terça-feira, 8 de junho de 2010

Grand Prix (episódio vinte, noi siamo a Monza)

Monza, 7 de Setembro de 1969

O dia estava limpo sob os céus italianos. Mais de 150 mil pessoas assistiam à corrida de Monza, onde grande parte deles torciam pela casa de Modena, que tinha vindo aqui com toda a armada: três carros para Patrick Van Diemen, Pieter Reinhardt e o local Toino Bernardini. Contra os dois carros que Matra, BRM, McLaren ou Jordan tinham inscrito, ou a solitária inscrição do Eagle-Apollo de John O'Hara, parecia que a Ferrari estava lançada na vitoria nesta corrida em particular, num ano onde, ora a Jordan, ora a Matra revezavam entre si as vitórias nas corridas, com uma ou outra excepção.

O circuito de Monza era uma pista de pura velocidade, onde a mera potência dos motores bastava para fazer a diferença. Tanto que as asas eram dispensadas, pois o seu "downforce" prejudicava a velocidade de ponta dos carros. Os Matra de Beaufort e Carpentier, agora campeão na Formula 2, contra dois adversários de monta e que já tinham os olhos da Formula 1. Bruce Jordan queria dar um teste quer ao finlandês Kalhola, que fazia milagres com um chassis arcaico, quer ao mais nobre Monforte, o piloto sildavo que no seu Tecno oficial tinha dado nas vistas não só na Formula 2, mas também na Can-Am, com um McLaren privado, tencionando contestar o "Bruce and Peter Show". Tanto que tinha sido convidado a fazer parte do espectáculo em Laguna Seca... e também um lugar na sua estrutura da Formula 1.

Mas nenhum deles andava por aqui no fim de semana italiano. Ali estavam outros protagonistas, especialmente o francês Beaufort e o britânico Turner, pois ambos lutavam pelo título mundial. Depois de Turner ter levado a melhor em Silverstone, o pelotão enfrentou o temível circuito de Nurburgring Nordschleife, com as suas mais de 120 curvas e os 22 quilómetros de extensão. Após seis provas, Turner era o líder, com 34 pontos, mais quatro que Beaufort. E ambos já tinham cavado uma distância considerável sobre o terceiro classificado do campeonato, o carro de Bruce McLaren, com 16 pontos. Mas se havia uma luta pelo campeonato de pilotos, o de construtores parecia ser um passeio para a Jordan, dado que tirando a Ferrari, que já começava a correr com três carros, devido ao novo influxo de dinheiro, todos os outros tinham um carro em permanência. Com os dois carros a pontuarem frequentemente, parecia que o título de construtores era um facto quase consumado para Bruce Jordan.

Como havia poucos inscritos na Formula 1, e dada a extensão da pista, a Formula 2 também era corrida ao mesmo tempo do que os carros mais potentes. Com um alinhamento maior, eles podiam dar nas vistas perante os graúdos. E isso não foi difícil, especialmente nos treinos.

A época era uma luta a três, entre o francês Carpentier, o finlandês Kalhola e o sildavo Monforte. Mas o francês andava com um carro de fábrica, e este era melhor do que os Tecno ou Jordan. Tirando Thruxton, Carpentier tinha ganho quase todas as corridas, excepto um em Hockenheim, onde o motor rebentou quase no final da corrida, deixando a vitória nas mãos de Monforte, que tinha batido Kalhola e o italiano Bernardini, num outro Tecno. Esses quatro lá entravam na luta pelo pódio, mas quase sempre as coisas acabavam bem para o jovem piloto francês.

Em Nurburgring, Carpentier estava com um chassis de Formula 1, logo, era um concorrente a menos. Mas mesmo com ele, duvidar-se-ia se pudesse impedir a performance do piloto sildavo. Sendo o primeiro piloto da Tecno, e apesar da sua juventude que impunha os seus 23 anos, parecia que tinha uma memória fotográfica. Bastavam-lhe duas passagens pelo circuito para dar nas vistas, fazendo a pole-position, como também colocando o seu carro de Formula 2... no quinto posto da grelha de partida! O menor peso tinha contribuido, era verdade, mas os 22 quilómetros deste monstruoso circuito eram suficientes para marcar a diferença. Quase três minutos de diferença sobre Kalhola, Bernardini e Pierre Brasseur, o francês substituto de Carpentier na Formula 2.

E somente fora batido por Turner, Reinhardt, Beaufort e Van Diemen. Esse tempo de Monforte, por exemplo, era dois segundos melhor do que o BRM de Teddy Solana. E ele tinha um singelo motor V12...

