terça-feira, 24 de maio de 2011

Grand Prix 1972: A última visita do ano (III)

(continuação do capitulo anterior)

Na hora que se seguiu, a atividade foi frenética. Em inglês e espanhol, na torre de controlo, faziam-se apelos à calma da multidão e que evitasse atravessar a estrada, dado que iriam passar carros a mais de 250 km/hora. E quem falava de multidão, falava não só de pessoas. Haviam cães, gatos e outros animais na zona que, ora atraídos, ora assustados com as pessoas, circulavam por ali e poderiam ser perigosos para eles. Os carros começavam a alinhar na grelha, e a multidão foi controlada da melhor maneira que podia, com alguns pilotos ainda preocupados com o que se passava.

Sabiam que não havia condições para correr, mas sabia-se também que um cancelamento tão em cima da hora poderia levar a um motim do qual a policia local teria muita dificuldade em controlar. E ainda se sussurava sobre os eventos de três anos antes, quando a policia carregou sobre uma multidão na praça Tlatleloco, a poucos dias dos Jogos Olímpicos, onde algumas dezenas de pessoas tinham sido mortas, segundo alguns, centenas. E ninguém queria que Magdalena Mixuca fosse um segundo Tlatleloco, logo, desta vez tinham de engolir o seu orgulho e avançar.

A corrida iria começar com meia hora de atraso, o que enervou algumas pessoas, que bebendo as suas Coronas, começavam a deitar fora as suas garrafas para o meio da pista, ora por impaciência, ora por bebedeira. E esses pedaços de vidro partidos no meio da pista poderiam ser um potencial para pneus furados e despistes a alta velocidade. Em suma, se a corrida não começasse agora, o barril de pólvora seria maior.

- Diabos, estes tipos são doidos? pergunta Pete.
- Quem, os pilotos ou a multidão? diz Alex Sherwood.
- São todos, todos. Esta corrida deveria não se realizar, mas agora é tarde demais para voltar atrás.
- É… vamos torcer para ninguém se magoe.
- Nesse aspecto, adoraria ser tão otimista como tu.

Nesse preciso momento, os motores roncam para que os carros se alinhem na grelha definitiva. O diretor de corrida vai a correr à frente deles, onde, devagar, os carros se colcam nos seus lugares. Solana e Van Diemen estão lado a lado, prontos para verem desfraldada a bandeira mexicana para dar lugar a uma corrida de 72 voltas. Concentrados, os pilotos olham para a bandeira, à medida que o ronco do motor aumenta ainda mais. Momentos antes, entre o momento em que ligou o motor e o colocou a rodar, Teddy tinha feito o sinal da cruz por duas vezes, mais uma do que costumava fazer, dado que começava a ter medo do que iria acontecer nos minutos a seguir. No meio do barulho, murmurou:

- Quanto mais cedo acabar a corrida, melhor.

Enquanto isso, todos olhavam para a bandeira mexicana, que se erguia no ar por parte do diretor. Os segundos passavam lentamente e todos aqueles milhares de olhos estavam concentradas nesse pedaço de pano verde, branco e vermelho, com uma águia em cima de um cacto a segurar uma cobra com as suas patas como símbolo, mesmo no meio da parte branca da bandeira.

Então, depois de momentos que pareciam uma eternidade, o comissário saltou e agitou violentamente a bandeira. Imediatamente a seguir, milhares de cavalos faziam rolar as rodas, que queimavam a borracha, que faziam arrancar dos seus lugares, acelerando a caminho da primeira curva. A multidão delirou, aplaudindo, agitando os seus punhos, gritando palavras de incentivo ao seu “muchacho”, que lutava contra os “gringos” vindo dos quatro cantos do mundo para estarem ali.

- Agora, serão 65 voltas de tortura. Que ninguém se magoe, afirmou Bruce Jordan.

Depois de mais de um minuto de incerteza, começam a passar os primeiros carros pela meta. Os Ferrari estavam na frente, Van Diemen no primeiro lugar, seguido de um surpreendente Bernardini, com os BRM de Solana e Hocking logo atrás. Na boxe da Apollo, via-se De Villiers no quinto posto, mas à medida que os carros passavam, não havia sinal de Monforte. A preocupação começou a acumular-se, e Teresa olhava, nervosamente para a pista, procurando por sinais de fumo. Mas não havia. Pouco depois, o anuncio: Monforte estava parado nos Esses, vitima de um braço da suspensão partida. Após alguns minutos, e enquanto que os carros faziam a sua sexta volta, sem alterações de monta, ele apareceu num carro da organização. O carro, esse, provavelmente já estaria a ser parcialmente canibalizado pelos espectadores, que queriam levar o seu “souvenir” para casa.

