quinta-feira, 23 de junho de 2011

Os cem anos de Juan Manuel Fangio - A biografia (4ª parte)

(continuação do capitulo anterior)

Quando Fangio chegou a Nurburgring, palco do GP da Alemanha, sabia que tinha de ser, no minimo, o segundo calssificado para se sagrar campeão do mundo a duas provas do fim, pois essas corridas iriam acontecer em solo italiano - Pescara e Monza - e poderiam ser favoráveis às cores da Ferrari. O argentino conseguiu a pole-position, com os Ferrari de Mike Hawthorn e Peter Collins atrás de si, mas estes iam com os depósitos atestados para fazerem no limite uma corrida inteira. Fangio, por seu turno, tinha de atestar o seu carro na volta 12 para que conseguisse ser mais rápido do que os Ferrari. Foram esses os seus cálculos e levou o carro até aí.

Na partida, foi superado pelos Ferrari, mas no final da terceira volta já tinha voltado a ser lider, que o alargou até aos 30 segundos quando parou para reabastecer na volta onze. Contudo, aconteceu o desastre: uma das porcas perde-se na boxe e os mecânicos andam muito tempo à procura dela. Aquilo que poderia ter demorado em 25 ou trinta segundos, acabou a demorar mais de um minuto e quando arrancou dali, a desvantagem para Hawthorn era de 45 segundos e tinha caído para o terceiro lugar.

E ali começou uma recuperação espectacular. Nas voltas seguintes, Fangio enceta um ritmo muito algo, "comendo" segundos aos Ferrari e batendo constantemente o recorde da volta. Se antes da corrida estava nos 9.41 segundos, feitos por ele no ano anterior no seu Lancia-Ferrari, antes da paragem fatídica, tinha sido baixado para 9.29,5 segundos. E a partir dali, começou a baixar: 9.23,5; 9.17,1... e a diferença a diminuir para 13 segundos a quatro voltas do fim, como todos a ficarem espantados com a performance de Fangio no circuito.

E no inicio da última volta, Fangio estava a apenas dois segundos de Collins, o segundo classificado. Passa-o na "Sudkurwe", mas Collins reage, voltando-o a ultrapassar. Mas o argentino volta a passá-lo na "Nordkurwe" e vai no encalço de Hawthorn, que o apanha na zona de "Adnauerforst" e passa-o na "Breidscheid". Demorara menos de meio circuito para chegar ao primeiro lugar, mas a multidão estava em delírio por tal demonstração de pilotagem.

Quando cruzou a meta, até os seus adversários estavam eufóricos por tal demonstração. A sua performance era comparável a de Tazio Nuvolari, conseguido 22 anos antes, alcançara a sua 24ª vitória em Grandes Prémios, tinha 46 anos e tinha conhecido os seus limites. Batera o recorde do circuito por dez vezes e depois disse: "Fiz coisas que nunca tinha feito, e se calhar não vou mais conseguir pilotar dessa maneira." Após este triunfo, era campeão do mundo pela quinta vez na sua carreira, um recorde.

Até ao fim da época ainda consegue mais 2 segundos lugares, nos circuitos italianos de Pescara e Monza. Torna-se campeão com 40 pontos e começa a considerar, por fim, a retirada. Decide fazê-lo em 1958, enquanto estava no auge, pois não queria ser como Tazio Nuvolari, que competiu até morrer, com mais de sesenta anos.

No inicio de 1958 corre na Argentina, a corrida inicial do campeonato, onde faz a "pole-position" mas na grelha de partida estava o futuro do automobilismo: o Cooper-Climax do seu amigo e adversário Stirling Moss, que tinha um motor traseiro. O carro aguentou toda a corrida com um jogo de pneus e conseguiu vencer os Ferrari e Maserati, incluindo o de Fangio, que terminara na quarta posição, ainda que fizesse a volta mais rápida.

