sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A electricidade como causa politica

Deixem-me contar uma coisa sobre a história dos carros elétricos, da sua mobilidade e de uma certa forma, de aquilo que muitos não querem dizer, mas digo eu: de uma guerra. Uma guerra contra os carros elétricos e a sua tecnologia, que também se estende aos híbridos e à tecnologia do hidrogénio.

A coisa começa na quarta-feira, quando apareceu nos jornais as declarações do Carlos Tavares, feitas no Salão de Frankfurt sobre o cepticismo acerca dos carros elétricos (mas ao mesmo tempo, o Grupo PSA vai fazer alguns modelos, vai-se lá saber o porquê). Li isso no jornal Observador, e ao ler, já o jornalista faz comparações ao Asterix, o gaulês que se opôs aos romanos, por vezes à chapada. Resta saber quem é o Obelix nesta história, mas isso são contas de outro rosário.

Claro, os céticos fizeram dele o seu novo herói, dizendo - muitas das vezes sem ler - que "vêm, vêm? Os carros elétricos são um embuste, ele fugiu ao politicamente correto!". Mas falamos do mesmo tipo de céticos que não hesitam colocar noticias dizendo que Elon Musk, o homem por trás da Tesla, é um vendedor da banha da cobra ou algo assim. 

Li as declarações no Observador, e uma das declarações é esta:

"Quando questionado sobre o futuro dos modelos 100% eléctricos a bateria, Carlos Tavares colocou uma série de questões da máxima importância, a que ninguém soube responder: 'Quem é que pensou na mobilidade como um todo? Quem calculou a pegada ambiental da produção de baterias para os automóveis eléctricos? Quem vai impedir que a reciclagem das baterias se transforme numa catástrofe? Quem garante que temos materiais para produzir as baterias de que vamos necessitar?'"

Apesar das perguntas que faz são pertinentes, também sei que está a ver o copo como meio vazio. E também deveria saber, como engenheiro que é, que as coisas irão evoluir, não só no campo do elétrico puro, como noutras tecnologias híbridas, como também no hidrogénio, embora diga que isso ainda vai demorar muito mais tempo. E digo isto porque sigo a evolução dos carros a hidrogénio há mais de vinte anos. Não vai acontecer tudo agora, mas sei que a evolução desta tecnologia está muito acelerada, quer em termos de materiais, quer em termos de armazenagem, quer em termos até da mobilidade como conhecemos hoje.

E eu, tendo a experiência de jornalismo que tenho, reparei que este artigo, da autoria de Alfredo Lavrador, está escrita de modo tendencioso, como que a mostrar que é um cético dos carros elétricos e a louvar a posição tomada por Tavares, como uma espécie de "novo herói". E claro, os céticos embarcam nisto, porque andam desesperadamente à procura de alguém que diga aquilo que querem ouvir. Honestamente... acho este artigo muito desonesto, para dizer o minimo. Mas do Observador, muitos falam dele, e quase todos de modo não muito carinhoso.

Não sei se o senhor Tavares teve tempo para ler sobre a história das baterias elétricas. Se sim, deverá saber que começaram há mais de cem anos, e as baterias nessa altura eram de chumbo e cobre, com autonomias a rondar os oitenta quilómetros. Parece pouco, mas era mais do que suficiente para as deslocações urbanas, que era onde se concentravam a maioria dos automóveis. O que fez ganhar os motores a combustão foi Henry Ford, com o seu modelo T (ironicamente, a sua mulher tinha um... Detroit Electric) que era barato e desenvolveu um motor a combustão e um depósito de combustível capaz de fazer com que os carros fossem de uma cidade a outra sem se reabastecerem. 

Agora, depois de oitenta anos sem qualquer pesquisa de vulto nas baterias elétricas, e depois de vinte anos a pesquisar forte e feio nestas tecnologias, e milhares de milhões de euros gastos, andamos com baterias compostas de lítio e cobalto, e no futuro, começam-se a desenvolver baterias de prata e zinco, para aumentar a capacidade e claro, percorrer mais distâncias com uma só carga. Como os carros a combustão, quase cem anos antes...

Ontem eu fui a um workshop sobre mobilidade elétrica na Escola Superior de Tecnologia e Gestão e fiz uma pergunta sobre as dúvidas levantadas por ele em Frankfurt. E entre os convidados estavam um secretário de estado, docentes, a diretora do CEIIA, que trata da mobilidade nas cidades em Portugal, um representante da Toyota na área dos híbridos e hidrogénio. Depois de os ouvir, quando chegou à parte das perguntas e respostas, perguntei sobre as declarações do Carlos Tavares e lhes perguntei sobre que resposta poderão dar aos céticos. O que eles me responderam que foi que, apesar das dúvidas serem bem fundamentadas, não há ali nada que não seja resolvido. 

Ao contrário dos "guerreiros do teclado" que adoram arrotar "sou contra porque sou contra", eu fui ouvir, fazer perguntas, e obtive respostas. E ainda havia na assistência um ex-aluno que agora trabalha na Jaguar, que como sabem, irá fazer quatro novos modelos elétricos no futuro e converterá, caso queiram, os modelos antigos, incluindo o mítico E-Type. 

Como disse: pesquiso, pergunto, oiço e converso. E de tudo o que ando a ouvir, há duas coisas que fixei na memória: que o investimento neste tipo de tecnologia é muito séria, com muita gente e muito dinheiro envolvido, que se pesquisam muitos campos, e que todos os problemas levantados têm solução. Mas também sei que há um "big picture". Já vos disse sobre a mobilidade nas cidades, sobre os carros autónomos. Sei perfeitamente que não haverá 1,2 mil milhões de carros elétricos em 2040, por exemplo, por vários motivos. Primeiro, porque haverão outros tipos de carros (híbridos e hidrogénio, ente outros) e também porque as soluções de mobilidade, como o "car-sharing" irão fazer com que as nossas necessidades de ter um carro, como se estivesse na nossa posse, diminuírem bastante. Não ficaria admirado se o número de carros a circular nessa altura diminuir bastante... 

Não sei o que os outros andam a fazer a mesma coisa do que eu, mas dos céticos, também há uma coisa que fixei: que quase todos os seus argumentos são demasiadamente vagos, e que muita da informação que eles andam a divulgar para justificar o seu ceticismo tem como base muita desinformação, e até "fake news". E para mim é um sinal de alarme, porque muitas das vezes são pessoas que acreditam em teorias da conspiração. Os tais que meteram aquele "Agente Laranja" na Casa Branca, por exemplo. 

Logo, temos de ter cuidado numa coisa. O outro lado declarou guerra e este campo está a virar uma batalha politica. E não chega mostrar coisas e acreditar na Ciência e Tecnologia para funcionar. O outro lado, se for preciso, também dirá que é anti-Ciência e anti-Tecnologia. Neste campo, se eles querem ganhar, não bastam os cientistas, também precisamos de politicos e de pregadores, porque o outro lado não se renderá tão cedo.   

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