quarta-feira, 22 de março de 2023

Autosport e como os tempos mudam


Quando me meti na aventura do jornalismo, a televisão estava na moda, e a Internet era ainda algo da ficção cientifica, embora o World Wide Web tinha já sido inventado. Nesses dias de meados da década de 90, pensávamos que o papel continuaria "ad aeternum", desconhecendo - ou subestimando - a revolução que seria a Internet. Mexíamos em computadores, do tamanho de uma mesa, e os que cabiam numa pasta eram poucos e muito caros. E nem falemos de telemóveis!

Essa foi a minha adolescência. E nesse tempo, chegou a haver dois jornais de automobilismo. Acreditam? E uma data de revistas de automóveis, creio que oito ou 10. Uma delas era a Autosport, que saía às terças - depois, às segundas - que fazia concorrência ao Volante, antes de se unificarem (e os mais velhos disseram-me que chegou a haver três!).

Mas isso foi antes de ter tornado revista, por exemplo. Independemente do formato ou do tipo de papel, ela não deixava de ser uma referência para o automobilismo e para os que amavam.  

Contudo, uma geração depois, o jornalismo em papel é algo que está em extinção. E os fatores são muitos: as pessoas leem menos, a nova geração perdeu o hábito, a Internet é o centro de tudo, é mais barato, a mudança é inevitável, etc. E os que resistem, com excepções, sabem que apenas um público fiel é que mantêm a máquina a funcionar. E também cometeram-se erros: dar gratuidade às noticias na Net, não sabendo das consequências, modificou as coisas para sempre. E quando se tentou corrigir com coisas como o "paywall", já foi tarde. 

Eu falo isso tudo depois de saber, no inicio desta semana, que a Autosport irá deixar de ser imprimida, para apenas manter o site. A última edição em papel será a do dia 29 de março. O declínio era inevitável, as vendas eram residuais, era uma matéria marginal, mas mesmo assim, a revista - que começou a ser um jornal, quando surgiu em 1977 - tinha-se tornado numa referência para os amantes do motor, tenham quatro ou duas rodas. Eu bem sei disso: afinal, colaborei com eles por cerca de ano e meio, do final de 2018 até ao inicio da pandemia, em 2020.

Confesso nunca ter pensado algum dia acabar lá, mas aconteceu. Apesar de ter sido assíduo leitor na minha adolescência. E custava dinheiro. Em 1991, eram cerca de 120 escudos - 60 cêntimos na moeda europeia - e quando tinha na altura uma semanada de 300 paus, era logo um terço do valor que recebia dos meus pais, no alto dos meus 14 anos. Já gostava de automobilismo, mas ali descobria outras coisas: a Formula 1 era conhecida, mas ralis, sport-protótipos, todo o terreno e outros, descobria que existia todo o tipo de modalidades que eles cobriam, por muito insignificantes que sejam. Perícias, já ouviram falar?

Mas nesse meu mundo de há 30 anos, a Autosport era um complemento de muitos mais. Havia no monolito da RTP um programa chamado "Rotações", que pelas quartas ou quintas-feiras, nos colocava a par das últimas desportivas e do dito "Comercio & Industria", a apresentação de modelos, fossem de "sonho", ou mais pragmáticos. Era outro farol, do qual hoje em dia, há quem recorde com nostalgia.

Fomos felizes? Sim, fomos. Não é que sejamos infelizes agora, apenas temos de aceitar que as coisas mudam. Os suportes mudam, mas os gostos não estão muito distantes. Existem dezenas de canais do Youtube que tratam daquilo que gostamos, sites e blogs que falam sobre o desporto que tanto amamos, ou que lemos sobre os assuntos que temos gosto, e gente de lados diferentes que, unidos por algo em comum, podem colocar de pé verdadeiros milagres. 

Felizmente, passei por isso. E espero voltar a passar por mais aventuras dessas.        

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