Poucas semanas depois, a 27 de fevereiro, Fangio estava em Cuba para participar no GP local, correndo num Maserati 400S, a convite de Fulgencio Batista, mediante um "cachet" gordo. Contudo, não iria participar na prova: tinha sido raptado na véspera por um comando dos rebeldes do Movimento 26 de Julho, com o objetivo de embaraçar o governo de Batista. A politica interferia no automobilismo e Fangio tinha sido um alvo. Contudo, os raptores tratam-no bem, afirmando que o objetivo era apenas de o impedir de participar na corrida. E isso até o poderá ter salvo, pois a corrida fora interrompida na sétima volta com um acidente, matando sete pessoas.

Com o objetivo alcançado, os raptores libertaram-no na embaixada argentina, são e salvo, e enganando a policia de Batista. "Bem," disse depois a um jornalista mexicano, "esta foi mais uma aventura. Trataram-me de modo excelente, tive as mesmas comodidades que teria se estivesse entre amigos. Se aquilo que os rebeldes afirmam é uma boa causa, eu, como argentino que sou, aceito-a".

Pouco depois, foi para Miami, na altura onde a noticia se espalhara pelo mundo e os americanos não o largaram, chegando até a ser convidado do Ed Sullivan Show, a troco de mil dólares. Algum tempo depois, comentou com ironia: "Ganhei cinco campeonatos do Mundo, as 12 Horas de Sebring, mas tive de ser raptado em Cuba para ser conhecido neste país". Fangio foi depois participar nas 500 Milhas de Indianápolis ao volante de um Kurtis Kraft 500F, mas este se demonstrou ser um carro pouco potente e acabou por desistir da tarefa.

Em julho, vai a Reims para correr pela última vez num Formula 1. Inscreve um Maserati 250F em seu nome, e escolhe aquele lugar em particular em sinal de agradecimento, pois tinha sido o lugar onde se estreara na Europa, dez anos antes. Fangio era o oitavo na grelha e não fez uma grande corrida, marcada pelo acidente mortal de um dos seus antigos companheiros de equipa na Ferrari, o italiano Luigi Musso. No final, iria acabar na quarta posição, mas quando Hawthorn o viu na sua frente, prestes a dar uma volta de avanço, este ficou respeitosamente atrás dele, pois não o queria dobrar.

A sua carreira competitiva na Formula 1: 52 Grandes Prémios, em sete temporadas (1950-51, 53-58), 24 vitórias, 29 pole-positions, 23 voltas mais rápidas, 35 pódios, 245 pontos oficiais em 277,64 pontos alcançados. Campeão do Mundo em 1951, 1954, 55, 56 e 57, por quatro marcas: Alfa Romeo, Mercedes, Ferrari e Maserati.

A partir daqui dedicou-se aos negócios, especialmente aos da Mercedes Argentina, do qual se tornou no seu presidente. Homenageado quer na Argentina, quer no estrangeiro, sendo condecorado em Espanha e Itália, por exemplo. No final dos anos 60 começou a colaborar com a ACA para elaborar a Temporada argentina de Formula 2, e depois, no regresso da Formula 1 ao seu pais natal, em 1972. Pelo meio, em 1969, levou três IKA-Renault para as 84 Horas de Nurburgring, uma façanha hoje em dia lembrada na sua Argentina natal.

Com o avançar da idade, Fangio começou a fazer demonstrações ao serviço da Mercedes nos circuitos, especialmente com os W196. Fê-lo até ao inicio da década de 90, quando já tinha 80 anos, e essas demonstrações eram largamente aguardadas e ovacionadas. Os pilotos dessa geração sempre o admiraram, especialmente Ayrton Senna, que Fangio queria que fosse ele a bater os seus recordes. Infelizmente, foi algo que não aconteceu.

A partir dos anos 70, Fangio começou a ficar doente. Dois ataques cardíacos em 1977 e em dezembro de 1981, este último depois de uma demonstração no Dubai, o colocarariam numa mesa de operações, para fazer um quintuplo "bypass". Mas a partir de 1991, é uma insuficiência renal que o debilita. Mas por esta altura, Fangio está envolvido numa polémica na sua Argentina natal: o estado aprova uma lei que proíbe as pessoas com mais de oitenta anos de conduzir nas estradas nacionais. Fangio faz orelhas moucas e desafia a lei, andando constantemente entre Buenos Aires e Mar del Plata, a mais de 400 quilómetros dali, a mais de 200 km/hora, demonstrando que ainda estava lúcido e capaz de lidar com carros potentes. O governo decidiu então conceder uma licença especial a Fangio.

