segunda-feira, 6 de junho de 2011

Grand Prix 1972 - Um jantar de campeões, parte II

(continuação do episódio anterior)

Na mesma altura, Temple e Aaron tiveram a oportunidade daquele jantar para conversar um com o outro sobre a temporada que aí vinha, e outros assuntos mais pertinentes. Temple puxa Fuchs pai para o seu lado e conversam sobre o futuro imediato do automobilismo:

- Temple, eu conheço-te. Sempre foste muito oportunista e tens olho para o negócio, digamos assim. Já vi que tu com o Fuchs tens um motor. E para quê andas atrás de mim?
- Preciso de um chassis, ora. E contatos.
- Para ele?
- Para o filho.
- Está tudo cheio para os meus lados, lamento.
- Não é isso que quero. Nós já decidimos colaborar um com o outro, especialmente com o filho.
- Acho que o vi na Formula 2, e até era bom. Mas porque queres o pai?
- Acho que é altura de dar o passo à frente.
- Ah é? Vais construir o teu próprio chassis? Ele só faz motores...
- Quero levá-lo de volta à Europa. Acho que o seu talento por aqui está a ser desperdiçado.
- Mas a Argentina é boa nisto. E pelo que me contam, o Brasil anda lá perto... e depois, já tens o filho.
- Tenho outra ideia. Interseries.
- Com que chassis?
- É isso que quero propor-te. Motor eu já tenho: monto uma unidade de 3 litros baseado numa antiga unidade da Chevrolet que ele conseguiu desenvolver até aqui. Já desenvolve quase 400 cavalos.
- A Lamborghini anuncia que quer fazer um com 500. Se os conseguirem fiabilizar, eles serão campeões do mundo na primeira corrida. Achas que contra estas equipas de fábrica tu vais conseguir? Com que dinheiro?
- Daqui.
- Do Governo?
- Do Fangio. Mercedes Argentina, disse baixinho. É "top secret", e se der bem na Interseries, a Formula 1. E com apoio oficial. Fuchs-Mercedes, já viste? Se der certo, poderá ser teu.
- Quem é que disse que eu quero?
- Pensa nisso. Bom, vou deixar-te ao pé de Herr Fuchs, que anda a falar com a tua mulher. Cuidado, ouvi dizer que é um portento junto das senhoras. Podem ter perdido a guerra, mas este não deve ter perdido o charme... gracejou.

Harry Temple afasta-se, deixando Pete Aaron a abanar a cabeça, em sinal de negação. A seguir, Hermann Fuchs vai ter com Pete Aaron e conversam um pouco. Depois de falarem um pouco sobre a carreira automobilistica do piloto americano, um pouco para quebrar o gelo, este virou-se para Fuchs e perguntou-lhe:

- O que ele lhe disse para fazer convencê-lo a regressar à Europa?
- Não muito. O projeto é mais recíproco. Ele quer um motor, eu quero um chassis. E o meu filho quer um carro.
- Estou a ver. E pelo que me contam, você é o melhor daqui.
- Exacto. E também quero outra coisa: mostrar o melhor da tecnologia argentina.
- O senhor é alemão...
- Depois de vinte anos por aqui, já canto o hino local e beijo a bandeira azul celeste tão fanaticamente como os que nasceram aqui. E até vejo o futebol deles...
- Estou a ver. Quer construir uma equipa argentina?

Hermann Fuchs limitou-se a sorrir e respondeu:

