quinta-feira, 12 de junho de 2014

Os Pioneiros: Capitulo 26, resistência a longas distâncias

(continuação do capitulo anterior)


A CORRIDA MAIS EXTENSA DO MUNDO


A evolução do automóvel e a popularidade do automobilismo fazia com que as pessoas procurassem por desafios para demonstrar que não havia obstáculos para a robustez dos veículos e a capacidade das pessoas de superar desafios. Em 1907, já tinha passado mais de vinte anos sobre o primeiro automóvel e as corridas de automóveis já iam no seu 13º ano. Contudo, havia desafios a serem superados, e um deles era uma corrida de longa distância, um enorme desafio, dada a enorme precariedade das estradas existentes nesse tempo.

A 31 de janeiro de 1907, um artigo no jornal francês "Le Matin" falava sobre os feitos do automóvel e que não existiram quaisquer obstáculos dos quais ele poderia ser derrotado, dada a evolução da tecnologia. E assim, a frase-chave era um desafio: "O que necessita ser provado hoje em dia é que, enquanto existir um homem e o seu carro, pode fazer o que quiser e ir a todo o lado. Estará alguém disposto a ir este verão, de automóvel, de Pequim até Paris?"

O desafio era enorme: quase 15 mil quilómetros entre as duas cidades, começando na China e passando pela Mongólia, o vasto Império russo (que incluia a Polónia), Alemanha e França. Não havia qualquer regulamento e o prémio... era uma garrafa de champanhe Mumm. A gasolina seria providenciada por camelos, que partiriam antes dos carros, onde parariam pelo caminho, e eles iriam seguir uma rota telegráfica. Cada carro não teria só um mecânico, como também teria um jornalista, para fazer o relato, que seria enviado sempre que parassem nas estações telegráficas.

Houve 40 inscritos, mas obstáculos foram considerados como de tal ordem que uma comissão criada pelo jornal decidiu que o melhor seria cancelar a corrida. Mas cinco pessoas decidiram ignorar os conselhos e apareceram na embaixada francesa, a 10 de junho de 1907. Eram eles, dois De Dion franceses, um Spyker holandês, um triciclo Contal e um italiano Itala de sete litros.

O carro italiano era guiado por um nobre aventureiro, o Principe Scipione Borghese. Nascido em 1871 em Migliarino, na região de Emiglia-Romana, era o décimo principe de Sulmona. Alto e de temperamento calmo, era um aventureiro nato. Tinha fama de abstémio e em 1900, tinha já atravessado a Ásia, desde Beirute, até ao Oceano Pacifico. Essas aventuras foram escritas depois em livro, que teve um enorme sucesso no seu país natal. Logo a seguir, tornou-se depoutado pelo Partido Radical, muito interessado nas técnicas agrárias.

Para Scipione, não era a primeira vez que atravessava a China. Tinha feito isso logo após a sua travessia asiática. E desta vez levava a companhia do seu motorista e mecânico Ettore Guizardi e do jornalista Luigi Barzini, que em 1900 já tinha estado na China a cobrir a Revolta dos Boxers, ao serviço do jornal Corriere della Sera, e repetiu o feito quatro anos depois, quando foi cobrir a Guerra Russo-Japonesa. O carro era totalmente italiano, com os pneus a serem fornecidos pela Pirelli.

Os carros franceses eram guiados, respectivamente, por Georges Corimer e Victor Collignon, equipados com pneus (ingleses) da Dunlop, enquanto que o Spyker holandês era guiado por Charles Godard, que queria participar no raid... mas não tinha dinheiro. Pediu o Spyker emprestado e adquiriu peças para o seu automóvel, dando como garantia... a sua palavra de honra. Para além disso, teve de pedir combustível emprestado para poder andar.

O triciclo da Contal, guiado por Auguste Pons, parecia ser frágil: o motorista sentava-se no selim da motocicleta, enquanto que os passageiros ficavam no banco do passageiro, que se situava... posicionado sobre as rodas dianteiras.

Os obstáculos começaram logo de inicio, quando as autoridades inperiais se opuseram à passagem dos "carros a combustível", pois acharam que a simples visão de tais coisas fariam com que as mentes fossem corrompidas. Contudo, isso não foi impeditivo de que a partida se desse a 10 de junho de 1907, na frente da embaixada francesa, na capital imperial.

Cedo, o Principe Borghese começou a ganhar um avanço sobre a concorrência. E no Deserto do Gobi, houve a primeira (e unica) baixa quando o triciclo da Contal se atolou, com os passageiros a acabarem por o abandonar, sendo descobertos por acaso pelos habitantes locais.

Na zona de Irkutsk, Borghese decidiu andar em cima dos carris do Trans-Siberiano, transformando os seus pneus em rodas, e tendo a seu lado um funcionário do caminho de ferro, para poder sinalizar a sua passagem. Depois disso, voltou às dificeis estradas russas, mas conseguiu contorná-las de tal forma que quando chegou a Moscovo, decidiu fazer um desvio para São Petersburgo, de forma a poder participar... num banquete em sua honra!

Feito o banquete, o Principe Borghese continuou o seu caminho até chegar à meta, às 16:15 do dia 10 de agosto, dois meses depois de ter partido de Pequim. À sua espera estava um grupo de pessoas, alguns jornalistas e operadores de câmara, que registaram o momento. O Spyker, apesar das atribulações por parte do seu condutor, chegou a Paris vinte dias depois, e sobre os De Dion, só apareceram muito tempo depois. Tanto que se desconhece a data de chegada de ambos os automóveis!

Contudo, o impacto desta corrida foi grande. Barzini mandava crónicas diárias para o Corriere della Sera e para o Daily Telegraph, e logo depois, fez um livro sobre esta aventura, carregada de imagens, e foi um sucesso de vendas em Itália. O impacto desta aventura fez com outras começassem a ser planeadas para o ano seguinte, especialmente um épico entre Nova Iorque... e Paris.

(continua no próximo capitulo) 

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