Pouco tempo antes, na sua Balcarce natal, tinha sido inaugurado o seu grande projeto pessoal: um museu dedicado a ele. O Museo Juan Manuel Fangio fora inaugurado em 1986 tem não só os seus carros marcantes, como o Maserati 250F com que ganhou o GP da Alemanha de 1957, como os Mercedes W196 com que venceu dois campeonatos do mundo. Para além disso, tem dezenas de carros que fizeram história no automobilismo argentino e mundial, oferecidos pelos pilotos e marcas. E nos arredores da sua cidade natal, na encosta de um monte, havia desde 1969 um circuito com o seu nome, desenhado por ele e considerado como um dos mais desafiadores do seu pais.

Fangio nunca se casara nem tivera filhos. Contudo, o seu sobrinho Juan Manuel se tornou nos anos 80 um piloto notável, especialmente nos Estados Unidos, onde correru em provas como a IMSA e a CART, onde no final dos anos 90 andou pela All American Racers, de Dan Gurney. Apesar dos bons resultados, Fangio II nunca teve o palmarés do tio, especialmente porque nunca correu na Formula 1.

Em 1995, quando a Formula 1 estava de volta à Argentina, Fangio estava demasiado doente para ver os bólidos em Buenos Aires. A insuficiência renal o tinha deixado na cama e levava gradualmente as suas forças. Até que às 4:10 da manhã do dia 17 de julho de 1995, acaba por morrer na clinica onde estava internado, em Buenos Aires, aos 84 anos de idade. A Argentina decretou três dias de luto e o seu corpo foi velado na Casa Rosada, a sede do governo em Buenos Aires, onde ficou por três dias, e depois levado para o panteão da sua familia na sua Balcarce natal.

O seu legado é incrivel. Quando ele morreu, ninguém tinha batido o seu recorde de títulos. Isso só aconteceria em 2003, quando Michael Schumacher alcançaria o seu sexto título mundial. Este ainda conseguiria mais um no ano seguinte, estabelecendo o recorde em sete. E mesmo assim, a aura de Fangio não diminuiu. O próprio Schumacher disse depois que "Fangio está num nível mais alto do que eu. Aquilo que fez é unico, e tenho imenso respeito por aquilo que alcançou. Eram eras diferentes e não se consegue transplantar uma personalidade como ele para uma uma era como a nossa. Não existe qualquer tipo de comparação possivel".

Existem atualmente seis estátuas de Fangio em todo o mundo: uma em Buenos Aires, outra em Montemeló, uma terceira no Mónaco, a quarta em Estugarda, na sede da Mercedes, a quinta em Nurburgring e uma sexta em Monza. Todas elas foram feitas pelo artista catalão Juan Rós Sabaté e representam Fangio ao volante do Merecedes W196, o carro com que venceu os títulos de 1954 e 55. E no seu pais, sempre que alguém quer abastecer o seu carro com a gasolina "premium", este tem o nome de Fangio.

Fontes:

Santos, Francisco: Formula 1 1991/92, Ed. Talento, Lisboa, 1991
Idem, Formula 1 1995/96, Ed.Talento, Lisboa, 1995.

http://www.museofangio.com/es/
http://www.ddavid.com/formula1/fangio_bio.htm
http://bestcars.uol.com.br/hm/291-fangio-1.htm
http://bestcars.uol.com.br/hm/291-fangio-2.htm
http://es.wikipedia.org/wiki/Juan_Manuel_Fangio
http://continental-circus.blogspot.com/2008/07/gp-memria-frana-1958.html
http://continental-circus.blogspot.com/2007/08/gp-memria-alemanha-1957.html

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