domingo, 4 de abril de 2010

The End: Eugene Terreblanche (1940-2010)

Se fosse um daqueles que puluam por ali e pensassem sem cabeça, diria que estaria muito contente por aquilo que aconteceu ao sr. Terreblanche. Mas tenho de ter cabeça fria e dizer que isto fez mais mal do que bem. Perferia que ele tivesse tido um ataque cardíaco, ou que tivesse acabado às mãos de um outro boer. Mas não: Eugene Terre'Blanche, de 69 anos, foi ontem à noite espancado até à morte por dois jovens negros, de 16 e 21 anos, na sua quinta na Africa do Sul, porque alegadamente lhes devia dinheiro. Mesmo que esse tenha sido o verdadeiro motivo, só despertou fantasmas que deveriam estar enterradas bem fundo no cemitério da História. Uma história de discriminação e ódio, que terminou em algo menos do que um milagre, há quase 16 anos.

Claro, o governo sul-africano já condenou o seu assassinio. “Ninguém tem o direito de exercer justiça pelas suas próprias mãos”, disse o Presidente Jacob Zuma, que é de igual modo o líder do ANC, partido maioritário desde as primeiras eleições multirraciais efectuadas naquele país, em 1994. “É neste contexto que a morte de Terre'Blanche deve ser condenada, independentemente da forma como os seus assassinos pensem que teriam alguma justificação. Não tinham o direito de lhe tirar a vida”, concluiu.

De quando em quando vos falo sobre o que se passa naquele país africano, onde apesar de não ter pisado alguma vez o seu solo, tive ligações familiares no passado. E sei do regime que acontecia naquele país até ao final dos anos 80, inicio dos anos 90, como também sei que foram os boers, os colonos de ascendência holandesa, que criaram e mantiveram o regime de "apartheid" que dividiu aquele país durante mais de 40 anos.

Contudo, os boers, especialmente os de extrema-direita, nunca desistiram de ter o seu quintal, o seu "Boerstaadt", onde só eles teriam o direito de viver, e onde os negros seriam excluidos. E Terreblanche era o fundador e lider do Movimento de Resistência Afrikaner (AWB), que nos tempos de P.W. Botha, se pavoneava a cavalo nos desfiles tolerados pelo governo do Partido Nacional.

Quando F.W. de Klerk se rendeu às evidências e libertou Nelson Mandela, para iniciar conversações com vista à transição para uma democracia multiracial, Terre'Blanche e os seus comparsas tudo tentaram para minar essa reconciliação, desde atentados à bomba até assassinios de politicos da oposição. O sindicalista Chris Hani, morto em Abril de 1993, foi obra de um emigrante polaco que queria ser membro do AWB.

Lembro-me em particular de um golpe de estado que tentaram dar no Bophutatswana, um dos bantustões que o Partido Nacional criou, numa última e patética tentativa de conseguirem a sua "republica boer". Foi no inicio de 1994. Lá apareceram esses tipos, armados com as suas caçadeiras e os seus fatos de cor caqui. Mas uma mera força policial, ajudada com elementos do exército, os expulsaram com alguma facilidade. Mas as represálias foram volentas.

Uma cena ficou na minha memória: um Mercedes azul, na berma da estrada, crivado de balas e com três deles feridos. Eles tinham aberto as portas para pedirem ajuda de uma equipa de reportagem que estava protegida da agitação. Pouco depois desses jornalistas procurarem ajuda para os socorrer, um grupo de soldados (ou policias, não me lembro bem) se acercou desse Mercedes azul e abateu-os a sangue frio. No mínimo, arrepiante.

Com a ascenção do ANC ao poder, o AWB dissolveu-se e Terreblanche chegou até a estar na prisão devido a um assalto e tentativa de assassinio. Cumpriu três anos de uma pena de seis, e quando foi libertado, adquiriu uma postura "low-profile". Mas a ideia de secessão nunca morreu, e quando se começou a ver as dificuldades do governo em lidar com a corrupção e o crime, para além do desemprego que grassa entre a maioria negra, bem como a desilusão de alguns brancos, o populismo voltou em força. E Terre'Blanche também voltou á ribalta. com uma menor ressonância do que antes, é certo, mas as razões continuam todas.

E uma das polémicas do momento, ironia das ironias, tem a ver com uma canção do próprio ANC, que tem como refrão "Morte ao Boer", cantada pela juventude do seu partido e pelo seu lider, Julius Malema. Essa canção acaba de ser ilegalizada pela justiça sul-africana, por ser incitadora ao ódio. Isso, para além das declarações de Winnie Mandela, a ex-esposa de Nelsn Mandela, afirmando que ele tinha sido uma desilusão por não ter feito mais para que o país caisse nas mãos dos negros (as terras ainda pertencem na sua maioria aos fazendeiros brancos) faz-me lembrar que mesmo dentro do próprio ANC existam populistas negros que querem ser aspirantes a ditador, no pior estilo de Robert Mugabe, por exemplo. Dezasseis anos depois e com o Campeonato do Mundo de futebol à porta, o equilibrio continua a ser frágil e todos estes acontecimentos são golpes à ideia de tolerância e convivência racial no "país do arco iris".

Quanto a mim, ter simpatia por um tipo que dizia, quando fundou o seu partido, que lideres como Ian Smith, B. Vorster ou António de Oliveira Salazar eram "demasiado liberais"... só se fosse maluco. Como disse antes, se tivesse humor negro, até comemoraria com champanhe. Mas em 2010, com o Campeonato do Mundo à porta, este assassinato veio na pior altura. Só espero que fique por aqui.

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