sexta-feira, 7 de junho de 2019

A imagem do dia

Inicio de 1970, Bicester, centro do Reino Unido, aquilo que iria ser o "Motorsport Valley". Uma apresentação da novata March à imprensa, com os mecânicos e os seus fundadores: Max Mosley, Alan Rees, Robin Herd e Graham Coaker. Mosley, licenciado em direito, piloto amador e filho do fundador do Partido Fascista britânico, era o homem do marketing, enquanto Herd e Rees eram os projetistas dos carros que viriam a construir, quer para a Formula 1, quer para a Formula 2. A ideia era de construir chassis para vender para quem quisesse correr em ambas as categorias, a preços competitivos. Mas também tinham a sua própria equipa, que contratou o suíço Jo Siffert e o neozelandês Chris Amon como seus pilotos. 

Siffert tinha o seu salário pago pela Porsche - era seu piloto na Endurance - e tinham dado 30 mil libras à March, pois era o sitio ideal para ele poder correr na Formula 1 sem que a Ferrari o "capturasse", pois eles eram os seus rivais na categoria. Ironicamente, Amon tinha vindo da Scuderia, depois de uma temporada frustrante ao volante dos seus carros. E entre os clientes estavam a Tyrrell, que tinha acabado o seu contrato com a Matra, depois deste lhe ter pedido para abdicar do seu contrato com os motores Cosworth para correr com os seus V12. Mas o primeiro piloto que tinham contratado não era nenhum deles: tinha sido um veloz sueco chamado Ronnie Peterson, e ele iria correr na Formula 3, provavelmente com uma chance na Formula 1, caso existisse.

O chassis, modelo 701, desenhado por Herd - morto esta semana aos 80 anos de idade - tinha uma particularidade: as entradas laterais, que serviam como deposito de gasolina, tinham um principio de efeito-solo que nessa altura era muito pouco compreendido, pois a aerodinâmica estava a dar os seus primeiros passos. Mas Herd, que tinha ajudado a desenhar o Concorde, sabia algumas coisas na área. 

Anos depois, em 2010, Herd contou sobre os inícios da companhia do qual acabou por ficar com a maioria das ações com a saída dos outros sócios, e sobretudo, o modelo 701, numa entrevista com Simon Taylor, da Motorsport. Ele falou que a March surgiu em meados de 1969 depois do manager de Jochen Rindt ter recusado uma oferta de montar uma equipa a sua volta. O nome desse senhor? Bernie Ecclestone.

Pouco tempo depois, Herd encontrou-se com Max Mosley, que era um advogado de sucesso, que tinha planos ambiciosos: construir uma equipa de Formula 1. Mosley queria Rindt nessa equipa, Herd para desenhar o chassis, Graham Coaker e Alan Rees na parte da produção, não tinha instalações decentes para uma operação de tal energadura - o chassis de Formula 3 foi construído na garagem de Coaker, por exemplo.

"Faltando cerca de cinco minutos para registarmos o nome, eu disse: 'Vamos fazer um anagrama de nossas iniciais. M, H, R, C, mais uma vogal para fazer o trabalho.' Poderíamos tê-lo chamado de Charm, mas eu não achava que estava certo".

Max morava em Londres, eu estava em Northampton, então desenhamos um grande círculo em um mapa, telefonamos para muitos agentes imobiliários e encontramos 3000 pés quadrados em Bicester. Nós fomos o começo de uma indústria caseira que evoluiu na área - pessoas que podem fazer tubos de escape, fazer maquinaria, fibra de vidro. Com o tempo, Reynard, ATS, BAR e outros se reuniram por lá. Mas o que obtivemos foi apenas uma caixa vazia com um telefone. Nós contratamos um pequeno e fabuloso grupo de pessoas - Bill Stone e Ray Wardell foram os dois primeiros funcionários, Alan trouxe Pete Kerr, da Winkelmann e convencemos caras como Bob Dance, Roger Silman, John Thompson e Dave Reeves a se juntarem a nós. Sem essas pessoas maravilhosas, nunca teríamos começado".

"O dinheiro era incrivelmente curto. Nós concordamos que cada um dos quatro parceiros deveria colocar 2.500 libras para nos levar adiante. Eu não tinha 2.500 libras, então pedi emprestado mil libras da minha mãe e consegui que ela apostasse em Jackie Stewart para vencer o campeonato mundial de 1969 em 2,5 a 1.

