O sucesso foi tal, e a tecnologia avançava tão rapidamente, que alguns dos envolvidos nessa corrida começaram por achar bem uma organização edestes eventos. É que essa primeira corrida até Rouen fora uma iniciativa vinda de um dos periódicos mais populares de França no final desse século XIX, o "Le Petit Journal".
Então, nos meses que se seguiram, à medida que 1894 chegava ao fim e 1895 se aproximava, um grupo de ricos burgueses, liderados pelo Conde De Dion, um dos participantes da prova de Rouen, decidiu reunir-se a 12 de novembro de 1894 para formar o Automobile Club de France. O seu primeiro presidente foi Étienne van Zuylen van Nyevelt. um conde de origem neerlandesa, que era casado com um membro da família Rothschild. Algum tempo depois, decidiram organizar outra corrida de automóveis, desta vez com um objetivo mais ambicioso: até Bordeus e volta, num total de 1178 quilómetros. Uma grande distância para percorrer, especialmente num "brinquedo" ainda muito novo.
Quando as inscrições se encerraram, 30 carros tinham sido aceites na corrida, e os critérios ainda eram algo... turísticos. Ou seja, privilegiava-se o passeio que a competição, com carros com quatro lugares em vez de carros com dois lugares - e nem falamos de carros com um só lugar, como também os de seis, como por exemplo, o Bollée. A partida foi em Versalhes, e os carros largavam de dois em dois minutos. E claro, boa parte dos carros inscritos tinham alguns tipos de propulsão. O Conde De Dion, por exemplo, ainda apostava no vapor, enquanto muitos outros apostavam no petróleo como combustível.
A 6 de junho, para celebrar a corrida e também o automóvel, fez-se uma exposição dos carros inscritos para a corrida, perante o público. Cinco dias antes, a 1, tinha-se publicado as regras do concurso, onde o vencedor teria direito a 2500 francos em ouro, com o segundo a obter mil e o terceiro e quarto classificado, 500 francos cada um.
Curiosamente, o último carro inscrito, o número 46, era um guiado por André e Edouard Michelin, que eram irmãos. Correndo num Daimler a petróleo, tinham no carro pneus adaptados de bicicleta, com borracha, para poderem promover a sua marca de pneus, a Michelin. Foi na mesma altura que adaptaram o Bibendum, a mascote gorda e branca, feita de... sim, adivinharam, pneus.
A 11 de junho, pelas 10 da manhã, os carros alinharam de Paris, à saída do Arco do Triunfo, onde começaram a sair em intervalos de dois minutos, perante uma multidão de curiosos. Louis Rigoulot, num Peugeot, foi o primeiro a sair, seguido pelo Conde de Chasseloup-Laubat, num De Dion, Auguste Doriot, noutro Peugeot. Emile Levassor foi o sexto a partir, Paul Koecklin o 11º, De Dion o 23º, dois carros depois dos irmãos Michelin e o último foi M. Delanoy.
Passando por Versalhes, não havia grandes alterações, mas em Etampes, pouco depois das duas da tarde, Chasseloup-Laubat passou Rigoulot e era o líder, com 16 minutos de avanço. Não houve muitas alterações até Tours, a cidade onde terminaria o primeiro dia da corrida. Ali, Levassor tinha um avanço de uma hora e cinco minutos sobre Chaseloup-Laubat. Rigoulot, o terceiro, chegou pelas 22:10. Chasseloup-Laubat tinha problemas no seu carro: um pistão quebrado, e mesmo à passagem por Tours, onde parou para o reparar.
Levassor continuou a liderar quando chegou a Poitiers, pelas 0:45, mais de duas horas de avanço sobre Rigoulet e duas horas e um quarto sobre Doriot. Prevost, o quarto, também mantinha o bom ritmo, mas perto de Pontouvre, nos arredores de Angoulême, atropelou um cão e partiu uma roda, perdendo imenso tempo. Por essa altura, Levassor tinha um avanço de três horas e vinte minutos para Prevost. Pior ficou De Dion. Parando mais vezes pelo caminho, para arrefecer a caldeira, esta não aguentou e depois de passar por Angouleme à volta das 18 horas, na nona posição, abandonou a corrida.
Levassor chegou a Bordéus pelas 10:38, no Café Anglais para... cinco minutos de repouso e beber uma taça de champanhe com o adjunto do "maire" (presidente da câmara) da cidade, M. Cazalet, antes de empreender o caminho de volta. O segundo classificado, Rigoulot, chegou pelas 14:10, uma hora e 18 minutos antes do terceiro classificado, Auguste Doriot.
O caminho de volta foi rápido e sem problemas para Levassor: passagem por Angouleme pelas 16:28, a Poitiérs pelas 21:50 - o único que passou pela cidade ainda no dia 12 - a Tours pelas 2:10 da manhã do dia 13, a Orleans pelas 6:35, a Étampes pelas 9:30 e por fim, a Paris pelas 12:57, num tempo total de 48 horas e 48 minutos. Rigoulot apareceu pelas 18:37, quase seis horas depois, e Doriot, o terceiro classificado, apareceu pelas... 23:55, o último a chegar ainda no dia 13 de junho. Os cinco carros seguintes apareceram no dia 14 e os irmãos Michelin concluíram depois do limite das cem horas regulamentares, pelas 19:50 de sábado. Tinham parado constantemente na estrada para trocar os pneumáticos de borracha, que se desfaziam com a dureza das estradas de macadame.
Contudo, apesar da ordem de chegada dos carros, os prémios não foram dados dessa forma. Quer os carros de Levassor, quer o de Rigoulot, eram de dois lugares, e isso não entrava no critério da organização. Logo, o primeiro prémio foi dado ao carro que ficou... no quarto lugar, o de Paul Koechlin. O seu Peugeot tinha quatro lugares, que cumpria os critérios, ficou com o primeiro prémio, enquanto Levassor ficou com o prémio do segundo classificado.
Claro, as pessoas não ficaram muito contentes, mas polémicas à parte, a corrida foi um sucesso de público, que seguiu apaixonadamente pelos jornais, que eram constantemente atualizados com os resultados que chegavam via telégrafo.
Para 1896, o ACF tinha grandes ambições: uma corrida até Marselha e volta, e com os regulamentos a previrem que o vencedor seria o mais rápido na estrada.
Hoje em dia, há um monumento à corrida, nos arredores de Paris, com o relevo de Emile Levassor, o primeiro a chegar ao destino.
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