- O que aconteceu? pergunta Pete.
- Levei um toque quando passava o Teddy Solana, no gancho.
- Estás ferido?
- Não tenho nada. Apenas colocamos as rodas no ar e mais nada. Só quando acelerei é que notei que a suspensão frente-direita estava quebrada e a roda ameaçava sair. Parei enquanto pode, não podia arriscar um acidente.
- Fizeste bem, embora ache que os espectadores irão ficar com o nosso carro…
- Pois, isso não podia fazer muito… a corrida?
- Os Ferrari estão na frente…

De imediato, atrás deles, um Ferrari ia a caminho das boxes, com pedaços de borracha a saírem do pneu. Os mecânicos corriam freneticamente à volta do carro para mudar o pneu do carro em questão, demorando quase uma eternidade para fazê-lo. Era o carro de Michele Guarini, que estava no meio da tabela, mas que certamente iria voltar à pista quase nas últimas posições, se voltasse.

Quando por fim o Ferrari arrancou, Mauro Forgheri, o diretor desportivo da marca, olhou para o pneu e gritou:

- Bastardi, bastardi! Mandaram garrafas na pista e agora está cheio de cacos de vidro. O que vai acontecer se outro pneu rebentar a alta velocidade?
- É muito mau. Acho que deveriam parar a corrida.
- Agora é um pouco tarde, não é? Ninguém quer um motim…
- Mas também podemos acabar com um dos nossos morto.
- Se calhar é isso que querem. Eles tem de saber que já não toleramos isso. Isto – apontou para o pneu em questão – é tentativa de homicídio. E isto não posso tolerar.
- Resta para que não aconteça mais nada, disse o engenheiro que estava a seu lado.
- Esquece. Depois deste vão aparecer outros furos. Estás a ver? aponta Forgheri.

De facto, naquele momento, o Jordan de Antti Kalhola entra na boxe com o pneu traseiro esquerdo furado, com a borracha arrancada e com o aro à mostra, incapaz de continuar. O jovem finlandês, frustrado, sai do seu carro, tira o capacete e com um ar calmo, diz:

- Bruce, estamos a caminhar para uma catástrofe. Quase apanhei um susto por causa de um cão.
- Quando?
- Há duas voltas, na zona anterior ao gancho. E antes vi pessoas a correr de um lado ao outro, na zona aqui da Parabólica.
- Peraltada, queres tu dizer.
- O que quer que se chame, isto está a ficar demasiado perigoso para nós todos.
- Tem calma, pode ser que tudo acabe em bem.
- Então, começa a rezar. Eu acho que tive sorte em não acabar a corrida.

Na 18ª volta, na boxe da Apollo, Philipp De Villiers aparece de repente nas boxes. Estava fulo e via-se da maneira como tirou, primeiro o volante, depois as luvas, e por fim o capacete. Zangado, dirigiu-se a Pete, Alex e Alexandre. Teresa e Pam viam tudo do outro lado das boxes.

- Manda parar a corrida. Eu não tenho condições para correr assim.
- Porquê?
- Eu quase morri há pouco. Teve um maluco que atravessou-se à minha frente. À minha frente! Estão pessoas nas bermas a arriscarem-se a vida, com um pé no asfalto… eu vim correr para um manicómio!
- Tem calma, tem calma. Eu sei que isto é mau, mas deverias ter continuado. Não deverias ter largado o carro…
- Chefe, não tenho condições para correr. Não neste ambiente…

De repente, as pessoas apontam para um sitio distante na pista. Uma coluna de fumo negro elevava-se para o ar, em linha reta, dado que não havia vento nesse momento. Momentos depois, o diretor de corrida apareceu com uma bandeira vermelha, que a mostrou para os pilotos na pista. E logo a seguir o anuncio:

“Carrera interrompida. O BRM numero 19 de Teodoro Solana Hernandez está em chamas na zona do Esse del Lago”. A seguir, as sirenes das ambulâncias começaram-se a ouvir um pouco por todo o lado, temendo o pior. A corrida está interrompida na volta vinte das 65 voltas previstas para essa corrida. O ambiente estava tenso à medida que os carros paravam ao pé da reta, alinhados, esperando por mais novidades. A coluna de fumo que se erguia fazia temer o pior entre eles.

(continua amanhã)

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