segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Grand Prix (numero 93 - Watkins Glen III)


Sábado à noite, Watkins Glen.

No hotel, Pete Aaron jantava com a equipa e com Michael Delaney, que já não o via há meses. Apesar de estar ocupado com o filme sobre Le Mans, que rodara, produzira e o interpretara, não tinha perdido o interesse pela equipa, dado que ele era detentor de um terço dela. Depois do jantar, no átrio do hotel, os dois estavam a discutir os acontecimentos daquela tarde e sobre a temporada em si.

- Estou impressionado com vocês, confesso. Nâo esperava que tivessemos uma primeira temporada tão boa. Duas vitórias e um excelente safra de pilotos... eles são mesmo bons, não são?
- Sim, o Monforte e o De Villiers são duas belas garantias de futuro, e ficarão conosco em 1971, para ver se continuam no rumo certo. Gostaria de discutir o campeonato desse ano, confesso.
- E o Teddy?
- Esse vai para a BRM, substituir o Bob. De uma certa forma, ele nunca abandonou a equipa, carregou-a no seu esprito. Agora sem o Bob, ele volta para ser o nosso concorrente. E não é bom tê-lo como adversário, confesso.

Ambos estavam sentados nos sofás, com Delaney a fumar o seu cigarro e a beber um brandy. Aaron só bebia, porque fumar era algo que tinha decidido abandonar desde há algum tempo. Logo a seguir, os pilotos entravam no salão do hotel, para juntar-se a eles e descontrair, pois havia uma mesa de "snooker".

- Boa noite, meus senhores - apresentou-se Alexandre - algum de vocês quer jogar uma partida de "snooker" conosco?
- Por mim, passo por agora, disse Michael.
- Porque é que não vais buscar a Teresa? perguntou Pete.
- Ela está com a Pam e parece que só falam de crochet... respondeu Alexandre.

Elas vieram pouco depois para o salão, para continuar a conversa. Foram para os sofás, juntando-se a Pete e a Michael, e os rapazes recrutaram Alex Sherwood para jogarem umas partidas para descontrair. Estiveram por ali até perto da meia noite, quando aos poucos, todos foram deitar. Os últimos a ficarem foram Michael e Teresa, que estando sozinhos, começaram a conversar sobre os seus ambientes.

- Diz uma coisa, como é seres a namorada dele?
- Tem dias: gostas dele, dás conselhos, ouves as suas queixas e angustias, e ele ouve-me também.
- Mas sabes no que metes...
- Sei perfeitamente. Sabes, eu cresci em automóveis. O meu pai é importa de veículos, é o importador da Renault na Sildávia, para ser mais exacto. A primeira vez que o vi foi quando ele foi comprar um carro, um Alpine para ser mais exacto. Foi há dois anos, estava lá por acaso. Não pensei que iria voltar a cruzá-lo, foi tudo uma coincidência.
- Como assim?
- Trabalhava num jornal, quando um dia o editor perguntou-me se não queria ir a Madrid cobrir o GP de Espanha. Perguntava-me "o que uma moça vai fazer numa corrida", mas como ele sabia que conhecia automóveis, ele pediu-me para fazer isso. Dei-me bem e conheci o Alex. Senti-me atraída desde então.
- Tem algum defeito?
- É demasiado teimoso e fechado para o meu gosto. Sinto que ele ainda não confia em mim, mas já foi pior. E vejo que começa a gostar disto tudo, está a tornar-se numa obsessão. Mas compreendo: é neto de um homem mais importantes do automobilismo do meu pais. Mas há mais algo...
- Como assim?
- Sempre que um deles morre, quando desabafa comigo é quase a chorar. Quer contar algo, mas quando entro em detalhes, ele diz "um dia conto-te, não te preocupes". É assim especialmente depois das mortes do O'Hara e do Ortega. Não sei, temo o pior.
- Mas ele tem consciência dos perigos, não tem?
- Tem. É por isso que quando falo de casamento e filhos, ele foge da coisa. Até disse, certo dia, algo zangado: "tens consciência de que podes ser viúva aos 30 anos?" Não sei o que pensar...
- Descansa. São as angustias típicas de um atleta cujo desporto te encurta a tua expectativa de vida em muito.
- Confesso ter medo disto. E este ano fui a demasiados fuerais.
- Bom... o que te posso dizer é que da morte não escapamos. Só podemos torcer para termos sorte naquilo que fazemos.
- Eles perderam-na: Beaufort, O'Hara, Ortega, McLaren...
- Mas no final, sabes... até nem se importaram com isso. Estavam onde queriam, como queriam. A sorte e o azar somos nós que a fabricamos, e eles ao menos ditaram as suas condições. Mesmo aí foram uns sortudos. E agora vão ser lendas, acredita.
- Como assim?
- Porque vão viver para sempre. Os que morrem jovens vao ter a idade que morreram para sempre, e se chegarmos a velhos, veremos como o corpo se degradou. Olha para ti: um dia, engravidas do Alex e terão um filho. Achas que o teu corpo volta ao normal? Não vai. Depois terás rugas, os teus seios descairão, usarás óculos, aparecerão os cabelos brancos, as doenças e um dia acordas e terás 70 anos, os teus filhos serão adultos. E os que ficarão para trás manterão a idade que tinham quando morreram. Nunca envelhecerão. É como nós, em Hollywood, ou os musicos: James Dean morreu há 15 anos e continua igual, Rudolfo Valentino morreu há mais de 40 anos e continua a ter 31 anos, a idade que morreu, Jean Harlow idem... nunca os veremos com cabelos brancos, e continuamos a falar deles. Fica o legado para as gerações futuras.
- Entendo, disse Teresa, nostálgica.
- Vais ver. Se amanhã, um deles ganhar em Watkins Glen, Philippe de Beaufort será campeão do mundo, e a História nunca mais se esquecerá o ano de 1970 como 'a temporada em que o campeão estava morto antes de o receber'. Ele nunca mais seria esquecido, acredita. As enciclopédias falarão sobre ele, os jornalistas e historiadores escreverão sempre sobre ele, far-se-ão filmes e documentários sobre esses dias, e todos o verão como um homem sempre jovem, eternamente com 28 ou 30 anos.
- Tens razão, tens razão, disse. Então, ela sorveu o que restava do liquido no seu copo, apagou o seu cigarro e saiu do bar. Quando desejou boa noite a Michael, ele retorquiu:
- Espero que o teu marido ganhe amanhã.
- Ainda não sou casada, Michael.
- Desculpa, tinha-me esquecido.
- Mas... espero que ainda não tenha adormecido, disse com um sorriso maroto.
- Porquê?