A March foi anunciada em novembro de 1969, com uma apresentação em fevereiro do ano seguinte em Silverstone com um alinhamento de sonho: Siffert e Amon, com um chassis para Mário Andretti, inscrito pela Andy Granatelli e financiado pela STP americana, e um outro para Rolf Stommelen, encomendado pela Ford Alemanha. Algo do qual fez Herd entrar em stress para ter tudo pronto a tempo.

Max me disse que teríamos um lançamento para a imprensa em Silverstone para os carros de Formula 1 em 6 de fevereiro, que estava a 12 semanas de distância, com a primeira corrida em Kyalami quatro semanas mais tarde. Eu pensei, 'oh f***-se'. Nós apenas tivemos que continuar com isso, trabalhando dia fora, noite e também até [à madrugada] do dia seguinte também. Eu perdi nove quilos e meio no processo".

Mas eu fiquei desiludido com o 701, porque não era nada parecido com o carro que eu queria construir. Nós tivemos que cortar em muitos lados. Fez o seu trabalho, qualificou 1-2 no seu primeiro Grande Prémio e ganhou três de suas primeiras quatro corridas. Mas foi tão grosseiro. Tinha que ser: nós não tínhamos o dinheiro nem o tempo para fazer mais nada. Se eu tivesse ido com Bernie e Jochen, teria feito um 711 imediatamente, com sidepods reais e efeito-solo. O 701 precisou de tanques laterais adicionais em alguns circuitos e Peter Wright, da Specialized Mouldings, os denominou como seções de aerofólio. No comunicado de imprensa, eu disse que eles deveriam adicionar estabilidade, mas isso foi exagero. No ar turbulento entre as rodas dianteiras e traseiras eles não fizeram muito. Mas Peter estava procurando downforce. Ele realmente merece o crédito pelo efeito-solo, pelo que fez quando rumou à Lotus."

Max calculou que os 701 custariam 3000 libras para construir, então ele os cobrava seis mil, o que achamos que era muito bom. [Contudo], Walter Hayes, da Ford - que estava pagando pelos carros da Tyrrell - nos avisou que não era suficiente, e nos disse para cobrar nove mil libras. Mas todas as dicas que Max deixou no lançamento sobre grandes patrocinadores secretos eram treta. A falta de dinheiro significava que os motores teriam que resistir mais tempo entre as revisões, e tudo, até mesmo os amortecedores, tinham que ter uma vida mais longa".

No final, apesar das entradas substanciais de dinheiro na altura, a March esteve perto de falir. A STP só lhes tinha dado dez mil libras de patrocínio, e foi apenas um empréstimo do meio-irmão de Max Mosley de 17.500 libras, que permitiu a sobrevivência da equipa. Nas pistas, 1970 foi excelente: terceiro no campeonato de Construtores, ao pé da Ferrari, a segunda classificada, e três vitórias, uma delas a contar para o campeonato, em Jarama, graças a Jackie Stewart. Para não falar da Formula 2, Formula 3 e uma perninha na Can-Am.

Dos sócios, Coaker foi-se embora em setembro desse ano, antes de em abril de 1971 sofrer um acidente mortal numa prova de Formula Libre em Brands Hatch, aos 39 anos de idade. No final desse ano, foi a vez de Rees abandonar, para ajudar na construção da Shadow e depois, da Arrows. E no final desse ano, apesar do vice-campeonato de Ronnie Peterson, de novo, a equipa estava sem dinheiro. E foi salvo graças a um piloto pagante vindo da Áustria, que injetou 35 mil libras para ter um carro de Formula 1 e oito mil para correr na Formula 2. Chamava-se Niki Lauda.

No final de 1977, Mosley vendeu a sua parte para Herd, que ficou sendo o único dos fundadores a ficar na equipa. De anos depois, espalhou parte da estrutura acionista na Bolsa de Londres, fazendo com que em pouco tempo o valor da equipa subisse dos 17.5 milhões de libras para 35 milhões. Dois anos depois, vendeu-a para Akira Akagi, o dono da Leyton House. Com o dinheiro, perseguiu o seu sonho de ser o dono do Oxford United, onde ficou por alguns anos.

Herd morreu na quarta-feira, aos 80 anos. O seu lugar na História do automobilismo está há muito garantido. Ars lunga, vita brevis. 

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