Eu sei que os amantes da Formula 1 gostam de pegar nas suas particularidades, na sua história e na sua tecnologia para dar uma espécie de superioridade moral, mas há uma coisa que tenho de dizer: mesmo que os chassis não sejam iguais, começam a ficar cada vez mais parecidos. Há tanta regulamentação e tanta definição do que devem ser os carros, motores, sistemas de refrigeração, de regeneração de energia, que anda tudo parecido. E as corridas são o que são.
Se forem para a IndyCar, cujos carros tem pouco mais do que a velocidade de um Formula 2, com chassis iguais e duas marcas de motores, ou a Formula E, com chassis iguais e cada um pode desenvolver o seu sistema de energia, as corridas são diferentes. Não há dominios, não há corridas aborrecidas, há incerteza. Porquê têm de sr inferiores? Porque um é essencialmente um campeonato que corre nos Estados Unidos e o outro só existe desde 2014?
As equipas - não tanto a administração, que começa a reconhecer isso - tem de começar a sair das suas "torres de marfim" e pensar que têm de trabalhar para tornar a competição mais relevante, porque caso contrário, um dia acordam e descobrem que foram ultrapassados. Quando vejo o Bernie Ecclestone, no alto dos seus quase 90 anos, a dizer que gostaria de gerir a Formula E, eu não digo que está gagá ou disse isso porque está contra a Liberty Media, por o ter tratado mal. Acho até o contrário: está bem lúcido e sabe observar as coisas.
Há umas semanas, num sábado à noite, acabei a dar gritos e pulos de alegria ao ver o final de uma corrida. Sabem qual foi? Uma prova da Formula E no Autódromo Hermanos Rodriguez. E umas semanas depois, procurei um stream no Youtube para ver com atenção a corrida no Circuito das Américas da IndyCar Series para ver um garoto de 19 anos, filho de um piloto mediano na competição, conseguir a sua primeira vitória e festejar forte e feio. E não tem idade para beber álcool naquele estado!
A última vez que andei aos pulos e saltos para uma prova de Formula 1 foi há muito tempo. São cada vez poucos os momentos que me ficam na memória. Mesmo as provas com chuva, estas já começam atrás do Safety Car. Lá vai a superioridade moral em relação aos americanos, que sempre que chove forte, cancelam a corrida...
Ontem à tarde, apressei-me para chegar a casa no sentido de estar a tempo de ver a corrida de Formula E em Roma. Já faço isso há algum tempo: não sair nas noites de sábado ou acordar cedo para ver essas provas. Para fazer isso na Formula 1, é mais por minha convicção, apelar aos meus quase 35 anos de convívio com a competição para fazer, porque há uma parte de mim que começa a dizer "para quê acordar às cinco da manhã para ver os mesmos vencerem?"
Eu sei que muitos concordarão comigo, mas dão soluções que, a meu ver, estão erradas. Voltar ao passado não resolve a situação. Não é voltar a chassis de alumínio ou aos Cosworth V8 e está feito. Deitar fora a tecnologia em nome do entretenimento significa entregar o ouro ao bandido. Outros pegarão isso e transformarão as suas competições naquilo que a Formula 1 deixou de ser para atender uma parte dos fãs. Que são cada vez mais velhos: a média anda pelos 43 anos. A minha idade. E vai ser cada vez mais velho, porque com a Formula 1 a se fechar cada vez mais em termos de transmissões televisivas - são cada vez menos os países que transmitem em sinal aberto - os mais novos não vão ter a chance que nós tivemos na idade deles. Em nome do dinheiro, cortaram a chance da renovação das gerações.
A Formula 1 é um produto do século XX. Vem das origens do automobilismo, melhorado organizativamente com as corridas dos anos 30 onde... os carros alemães dominavam. Cresceu com os italianos, os britânicos, os alemães, os franceses e alguns americanos. Deixou que entrassem novas tecnologias, experimentou outras coisas, e muitas deram resultado. O Turbo, a aerodinâmica, ou colocar o motor por trás do condutor foram casos de sucesso. As quatro rodas motrizes foram um fracasso, enquanto o Tyrrell P34 de seis rodas foi mais uma curiosidade que teve bons resultados.
Contudo, não sei se a Formula 1 sobreviverá ao século XXI. Vejam isto: na semana que passou, vi um carro sem condutor chegar aos 300 km/hora. Um carro sem condutor, volto a repetir. Podem dizer que os carros elétricos não passam de "apps sem rodas" ou lá o que é, mas o que vejo ali é o trabalho de engenheiros e codificadores. Já não é mais construir motores, agora é escrever linhas de código para serem mais velozes que a concorrência. E o futuro vai ser esse, não é a ascensão das máquinas, mas é o final de uma era e a chegada de outra.
E digo nestes últimos tempos que a Formula 1 nunca teve na sua história dez construtores de automóveis no seu pelotão, nem em termos de chassis, nem em termos de motores. Mas a Formula E têm, neste momento. E vai acolher mais um, a Porsche. A IndyCar anda a "implorar" para que entre um terceiro fornecedor de motores porque afirmam "começar a ter dificuldades" em fornecer motores a um pelotão cada vez maior. Imaginem a IndyCar com mais um construtor de chassis e mais um ou dois fornecedores de motores. Pode ser 1993 de novo. Sabemos que a McLaren Racing vai para lá, com ou sem Fernando Alonso. E 2019 poderá ser o primeiro ano em mais de 25 em que poderemos ver até 40 carros nas 500 Milhas de Indianápolis.
Quantas equipas andam a bater à porta da Formula 1 neste momento? Nenhuma, não é? E se calhar, nem querem. É super caro e os construtores decidiram há muito tempo que não querem mais do que dez, para não perderem dinheiro vindo da FOM.
A terceira década do século XXI está a bater à porta. O mundo muda diante dos nossos olhos. O futuro chegou há bastante tempo e vejo cada vez mais pessoas a exprimir a sua nostalgia, como um refúgio da paisagem que não gostam de ver. Eu não vou dizer que já vi o fim da Formula 1, mas já cheguei à conclusão que em termos de emoção e incerteza, esta não se aburguesou. Virou uma nobreza decadente, em muitos aspectos alheia ao que se passa à sua volta. E os que sabem, começam a assustar-se.
2 comentários:
A F1 parece de uma variedade de regulamento,no contexto atual, mas a fórmula Indy atualmente é mais lenta que a Superformula Japonesa,WEC lmp1 e F2. Contudo,se há equilíbrio no campeonato monoposto americano deve-se ao artificialismo das bandeiras amarelas.
O campeonato que merece servir de referência é a MotoGP.
Quando vi o Hamilton com 5s de vantagem, tentei pensar que em 1988 o Prost e o Senna só se ultrapassaram, salvo erro, em três GP durante toda a temporada.
Mas a verdade é que algo está mal, e não é só o facto de o Stroll não poder ser despedido porque é dono da equipa.
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