Teresa continuou a sorrir e disse "até amanhã".

--- XXX ---

Domingo, 4 de Outubro de 1970.

Ao contrário do que tinha acontecido nos dias anteriores, aquele Domingo tinha começado com céu cinzento, e ameaçava chuva. Pelas nove da manhã, pouco antes do "warm up", uma chuva miudinha tinha caido na pista, humedecendo-a, mas não o suficiente para criar uma cortina de água atrás de si. Contudo, toda a gente usava pneus de chuva para poder correr devidamente. A chuva continuava a cair, miudamente mas persistentemente, e na Apollo, as pessoas começavam a ficar preocupadas.

- Dava jeito a chuva parar agora. A cada minuto que passa, fico preocupado, disse Pete.
- Estás a referir aos pneus novos da Greatyear? continuou Michael.
- Obviamente. Foram o nosso trunfo ontem, e espero as usar hoje, para poder bater ou manter as Ferrari atrás de nós, disse Pete.

As gotas caiam dos telhados do paddock, e as galochas e guarda-chuvas mantinham-se abertas. À hora que aqueles dois falavam, onze da manhã, tinha terminado o "warm up", e muita gente decidiu manter as afinaçoes para seco, pois falava-se que a chuva poderia parar na hora da partida. Pete ouviu isso, e começou a fazer figas para que tal não acontecesse.

Michael olhou de lado e viu Teresa e Pam sentadas, comparando os tempos que os pilotos tinham feito. Alexandre estava a ver a tabela de tempos, em conjunto com Teddy e Philipp de Villiers, e reparavam que os seus tempos à chuva os tinham colocado mais ou menos iguais com os outros. Rumou à caravana que tinha instalado no "paddock", que o colocara ao serviço da equipa, enorme e luxuosa, que começava a ser a inveja das outras equipas, pois tinha uma tenda, cozinheiro e massagista. Lá dentro, viu Teresa a entrar e disse:

- Estou a ver que gostas mesmo dele.
- Porquê?
- Digamos que eu ouvia a vossa cama a tremer do meu quarto. E eu não estava propriamente ao vosso lado...
- É um hotel com paredes de papel, pelos vistos...
- Pelos vistos. Espero que ele não seja supersticioso.
- Porquê?
- Já reparaste o que acontece se ele ganhar?

Ela sorriu às gargalhadas e disse:

- Ele não é supersticioso.
- Veremos.

Pelo meio dia, a chuva parou, mas a temperatura tinha baixado um pouco em relação ao dia de ontem, e o asfalto iria secar de forma um pouco mais lenta, mas inevitavelmente iria secar, pois o sol já rompia entre as nuvens, e estas começavam a desfazer-se lentamente. A água evaporava-se, embora não na velocidade desejada, e e Pete decidiu fazer uma conferência com os pilotos.

- Rapazes, tenho uma decisão importante para tomar. Tem a ver com os pneus que vão usar na corrida. A pista não vai ficar seca no momento da partida, mas não se prevê chuva para as próximas horas. Portanto, a minha ideia seria colocar os pneus lisos agora, e vocês tentavam manter-se em pista nas primeiras voltas, porque esta não estaria em forma por essa altura. O que acham?

Eles começaram a pensar sobre o assunto, e um minuto depois, Alexandre respondeu:

- Eu arrisco. São 105 voltas e colocar pneus molhados para dez não me serve. Parto com secos.
- Eu também, disse De Villiers.
- E eu também, afirmou Solana.

Ao deixar a decisão aos pilotos, Pete Aaron queria de certa forma delegar a decisão para eles, um pouco para lhes dar responsabilidade nos actos que tomam. E também o deixava aliviado pela sua parte, pois começava a ver que ser director de equipa era uma tarefa tão ou mais complicada do que nos seus tempos de piloto. Assim, eles iriam arriscar, e ele aceitava a decisão.

À media que se aproximava a hora da partida, os carros alinhavam-se numa pré-grelha, que como acontecia noutros lados, ficava atrás da verdadeira grelha de partida. Quando apareceu o sinal de que faltava um minuto para o seu inicio, as pessoas sairam de pista e os carros aproximaram-se do "starter", que assinalaria a partida com uma bandeira de xadrez. Após um compasso de espera, com os pilotos a acelerarem os seus motores, ele agitou-a e eles partiram, rumo á primeira curva, com os dois Apollo na frente da concorrência directa.

(continua)

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