quarta-feira, 26 de maio de 2021

A imagem do dia (II)


Vittorio Brambilla foi um tipo de piloto que já não se vê mais na Formula 1: alguém que nasceu no circuito, viveu nele, e não quis fazer outra coisa na vida senão aquilo. Não nasceu em berço de ouro, e só virou para os automóveis numa altura em que a maior parte dos pilotos pensa mais na sua retirada... antes que a gadanha da Morte o apanhe.

Brambilla foi piloto de motos e apenas no final dos anos 60 é que trocou as duas pelas quatro rodas. E a sua primeira corrida na Formula 1 fora em 1974, na provecta idade de... 36 anos. Vira o seu irmão mais velho, Ernesto "Tino" Brambilla correr pela Ferrari, em 1969, e perguntou a ele mesmo... porque não? 

Apesar da sua chegada tardia, a sua carreira foi meteórica. Durou apenas quatro para lá chegar, e com o apoio da firma de utensílios mecânicos Beta, o seu carro laranja passou a ser altamente reconhecível, quer quando guiou pela March, quer quando guiou pela Surtees, até 1978.

E em 1975, Brambilla teve o seu grande ano. Primeiro na Suécia, quando conseguiu a pole-position, e depois, na Áustria, quando os céus desabaram sobre o pelotão da Formula 1, e lhe deu aquilo que desejava: vencer. 

O italiano era muito bom à chuva, isso se sabia. Oitavo na grelha, partiu muito bem e era terceiro no final a primeira volta, de uma corrida liderada por Niki Lauda. Mas cedo se via que ele não conseguia lidar com a chuva e as más condições na sua corrida natal - aliás, ele teria de esperar até 1984 para vencer por ali - e começou a ser assediado pelo Hesketh de James Hunt. O britânico passou-o ao fim de 15 voltas, mas Brambilla estava atrás dele, e era mais rápido. O assédio foi tal que a oportuniade calhou quando Hunt viu pela frente o seu companheiro de equipa. Um americano que estava a ter naquele dia a sua primeira corrida de Formula 1: Brett Lunger. 

Os americanos não estão habituados a correr em pista molhada, e naquele dia, ele queria sobreviver à tempestade. Mas Hunt, quando o viu pela frente, hesitou em passá-lo, e o italiano viu a oportunidade. Passou a ambos de uma penada só e o britânico andou por duas voltas a conseguir a mesma coisa, perdendo tempo precioso, vendo Brambilla indo embora.

Entretanto, a tempestade vem com mais força, e os donos das equipas discutiam com a organização para que a prova fosse parada até que as coisas se acalmassem. Bernie Ecclesone, o dono da Brabham, gritava para eles que agitassem a bandeira vermelha, e lá aceitaram, na volta 29. Só que levaram com eles a bandeira de xadrez, significando que a corrida tinha terminado. Quando Brambilla viu aquilo, largou o volante e entrou em despiste, batendo no muro das boxes e danificou o nariz. Uma maneira atabalhoada para comemorar, e ficar com 4,5 pontos, pois como não tinha sido atingido os 75 por cento da corrida, ficaram com metade dos pontos.

Mas nada disso importava: Brambilla, o Gorila de Monza, ficou feliz. 

Retirou-se em 1980, aos 42 anos, depois de uma pequena passagem pela Alfa Romeo, dois anos depois de se ter envolvido na carambola da primeira chicane na primeira volta do GP de Itália, onde Ronnie Peterson foi o ferido mais grave. Ele levara com um pneu no seu capacete, mas recuperou. Quando se retirou, dedicou-se à sua oficina perto do circuito, e o nariz do seu carro vencedor em Zeltweg estava lá exposto para os visitantes, como recordação de uma tarde inesquecível. 

Faz hoje 20 anos que morreu. Para alguém que evitou o mais que pode uma morte violenta ao volante de carro rápido, um ataque cardíaco enquanto aparava a relva tem o seu quê ironia poética. Mas não importa: este gorila tem o seu lugar na nossa memória e da história do automobilismo.

Sem comentários: