domingo, 18 de agosto de 2019

As comparações com 1998

Já queria fazer isto há algum tempo, e estas férias até são o tempo ideal para fazer uma coisa destas. Primeiro que tudo, a vitória de Lewis Hamilton na Hungria foi o culminar de uma estratégia de parar por duas vezes para trocar de pneus, dos brancos (duros) para os amarelos (médios) no sentido de conseguir recuperar a distância que tinha com Max Verstappen. E ele conseguiu-o a três voltas do final, com uma ultrapassagem fácil, no final da reta da meta. Nada daquela épicidade do Nelson Piquet sobre Ayrton Senna, 33 anos antes, com "aquele gesto bacana", como diz o Nelsão.

Quando vi aquilo, lembrei-me de Michael Schumacher e Ross Brawn, em 1998, no mesmo local, e de como uma estratégia com tudo para dar errado acabou por dar certo, conseguindo bater Mika Hakkinen numa jogada de mestre que contou com o piloto a dar o seu melhor para fazer a sua parte. Discuti isso com a venezuelana Rocio, a senhora que tem o blog "Um Café Com Serena", e escrevi sobre isso por lá. Mas não chegou. Acho que falta mais coisas para falar sobre esse feito e compará-lo, e creio ser a altura para isso.

Assim sendo, e com a ajuda de alguns livros que tenho aqui, vamos lá falar sobre o GP da Hungria de 1998, e como uma estratégia acabar por entrar na história. O que é raro.

Primeiro de tudo, História: 1998 é o ano do duelo entre Schumacher e Hakkinen. O alemão, com o seu Ferrari F300, projetado por Rory Bryne, com uma equipa dirigida por Jean Todt, tendo como diretor técnico Ross Brawn, contra o McLaren MP4-13, desenhado por Adrian Newey e liderado por Ron Dennis. Quando chegaram à Hungria, a 12ª corrida de uma temporada de 16, o alemão tinha uma desvantagem de 16 pontos sobre o finlandês, e corria o risco de ficar de fora do campeonato. E na qualificação, as coisas correram não muito bem, pois o finlandês era o "poleman", e Schumacher era apenas terceiro, com David Coulthard pelo meio. 

Os carros tinham o sistema de reabastecimento - que ficou entre 1994 e 2009 - e com isso em mente, a ideia era ser veloz, mais veloz que os McLaren, que eram bons carros. A equipa de Woking decidiu-se por uma estratégia de duas paragens, ainda por cima, os Bridgestone pareciam ser melhores que os Goodyear que calçavam os Ferrari. Pelo menos tinha sido assim ao longo daquela temporada. Mas a chance de uma paragem extra no reabastecimento era real, e Brawn parecia ter essa opção em aberto. Mas era apenas metade da história, porque o piloto também teria de contribuir.

A partida não foi grande coisa. Hakkinen ficou na frente e Schumacher não só não conseguiu passar Coulthard, como arriscou perder o terceiro posto para Irvine e o Jordan de Damon Hill. Na volta 15, o finlandês tinha dois segundos de vantagem sobre Coulthard e 3,2 sobre Schumacher.

Schumacher reabastece na volta 25, antes dos McLaren, mas volta atrás de Jacques Villeneuve, no seu Williams. Hakkinen para três voltas mais tarde, e fica na frente da corrida. Na volta 39, a ordem era a mesma: Hakkinen, com Coulthard a 2,7 e Schumacher a 3,9. E foi aí que Brawn entra com o seu golpe de génio, quando ordena que Schumacher fosse à boxe e abastecesse uma segunda vez na volta 43, três voltas antes de Hakkinen fazer o seu segundo reabastecimento. Coulthard faz o mesmo, mas mete mais gasolina, perdendo tempo e o segundo posto para o alemão. Metade do trabalho estava feito.

Três voltas depois, Hakkinen reabastece, e com isso, o alemão vai para a frente da prova. Tinha enganado os McLaren, e estava bem mais leve que eles. Apesar de um pequeno despiste na volta 52, por causa do seu ritmo bem elevado, Schumacher aproveitava para afastar cada vez mais dos McLaren, que tinham os seus problemas. É que Hakkinen lutava contra problemas com os seus amortecedores, e cedia para Coulthard, que recorde-se, tinha mais gasolina, mais peso e era mais lento que o alemão.

Mas a ele lhe faltava um reabastecimento, e isso acontece na volta 62. Mete gasolina suficiente para ir até ao fim a sai da pista com um avanço de cinco segundos, e aumenta para 9.4 no momento em que cruza a meta, com Hakkinen a ser um mero sexto, por causa dos problemas que tinha no seu carro.

No final da corrida, Schumacher contava o que aconteceu:

"Fomos para a corrida com a possibilidade de parar por duas ou três vezes", começou por dizer. "Mas quando o Ross [Brawn] optou pelas três, fiquei preocupado que fosse a escolha errada, porque naquela altura estava preso atrás do Villeneuve. Eu tinha feito o primeiro reabastecimento ates dos McLaren, na esperança de voltar à pista antes deles. Mas isso não aconteceu. Felizmente a corrida se desenvolveu de forma de forma que me permitiu não perder a esperança. Ainda faltava muito e eu continuei andando sempre no limite. Foi uma corrida sempre com andamento de qualificação", concluiu.

Em jeito de conclusão, não foi só o ritmo diabólico do Schumacher. Também houve mais coisas, como os Goodyear que se adaptaram bem ao sol escaldante da Hungria, os problemas do Hakkinen com o seu carro, e o carro mais pesado de Coulthard, incapaz de acompanhar o ritmo do alemão. Os McLaren, que deveriam ser superiores aos Ferrari e tiveram ali um dos seus primeiros "match-points", falharam em toda a linha. 

No final do ano, o Francisco Santos, no seu anuário, escrevia sobre esta corrida:

"Não pode haver dúvidas: Michael Schumacher é o melhor piloto da actualidade, um génio comparável aos grandes de todos os tempos, como Senna, Prost, Clark Fangio e outros. Sua performance no carro permite a outros génios, na boxe, como Ross Brawn, possam optar por estratégias que com outros pilotos não seriam viáveis. O par ganhou dois títulos na Benetton e agora consegue maravilhas como estas na Ferrari. Mesmo assim, a McLaren poderia - aliás, deveria - ter ganho esta prova, não fossem os erros de estratégia e falhas técnicas, imperdoáveis em pretendentes ao título."

E isto acontecia num Schumacher que ainda iria sofrer mais na Scuderia até alcançarem o zénite, no ano 2000 e iniciar uma era na Formula 1. 

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