sábado, 3 de outubro de 2015

Quebrando sob Pressão (parte 2)

(continuação do episódio anterior)

Continuando a falar sobre o episódio de ontem, quero referir outro fator que entra em cena, mas é pouco falado. Sendo sabido que em média, a idade em que guiam automóveis potentes é de 15, 16 anos, estes jovens, como qualquer desportista, tem de abdicar de todos os confortos da adolescência. Desportistas precocemente profissionais, trocam saídas à noite e convívios com os amigos para estarem constantemente a fazer exercícios físicos, a testar carros, a estudar componentes, em reuniões com patrocinadores. Muitas das vezes, a educação fica para trás, não chegando a terminar os estudos secundários.

Lembro-me particularmente de um episódio, algures em 2009, quando António Félix da Costa corria na Formula Renault 2.0 e tinha aulas à distância entre corridas. Tanto poderia estar na Alemanha, Itália ou Grã-Bretanha, e recebia as aulas através do Skype. Não sei se concluiu os estudos secundários, mas muitas das vezes, a educação dos pilotos situa-se no ensino médio. Raros - quase ninguém, para ser honesto - tem um grau universitário e a Formula 1 não tem uma grande história nesse campo.

E todos estes sacrifícios servem de quê? Poucos chegam até ao topo, e 99 por cento destes jovens esperançosos querem chegar à Formula 1. Nem todos tem essa capacidade, mas muitos tentam de tudo para lá chegarem. Até... esquemas duvidosos. No inicio de 2010, foi anunciado que Álvaro Parente iria ser um dos pilotos de reserva da novata Virgin - agora Manor - mediante um patrocínio de três milhões de euros provenientes do Turismo de Portugal. Contudo, poucos dias depois, o acordo foi por água abaixo, pois os responsáveis deram o dito por não dito e decidiram anular o acordo, mesmo contra a vontade do piloto e da equipa.

E mais estranho ainda foi o que sucedeu em 2013, já como Marussia, com o brasileiro Luiz Razia. Anunciado como piloto da marca, algum tempo depois deu o dito por não dito por causa de dinheiro. Viu-se depois que um estranho esquema envolvendo familiares seus para captar patrocínios na sua terra natal - Barreiras, no interior da Bahia - era o que suportava a sua entrada na Formula 1. Quando alguns dos patrocinadores começaram a faltar, todo o esquema foi-se abaixo...

E se não alcançam a Formula 1, o que se segue? Muitos são pragmáticos e seguem noutras categorias. A Endurance ganhou proeminência nos últimos anos porque é um desporto bem mais barato do que a Formula 1, e em imensos casos, não exigem que os pilotos tragam dinheiro para correr. São pagos - e bem pagos, embora sem ser os valores da Formula 1 - e quase não há "pay-drivers". A IndyCar também é outra alternativa, mas os valores já começam a ser elevados e as equipas mais baixas, como a Dale Coyne este ano, já vivem à custa dos "pay-drivers"...

Contudo, muitos "quebram sob pressão" e quando não alcançam os seus objetivos, simplesmente abandonam o capacete e as luvas. Nem sempre conseguem ver o automobilismo para além da Formula 1 e se não chegam ali, não vão para mais lado algum. Discretamente, decidem voltar a ter uma vida normal. Muitos retomam os estudos, chegando até a tirar cursos universitários, enquanto que alguns continuam no automobilismo como "managers".

Um bom exemplo é britânico Steve Robertson. Nascido em 1964, em meados da década de 80 era considerado como uma promessa do automobilismo britânico, chegando até à Formula 3000. Contudo, essa ascensão tinha um defeito: não era fã da disciplina fora das pistas. Em 1988, teve um caso com uma "stripper" e a sua carreira ficou parada por uns tempos...

Apesar de depois ter sido terceiro classificado na Formula 3 britânica em 1990, e em 1993 ter ido para os Estados Unidos tentar a sua sorte com a Indy Lights (foi campeão em 1994), mas acabou por não chegar nem á Formula 1, nem à CART. E no final, tornou-se conhecido por ser... o manager de Kimi Raikkonen, tendo o descoberto no ano 2000 e convencido Peter Sauber a dar-lhe uma chance para testar um dos seus carros. Isto, quando o finlandês tinha 21 anos... e 23 corridas em monolugares na sua carreira. Mas pouco tempo antes, tinha ajudado outro jovem piloto a chegar à Formula 1. Seu nome? Jenson Button. Depois, em conjunto com Raikkonen, fez uma equipa que criou nome na Formula 3 britânica, a Double R (de Raikkonen-Robertson).

Em jeito de conclusão, aos pilotos - e aos e desportistas em geral - são obrigados a serem adultos de forma precoce. E nem todos têm a pressão psicológica para aguentar tudo isto, quebrando sob pressão. Vivemos num tempo em que é tudo de imediato, num "tudo já", onde aos adolescentes se obrigam a ser adultos o mais depressa possivel. E se eles, os garotos, acolhem a ideia de inicio, cansam-se mais rapidamente do que os adultos, mais maduros, mas por vezes menos pacientes do que os filhos, especialmente quando os vêm como o escape de vidas modestas, até pobres. E isso não é só no automobilismo, o futebol é o melhor dos exemplos, quando se sabe que em grande parte do mundo (África e América do Sul), o futebol é o maior elevador social existente.

E quando se têm pais que vêm nos seus filhos a continuidade de sonhos que não puderam ser realizados por falta de condições monetárias ou porque as coisas não estavam ao seu alcance. Nem toda a gente vive num kartódromo, como acontecia à familia Schumacher, e a pressão sobre eles começa desde cedo. E nem todos aguentam.

Pode ser que um dia, Jaime Alguersuari e outros comecem a ver o automobilismo com outros olhos, resgatando o prazer dos primeiros tempos no karting. Muitos dos que o tem no sangue, mais cedo ou mais tarde, recuperam esse prazer noutras competições ou até no convívio entre amigos, e quem sabe, passam os genes a outra geração. Resta terem aprendido as lições amargas deste desporto.

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