- Não. Primeiro, quero que o meu filho seja campeão do mundo. Depois é que construo a minha equipa.
- Boa sorte, o Temple é dos sujeitos mais manhosos e oportunistas que já conheci na Formula 1. Sabe como o conheci?
- Não.
- Karlskoga, 1964. Andava no paddock com um uniforme militar e uma condecoração na lapela. Dizia que tinha sido da RAF e um ás na aviação.
- E então?
- "Bogus", tudo treta. Tinha fugido da tropa e ficara preso na Finlândia durante a guerra contra os russos. Mas era bom em reparar tudo que se movia: aviões, carros, tanques. E tinha uma enorme lábia para impressionar tudo e todos. Quando os finlandeses entraram na guerra do vosso lado, ele rumou para a Suécia, que era neutral na altura. Em Estocolmo, impressionava as miudas dizendo que era adido militar na embaixada e andava com um uniforme de capitão. Tudo corria bem até ao momento em que foi apanhado pelo MI5 e ameaçado de parar à forca se não colaborasse a sério com eles.
- Em suma, era um esperto.
- No final, colaborou com eles. O seu pescoço era mais importante do que o resto, e lá colaborou. Mas a condecoração era verdadeira.
- Era o quê?
- Já não recordo bem, mas acho que era a Geroge Medal. Mas não o teve durante a Guerra.
- A sério?
- Foi num acidente de comboio, em 1948 ou algo assim. Conseguiu salvar algumas pessoas no incêndio de uma das carruagens. Foi o que disse. Pensava que era treta, mas depois descobri uns recortes do acidente que ele me mostrou com a cara dele a tirar uma passageira dos destroços. E depois outras pessoas me contaram a história. Portanto...
- E como foi parar aqui?
- Bom, foi porque fez amizade com a familia Holmgren, na Suécia. Adorou tanto os paises nórdicos que lá fez negócio. O automobilismo foi um acaso do qual adorou. Começou por ser mecânico de um dos carros que o Holmgren comprou, no inicio da década de 60, um Porsche. Depois fizeram uma equipa que se mantêm até hoje.
- Esse Holmgrem, que é feito dele?
- Infelizmente já morreu. Há dois anos e meio, em Le Mans. Guiava um dos 917 novos e despistou-se na Maison Blanche. Passei pelos seus destroços por muitas vezes.
- Foi a sua última corrida, certo?
- Certo. Ganhei-a e desde então não olhei para trás.
- É uma bela e triste história, señor Aaron.
- É. E no seu caso, é bom que isso resulte. Acho que você e o seu filho merecem melhor do que andar com o Temple.
- Tenho bons contactos.
- E... ouvi um zum-zum. Fangio? E por causa disso que este jantar foi feito?
- Não necessariamente - sorriu Fuchs - El Chueco tem admiração por si, pela sua equipa e pelos seus pilotos. Mas que no final gostaria da sua ajuda para o meu projeto, gostaria. Mas não é Formula 1.
- É o quê?
- Interseries. Preciso que me construa um chassis para o meu motor. E pilotos capazes de o guiar. E será bem pago para isso.
- O governo?
- A Mercedes. Um Apollo-Mercedes seria fascinante.

Pete sorriu de volta. Achava a ideia fascinante, mas à parte as credenciais como preparador de motores e os feitos do seu filho, não sabia mais nada dele. Achava estranho ver nomes como Juan Manuel Fangio e Froilan Gonzalez numa coisa dessas, ainda mais sabendo que Hermann Fuchs era um home desconhecido fora da Argentina. Apreciava a sua ambição, mas porque não procurava ajuda da Mercedes? Certamente Fangio poderia convencer a marca a meter-se nisto, e não ele. Mas por outro lado, via que isto era sinal do prestigio que tinha alcançado em poucos anos: tinha vencido corridas, tinha bons pilotos, tinha um bom "know-how", e todo esse capital humano estava a ser cobiçado. Virou-se para ele e disse:

- Agradeço a oferta, mas a Interseries é algo no qual não me quero envolver. Contudo, o meu amigo Peter Weir deseja ter alguém para essa série. Se calhar poderei arranjar-lhe um contacto. É o minimo que posso fazer.
- Nesse aspecto, agradeço-o por me ter ouvido.
- Vamos falando durante o final de semana. Que tal?
- Ótimo. Pode ser que experimente o meu carro. Um Torino.
- Mas isso não é um AMC Rambler?
- A base é. Mas o resto não, sorriu.

(continua amanhã)

Sem comentários: