestível e cheire a comida, aproveitam tudo.

Com o tempo, as coisas mudam. Em 2002, ela teve companhia de uma rafeira de origem terrier, e três anos depois, uma Beagle arraçada, providenciada pelos nossos vizinhos. No meio disso tudo, mudamos de casa, crescemos, envelhecemos... e ela também. E com isso, as maleitas. Depois de duas operações para retirarmos caroços nas maminhas, em 2006 tiramos-lhe o útero, que tinha inchado anormalmente depois de uma infeção (pelo menos foi o que me disseram, pois estava fora na altura). E a partir de 2010, ela ficou progressivamente cega e surda, mas andava.

Contudo, o episódio mais extraordinário aconteceu no ano passado. Um sábado de dezembro, perto das oito da manhã, o meu pai deixou a porta do quarto aberta, pensando que ela não se iria levantar. Por esta altura, era uma cadela magra, relativamente cega e surda, mas ainda conseguia andar sem grandes problemas. Apercebendo da nossa ausência, ela andou até ao cimo das escadas... e deu um passo em frente. A queda foi de dois andares e a minha mãe a encontrou estatelada, no chão da cave, com sangue a sair dos ouvidos e da boca. Ela estava convencida que tinha morrido, mas na realidade... tinha sobrevivido. E sem grandes danos. Fiquei pasmado - aliás, ficamos todos pasmados - porque não pensávamos que uma cadela de 17 anos pudesse sobreviver. 

A recuperação foi lenta, mas ela acabou por se erguer. Com ajuda, mas conseguiu. Mas com o tempo, a velhice instalou-se e tinha de usar fraldas, pois já lhe faltava a força para poder fazer as suas necessidades. E inevitavelmente, sabíamos que a cada dia que passava, o seu fim era próximo. Há mês e meio que não se punha de pé, para terem um exemplo, e a sua magreza tinha alcançado proporções extremas.

Agora, passou para a história da nossa família. A nossa sorte é que o meu pai fartou-se de tirar fotografias dela ao longo da sua existência, algumas delas com todas elas juntas. O nosso canil doméstico. Essas fotos são a prova de que um dia a tivemos e que sempre foi amada e bem cuidada, e que teve uma vida longa e próspera sob a nossa alçada. E do qual já temos saudades dela.

3 comentários:

ALX ROSS disse...

(Provérbios 12:10) "O justo importa-se com a alma do seu animal doméstico".

Danilo Cândido disse...

Momento realmente difícil, já passei por isso mais de uma vez.

Um abraço,
Danilo Candido.

José Maria disse...

Speeder seguinte:
Só quem tem ou já teve um animal de estimação sabe o vazio que se apodera do dono ao vê-lo partir. . .
Que a Rissa esteja agora no "Céu dos Cachorros", não importa onde seja e que você e sua família tenham força para superar a perda.
E que as boas lembranças dessa convivência de 18 anos ajudem a superar o momento. . .
Abraço do Brasil.
Zé Maria