quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O piloto do dia - Niki Lauda (2ª Parte)

O ano de 1976 prometia ser mais um ano de consagração da máquina que era o Ferrari 312T. Mas Lauda tinha um rival de respeito: a McLaren, com o seu M23. Mas se no ano anterior tinha Emerson Fittipaldi, este ano ele via o brasileiro perseguir o sonho de construir a sua própria equipa. A substituí-lo, vinha um inglês, ex-Hesketh: James Hunt. Começava o ano com o pé direito, ganhando nas etapas sul americanas da Argentina e do Brasil, e depois foi segundo em Long Beach e em Jarama, para voltar a ganhar no Mónaco e em Zolder, e repetir o feito em Brands Hatch, depois do seu rival Hunt ter sido desclassificado. Tudo estava a correr bem para Lauda, e tudo indicava que ele iria obter o seu segundo título mundial, o austríaco tinha 61 pontos, enquanto que Hunt tinha apenas 26.

Mas na tarde do dia 1 de Agosto de 1976, tudo mudou.


No Grande Prémio da Alemanha, disputado no perigoso circuito de Nurburgring, a partida fora feita sob chuva em alguns pontos daquele Inferno Verde de 22 quilómetros de extensão. Lauda largara com pneus de chuva, mas estava perdido no meio do pelotão. Então, na volta dois, o desastre acontece, na zona de Bergwerk: o carro perde a aderência e embate contra a barreira, ricocheteando para a o meio da pista, onde é abalroado pelos carros de Brett Lunger e Harald Ertl. Estes dois, bem como Guy Edwards e Arturo Merzário, conseguem retirá-lo dos destroços da sua Ferrari, e ele é reencaminhado para o hospital. Com queimaduras na cara fracrutas nas maçãs do rosto, e inalação de vapores de gasolina, o que dinha deixado os seus pulmões à beira do colapso. o seu estado era tão grave, que foi chamado um padre para dar a extrema-unção.


Mas Lauda quis lutar: “Estou deitado, no escuro do quarto. Aparece um homem. Fala em latim, é a minha extrema-unção. Pode-se morrer disto, pelo choque. O padre não falou nada agradável, que me desse esperança. Fiquei com vontade de gritar: ‘pare, eu não vou morrer’”, recordou mais tarde. Em menos de uma semana, Lauda resistiu à sua maior prova de vida e depois de operações plásticas para lhe dar um aspecto ainda mais humano (apesar de ter perdido metade de uma orelha), em menos de seis semanas… estava de volta à competição!


Jamais tive complexo de perder metade de uma orelha. O que eu precisava para pilotar era do pé direito”, disse depois, quando se recordou das semanas que passou após o acidente. “A reacção dos fãs ajudou imenso. Ofereciam a sua pele a as suas orelhas, e contavam as suas queimaduras e de transplantes de pele. Um garoto mandou-se uma Ferrari de brinquedo ao saber que a minha se incendiara”.


Voltou em Monza, e depois de uns treinos modestos, conseguiu chegar à quarta posição final. A sua candidatura ao título estava de pé, e tudo faria para evitar a cavalgada final de James Hunt. Foi terceiro em Watkins Glen, e estava na frente do campeonato quando o pelotão da Formula 1 chegou ao circuito de Fuji, no Japão.


Porém, a imensa chuva e o nevoeiro que caia nesse dia fizeram com que Lauda pensasse se valeria a pena correr e arriscar a vida naquelas condições. Na segunda volta, após assistir ao despiste do Penske de John Watson, decide encostar-se às boxes e abandonar. “A minha vida vale mais do que um título”, disse depois. No final, Hunt termina em terceiro lugar e ganha o título mundial por apenas um ponto (69 contra 68).


Em Itália, a sua manobra fora vista como um acto de cobardia. A sua relação com a Ferrari e especialmente com o “Commendatore” deteriorou-se, e em 1977, Lauda tinha que aguentar reacções algo hostis quer dentro, quer fora da equipa. Porém, o austríaco engoliu isso tudo, e começou a temporada com um terceiro lugar em Interlagos e uma vitória em Kyalami, no mesmo dia em que Tom Pryce perdia a vida, vitima da imponderação de um comissário de pista de 18 anos… Lauda voltaria a vencer na Alemanha e na Holanda, enquanto que coleccionava segundos lugares, numa impressionante demonstração de regularidade. Quando confirmou o seu segundo título mundial, em Monza, com um total de 72 pontos, contra os 55 do segundo classificado, o sul-africano da Wolf, Jody Scheckter.