A corrida foi outro duelo entre Beaufort e Turner, que mesmo para além dos 40 anos, não acusava nada a idade. E ambos partiram rumo à vitória, nas 15 voltas ao Nordschleife, deixando a concorrência para trás. Infelizmente, no final da segunda volta, Turner quebra o motor, deixando o francês na frente, perseguido por Reinhardt, Van Diemen... e Monforte, que conseguia acompanhar o ritmo dos pilotos de Formula 1! O sildavo bem puxou pelos seus limites e pelos do seu carro, e todos esperavam que iria quebrar, mais cedo ou mais tarde. Mas aguentou bem, tão bem que ainda assistiu ao susto de Beaufort, quando a sua suspensão ficou parcialmente quebrada a meio da volta dez, após uma pasagem pela Flugplatz. Com um incrivel sangue frio, conseguiu controlar o seu carro e encostar à berma. Saiu do carro e viu da berma os outros a passar. Sem os candidatos ao título, a Ferrari teve o seu dia, com Van Diemen a vencer, depois dos espectadores da casa ainda virem Reinhardt atrasar-se na volta 12, com um furo, caindo para o quinto posto.

Solana foi o segundo e McLaren o terceiro, mas entre eles ficou o vencedor da corrida de Formula 2, Alexandre de Monforte. Se ele não poderia ser campeão, ao menos mostrava a sua raça, calculismo e sorte na pista mais desafiante de todas. E conseguiu, com as suas proezas a serem comparadas a Juan Manuel Fangio, herói do Nordschleife doze anos antes. O McLaren privado de Andreas Gustaffson, o outro Ferrari de Peter Reinhardt e um segundo McLaren oficial, para o seu amigo Peter Revson, companheiro de equipa na Can-Am, fechavam os pontos. O Eagle - Apollo de John O'Hara não chegou ao fim.

Na Formula 2, só se tinha pena daquela vitória em Nurburgring não ter valido o dobro de pontos, pois assim poderia lutar pelo título. Mas aqui, levou a melhor sobre Kalhola e Brasseur, que o acompanharam no pódio.

Passado um mês, estavam todos em Monza. Do desafio de subir e descer montes ao longo de 22 quilómetros, passavam para um mais curto, com cinco. Mas em mais de 75 por cento das vezes, corriam com o pedal a fundo, quase como se estivessem a correr no agora desactivado anel externo do circuito. Depois do acidente mortal de Jean-Pierre Sarti, três anos antes, a organização decidiu abandoná-lo de vez, passando para o circuito, que apesar de ter duas curvas para a direita, as Lesmos, e a fabulosa Curva Parabolica, a unica verdadeira deste circuito, o resto era uma recta. E mesmo outras curvas, como a Curva Grande, a Della Roggia ou a Vialone, deveriam ser dita com aspas pelo meio, pois não eram mais do que uma recta virada noutra direcção...

A luta entre Beaufort e Turner continuava ao rubro, pois a corrida alemã em nada alterou a situação pontual. Apenas atiçou a luta pelo terceiro posto, pois Van Diemen ficou com 21 pontos, menos um do que Bruce McLaren. E ambos começavam a deixar escapar o duo franco-britânico.

Em Monza, a Jordan mantinha os dois carros para os dois Bob's: Turner e Bedford. A Ferrari tinha três máquinas, para Van Diemen, Reinhardt e Bernardini, enquanto que a Matra colocava Beaufort e Carpentier na lista de inscritos. Apesar de inicialmente contarem apenas com ele nas provas americanas, decidiram antecipar a sua entrada, depois de desempenhos aceitáveis em Charade e Nurburgring. E ele já estava ali como o novo campeão da Formula 2, ao vencer convincentemente em Enna-Pergusa, aproveitando a desistência dos seus adversários directos. A uma prova do fim, podia faltar à prova de encerramento do campeonato, em Vallelunga.

A BRM tinha por fim um companheiro para o mexicano Teddy Solana. Com o desaparecimento fisico de Peter Holmgren, cuja existência se tinha esvaído em chamas no seu Porsche 917 branco na Maison Blanche de Le Mans, a Ecurie Holmgren decidiu encerrar as suas actividades, oferecendo Gustafsson à marca britânica, em troca de algum dinheiro. Algo bem-vindo naquele "saco de gatos"... e falava-se de que poderiam colocar um terceiro carro nas corridas americanas. Eram os rumores da altura.

Com a Eagle-Apollo com apenas um carro, Pete Aaron e a sua equipa, ajudada pelos mecânicos de Mike Weir, mais o seu piloto John O'Hara e a ajuda da sua irmã Sinead, que era muito mais do que a menina que tirava os tempos dos pilotos, as coisas começavam a andar nos carris. Pete já se embrenhava no dia-a-dia da sua nova vida, embora achasse que seria melhor colocar as coisas em mãos mais capazes, pois sendo um bom piloto de testes ou de corrida, e tivesse conhecimentos de engenharia, ainda lhe faltava experiência para conduzir aqueles aspectos legais e recrutar pessoas capazes. Até agora, delegou isso a outros e ouviu as suas sugestões, confiando nos manos O'Hara. Mas ele era apenas um piloto...

