quarta-feira, 28 de agosto de 2019

A imagem do dia

22 de abril de 1969. São momentos de tensão. Um grupo de pessoas observa um conjunto de carros alinhados, para exposição. Em primeiro pleno, o idealizador: Ferdinand Piech, então com 32 anos, tenta convencer a CSI, Comission Sportive International, de que tem os carros suficientes para poder alinhar no Mundial de Endurance e nas 24 Horas de Le Mans. Eles deram a sua aprovação poucos dias depois, a 1 de maio, e o carro iria depois fazer lenda no automobilismo.

Piech, morto este domingo aos 82 anos, era um homem difícil de trabalhar. Tinha tanto de genial como de autocrata. John Phillips, jornalista da Car and Driver, escreveu certa vez que "o sorriso de Piech era capa de fazer descer a temperatura ambiente da sala em quinze graus Celsius".  Era disléxico e ateu. Casou-se por quatro vezes e teve doze filhos.

Contudo, o seu estilo e carisma fez com que tivesse uma carreira na industria automóvel semelhante ao de Henry Ford, criando um grupo poderoso no meio, um dos maiores do mundo, salvando a Volkswagen e a Audi da bancarrota, nos anos 90, e expandindo as marcas nos Estados Unidos, especialmente quando em 1998 decidiu voltar a fazer a nova geração do Carocha (o Fusca, no Brasil)

Mas a primeira vez que o mundo o ouviu falar, para além de ser o neto de Ferdinand Porsche, fora em 1969, no automobilismo, quando decidiu fabricar o 917, com o objetivo de vencer em Le Mans. A marca já participava desde os anos 50, com variações do 356, e nos anos 60, com o 908 e 906.

O 917 surgiu quando a CSI decidiu abrir o regulamento da Endurance aos motores de cinco litros, pertencentes ao Grupo 4, com um número mínimo de 25 protótipos, que iriam durar entre 1969 e 1971. A ideia inicial era de modificar os 908 para lá caber os motores, mas Ferdinand Piech decidiu ser mais ousado: construir um chassis próprio, e lutar com Ford e Ferrari pela conquista de Le Mans e do campeonato.

O carro foi mostrado em março de 1969 no Salão Automóvel de Genebra, depois de dez meses de projeto. E naquele dia da foto, aquilo era uma ilusão: desses 25 carros, apenas três estavam completos e o resto foi mostrado sem motor. E alguns desses chassis não tinham "esqueleto", mostrando apenas um conjunto de partes juntas por uma estrutura de madeira. Mas mesmo assim, a CSI achou que estavam completos o suficiente para poderem participar nas 24 Horas de Le Mans desse ano.

A história é conhecida: dois tipos de carro, o L (Langhenck, cauda longa), era veloz nas retas e muito instável nas curvas, e isso foi a causa do acidente mortal de John Woolfe, na primeira volta das 24 Horas desse ano - aliado ao facto de não ter colocado o cinto de segurança nessa altura - e o K (Kurzhenck, ou cauda curta), que ficou na memória de todos graças aos carros da John Wyer Racing pintados de azul e laranja da Gulf, e guiados por pilotos como Jo Siffert, Pedro Rodriguez, Leo Kinnunen, Richard Attwood, Vic Elford e outros. E claro, o filme "Le Mans", com Steve McQueen como protagonista, ajudou imenso na imortalização do carro na memória de toda uma geração. 

Piech sempre resistiu ao canto da Formula 1, preferindo sempre a Endurance, onde foi muito mais feliz. Não se admira o porquê. E até pode ser um pouco poético que ele tenha ido precisamente meio século depois desta imagem.

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