Então, veio a vingança: sem avisar Maranello, anunciou que iria conduzir para a Brabham no ano seguinte, num contrato milionário (1 milhão de dólares por época). Para piorar as coisas, a Brabham tinham motores Alfa Romeo, a grande rival da Ferrari. As relações, já de si tensas, pioraram pouco tempo depois, quando a Ferrari despediu Ermano Cuoghi, o seu mecânico de maior confiança, pois este tinha decidido acompanhar Lauda para a Brabham. O austríaco, chateado, antecipa o fim do contrato em duas corridas, após ter sido quarto classificado em Watkins Glen.


Mas a Ferrari já tinha um substituto na manga: um veloz canadiano de 27 anos chamado Gilles Villeneuve.


Na Brabham, Lauda tinha que lidar com um carro difícil de lidar, o BT46, e um motor Alfa Romeo demasiado guloso e demasiado pesado em relação aos Cosworths. Apesar de um bom inicio de temporada, Lauda teve dificuldades em ter um carro capaz de lutar pelo título, especialmente quando o dominador era a Lotus 79, com o seu conceito inovador do efeito-solo. Contudo, Gordon Murray saca da sua cartola o BT46B, o “carro-ventoínha”, e o leva a uma vitória convincente na Suécia. Contudo, o carro é imediatamente banido, e voltam ao que eram antes. A sua grande coroa de glória foi a vitória em Monza, fazendo dobradinha com John Watson, numa corrida irremediavelmente marcada pelo acidente mortal de Ronnie Peterson. No final da temporada, Lauda foi quarto classificado, com 44 pontos.


O ano de 1979 foi ainda pior. O motor Alfa Romeo continuava a ser pesado e consumidor, e os resultados pioravam ainda mais. O BT48 era um carro mau demais para ser verdadeiro, e Niki Lauda, agora com 30 anos, pensava noutras coisas, como a sua nova companhia aérea, a Lauda Air. Em Montreal, quando a equipa se preparava para testar o novo BT49, Lauda comunica a Bernie Ecclestone que deseja parar de correr, com efeito imediato. Ecclestone aceita.

De repente senti um vazio, uma total falta de interesse no que estava fazendo. Fui para as boxes e acabei com tudo. Havia outro mundo lá fora. Foi uma decisão que tomei sozinho, só depois falei com Ecclestone e com os patrocinadores. Eles entenderam. Afirmei muitas vezes que um bom piloto de Formula 1 tem que ter um coração e uma cabeça muito especiais. Não sei qual dos dois mudou em mim, se o coração, se a cabeça”. (…)


Foram basicamente dez anos felizes para mim. Perfeitos. Fiz algo que gostei e me tornou rico. Que mais poderia querer? Digo que me enriqueceu, mas acima de tudo, enriqueceu a minha alma, não a minha carteira. De repente tinha o suficiente. Por isso a minha necessidade de outras coisas, o meu interesse pela aviação. Talvez daqui a dez anos, talvez mais cedo, procure outra coisa, outros objectivos. Rotina não faz o género de pessoas como eu”, afirmou semanas mais tarde, quando justificou a sua retirada das pistas.

Amanhã, a terceira e úlitma parte.

4 comentários:

José António disse...

Muito bom como sempre.
Apenas para completar diria que Enzo Ferrari, após o acidente de Lauda, não acreditou na recuperação deste e apressou-se a contratar Reutemann à Brabham. O regresso de Lauda, no GP de regresso em Italia, não foi assim tão modesto, ficou à frente nos outros dois pilotos da Ferrari, quer nos treinos quer na corrida, e isto para um piloto que 4 semanas antes esteve à beira da morte.
Em 1977 Lauda, após o episódio do abandono no Japão, passou a viver numa equipa que tinha "procurava" favorecer mais Reutemann do que o austriaco, isto pelo menos foi o que eu já li.
Cumprimentos

José António disse...

Bem, enganei-me, na corrida em Itália, o REgazzoni ficou em segundo enquanto que Lauda foi apenas quarto.

Anónimo disse...

Lauda deu uma entrevista para a extinta Tv Manchete, maravilhosa, no programa Conexão Internacional.
Ali descreve o pós-acidente, no hospital, escutando o médico dizer: "Ele vai morrer". Depois o padre vir ao hospital e lhe dar a extrema unção. Depois conviver com a cara monstruosa e cheia de cicatrizes. Depois sentar no F1 em Monza e correr: o pânico.
Depois ser cam~peão de novo...
É um grande homem esse austríaco.
E grande piloto.

Anónimo disse...

Speeder: o mecânico Cuoghi chamava ERMANO, segundo me lembro. Estou certo?