Ali, pensava-se pouco na temporada seguinte. Já tinha um bom projectista, julgavam eles, uma boa garagem e um bom piloto. Mas faltavam mais coisas: um bom acordo de patrocínio, apesar dos dinheiros da marca de whiskey O'Hara, um contrato de motores mais sólido com a Cosworth, já que eles davam prioridade à Jordan, e por fim, um segundo piloto. Teddy Solana seria em principio o seu piloto, mas... e se a BRM não o quiser libertar? As coisas estavam no seu rumo, mas muito ainda havia a fazer. Precisavam de, por exemplo, um contrato exclusivo em termos de lubrificantes ou de pneus, e deveria ser arranjado ate ao final do ano.

- Que pensas? perguntou Sinead.
- No nosso futuro, afirmou Pete.
- Acho que as coisas andam bem encaminhadas, afirmou.
- Sim, mas preciso de mais garantias, retorquiu. Precisamos de um fornecedor de pneus, por exemplo. Ainda penso na conversa que tive com o Dan e no encontro que marcou com a Goodyear. Dava jeito eles disserem que sim.
- E a gasolina?
- Não sei. Texaco, Gulf, Chevron... estão interessados na coisa cem por cento americana, mas querem que pinte o carro com as suas cores. Já lhes disse que assim não. Em suma, estou dependente da vossa bebida, afirmou Pete.
- Se for por aí não há problema, respondeu.
- Mas não deve ser assim, retorquiu, elevando o tom de voz. Não posso estar dependente só de ti ou do teu dinheiro. E se algo de mal acontecer? Achas que a tua mãe continuaria a apoiar-me? Uma coisa é o Michael e o seu filme, outra coisa é o teu irmão e o dinheiro que está atrás.

Sinead abanou a cabeça em sinal de concordância. Pete prosseguiu:

- Enquanto não aparecer com um contrato de cem mil dólares por ano, que me garanta que tudo corra bem, mesmo quando as coisas corram mal, vou continuar a dormir mal à noite. Gosto muito do teu irmão, mas não deves esquecer que este é um desporto perigoso. Nem quero pensar se algum dia o perder, compreendes?
- Nem devias falar assim. Não devemos pensar se algum dia isso poderá acontecer...
- Acreidita, Sinead, ela pode. Isso, eu aprendi da pior maneira possível, desde o Von Trips e o Sarti, aqui em Monza, em anos diferentes, até ao pobre Holmgren agora em Le Mans. E viste as consequências disso... a viuva e a familia decidiram acabar com a equipa dele.

Sinead ficou em silêncio. As coisas ficaram assim por um instante, quando o "speaker" de serviço anunciou em italiano: "A corrida vai começar dentro de cinco minutos".

- Tenho de falar com o teu irmão, ver se está tudo nos conformes. Espero que a caixa nova funcione desta vez, já bastou a noite perdida a trocá-la, depois dos problemas de ontem, que não conseguimos marcar um tempo decente. Ainda bem que o fizemos na sexta-feira...

De facto, não tinha sido um fim de semana fácil para a Eagle-Apollo e para John O'Hara. a caixa de velocidades cedeu nos treinos de Sábado, impedindo de marcar tempos decentes e não indo além do oitavo tempo. Depois de algumas horas com a nova caixa Hewland de cinco velocidades, esta tinha sido testada no "warmup" sem problemas de maior, mas tinha sido perdido muito tempo. Como seria de esperar, em Monza, quem tem um motor mais forte ganha, e os Ferrari de Reinhardt e Van Diemen eram os melhores. Mas entre os dois estava o Matra de Beaufort, também com um motor V12 francês, com um ruído que estava a entrar nos ouvidos dos adeptos, tão reconhecível como os V12 italianos ou os britânicos, graças à BRM.

O'Hara estava na ponta direita da terceira fila, tendo a seu lado o carro de Bruce McLaren e na outra ponta, o BRM de Solana. À sua frente na fila estavam o Jordan de Turner e o Ferrari de Bernardini. E atrás de si estavam o Matra de Carpentier e o Jordan de Bedford. Depois o McLaren de Revson, o BRM de Gustafsson e um Jordan privado, chassis do ano passado, conduzido por um piloto espanhol chamado Alvaro Ortega. Atrás deles estavam mais alguns pilotos privados, italianos ou ingleses. Ao todo estavam 18 pilotos.

Depois de evacuada a grelha e os motores a funcionarem, os pilotos preparavam-se para a chegada do comissário, que do lado das bancadas, tinha na sua mão uma bandeira verde. Quando a agitou, os motores atingiram um pico máximo e partiram para 68 voltas de emoção. Só não sabiam ainda até que ponto aquilo iria ser emocionante...

(continua)

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