segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A insustentabilidade do modelo eclestoniano de organização

Ontem à noite, andava a passear pelo Twitter quando li o Blog do Ico, e as declarações de uma habitante barenita, uma das milhares que anda a manifestar pela mudança do seu regime naquele emirado do Golfo Pérsico, e da zona em geral. Dizia ela que sim, o GP local era também um dos motivos pelos quais estavam na rua a exigir mudança: "Existe uma ligação entre isto (o levantamento) e a Formula 1. Isto é o sonho de criança do principe herdeiro, e ele quer negociar (com a oposição) para que o seu sonho continue, e isso nos entristece porque ele preocupa-se mais consigo do que com as necessidades das pessoas".

Esclarecedor. Pensar que uma pessoa tirou os tanques e os policias das ruas para que dentro de três semanas toda a gente da Formula 1 possa desembarcar num minusculo ponto do Golfo Persico e correr como se nada tivesse acontecido naquele local, é no minimo assustador. E ficamos a pensar até que ponto esta Formula 1 chegou. Este modelo ecclestoniano de organização. E como o Ico fala hoje sobre isso, agora é altura de dar a minha contribuição ao assunto.

Como é óbvio, nunca morri de amores desta Formula 1 atual. Exigir aos organizadores somas imensas de dinheiro para organizar e manter os seus Grandes Prémios, com um caderno de exigências ao qual somente os mais endinheirados é que podem cumprir, numa gestão monopolista ao qual se o circuito não for projetado pelo gabinete do senhor Hermann Tilke, não entra, com um contrato inicial do qual tem de haver aumentos de 15 por cento por cada ano que esta corrida é organizada, e do qual sabemos nós que metade desse dinheiro vai parar aos bolsos do próprio Mr. E, é simplesmente assustador.

Já sabiamos há muito que esta Formula 1 é uma Formula Ecclestone: circuitos alargados e assépticos, localizações cada vez mais exóticas, afastando-se cada vez mais dos circuitos tradicionais, um desprezo cada vez crescente pelos espetadores e uma exigência cada vez maior por dinheiro. O resultado está aí: os paises mais tradicionais já dizem que não vão renovar os seus contratos, e os lugares mais exóticos estão também a pensar se irão organizar corridas por lá. Ora é por causa das revoltas dos seus povos, ora é porque já não há dinheiro que chegue para estas excêntricidades. E mesmo o mito de que a Formula 1 faz bem ao Turismo está cada vez mais a cair por terra.

Mas claro: Bernie Ecclestone não está nem por aí: só este ramo de negócio rende mais de 700 milhões de dólares aos cofres da FOM por ano, do qual metade do dinheiro vai para os seus bolsos. Mas ao ver localizações cada vez mais exóticos no calendário, ele o faz por uma razão: sabe que a Europa e os Estados Unidos já não rendem. Valência já "rebentou", Spa-Francochamps e Hockenheim dão prejuizos crónicos, e há muito que não há novas corridas na Europa. Nas Américas, o regresso do Canadá fez-se à custa de um novo imposto pago pelos hoteleiros de Montreal e suponho que ele tenha feito um bom desconto para ter a Formula 1 no Circuito Gilles Villeneuve. E nada sabemos sobre as finanças de Austin...

Se vocês andam a reeclamar porque é que o circuito de Portimão não faz parte do calendário, já ficam com uma ideia. O Estado português não paga - e nunca irá pagar - os excêntricos custos exigidos por Bernie Ecclestone. Não creio que Paulo Pinheiro, o dono do Autódromo de Portimão, esteja disposto a tirar vinte milhões de dólares por ano dos seus bolsos, com um aumento anual de 15 por cento, e ver toda a publicidade estática nas mãos do "anãozinho tenebroso". E mesmo que o Autódromo encha todos os anos de espanhois entusiastas, ele terá sempre prejuizo no final de cada ano, prejuizos esses que ao fim de algum tempo, se tornam insustentáveis. Ah... e como "piéce de resistance": o circuito não foi desenhado por Hermann Tilke.

Agora entendem porque é que, enquanto o Tio Bernie for vivo, não veremos o GP de Portugal? O cinto está muito apertado por estas bandas... e o tempo para excentricidades acabou.

Em suma, eis as consequências: se o povo do Bahrein sabe que esses 60 milhões que o Emir gasta por ano seriam melhor gastos em casas, escolas, saneamento básico, cuidados de saúde ou ajudas de custo para os mais desfavorecidos, os outros lados também já disseram que ter a Formula 1 nos seus sitios tornou-se mais uma maldição do que uma benção. O governo do Estado de Vitória, sitio onde se situa Melbourne, já disse que a partir de 2012 vão abdicar da Formula 1, e agora, segundo o Ico, o governo catalão já disse que não irá mais sustentar um encargo tão grande com o Grande Prémio.

O modelo ecclestoniano de organização é como o atual Médio Oriente: está em risco de implosão.

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