domingo, 20 de julho de 2014

Henry Surtees, cinco anos depois

"O Henry seguiu o seu coração desde o momento em que se sentou num kart pela primeira vez. Ele conseguiu equilibrar de forma séria a vida escolar com o automobilismo, tendo recentemente terminado os seus exames. O mundo acenava-lhe e ele estava a ter sucesso na liberdade para se concentrar no automobilismo.

Apesar do azar na carreira, ele revelou ser um dos [jovens] com maiores possibilidades de chegar ao topo. Apesar da sua idade, ele mostrou maturidade, perspicácia técnica e rapidez. Mais importante do que tudo isso, ele era uma boa pessoa e um filho e irmão carinhoso. A sua perda será sentida profundamente".

John Surtees, 20 de julho de 2009.

Ainda se lembram o que faziam a 19 de julho de 2009? Para quem já se esqueceu, eu vos digo: era um domingo. Um domingo normal de corridas, neste caso em particular, em Brands Hatch, um dos clássicos do automobilismo. Soube do acidente quando via uma das corridas do WTCC que acontecia nesse fim de semana nesse circuito. A Formula 2 tinha acabado de ser reavivada, e era seguida com interesse, principalmente quando se soube que um dos jovens pilotos que lá corrida era um rapaz de 17 anos chamado Henry Surtees, filho da lenda John Surtees, piloto campeão do mundo em duas e quatro rodas.

Ele tinha na véspera subido ao pódio, o seu primeiro na categoria. Um terceiro lugar que seria algo ótimo para impulsionar a sua carreira nos monolugares, que começara dois anos antes, com passagens pela Formula Renault e Formula 3 britânica. Contudo, naquele domingo à tarde, ele fazia a sua corrida quando apareceu na sua direção a roda de um dos seus competidores, Jack Clarke. Mesmo com o HANS e com todos os restantes suportes de segurança, que deveriam garantir a sua sobrevivência, o impacto foi suficientemente forte para lhe causar um traumatismo craniano fatal. Aos 18 anos de idade.

Lembro-me dessa tarde, especialmente de uma forma que não mais me largou: acompanhei tudo nas redes sociais. Tinha descoberto o Twitter há uns meses e tinha tido uma primeira amostra do seu poder quando morreu Michael Jackson, algumas semanas antes. Depois de ler os primeiros relatórios sobre a gravidade da situação, acompanhei os "tweets" e verifiquei que a falta de noticias vindas quer do hospital, quer das autoridades do circuito ou da Formula 2 só poderiam indicar o pior. E esse "pior" veio por volta das oito da noite, seis horas depois do acidente. E depois senti um arrepio pela espinha, de saber tudo aquilo como uma confirmação dos teus piores receios. Iria voltar a sentir esse arrepio dois anos depois, quando Dan Wheldon teve o seu acidente fatal na oval de Las Vegas. 


"É irónico que o seu pai tenha sido um dos sobreviventes de uma era onde a cada fim de semana, os pilotos estavam pairando sobre um fino fio de navalha, desconhecendo se aquele seria a sua última corrida das suas vidas, antes que um furo, uma suspensão quebrada ou um excesso deles os embatesse contra uma árvore e ceifasse a sua vida. É irónico que John Surtees, que foi dos poucos que se tornou construtor e teve uma equipa de Formula 1 (e que teve um dos seus pilotos a morrer, o austríaco Helmut Koennig), sobreviveu a Jim Clark, Lorenzo Bandini, Jochen Rindt ou Bruce McLaren, para depois passar pela pior das tragédias: perder um filho em competição. 

E a ironia é que acontece numa era onde os acidentes mortais em competição são, agora, um acontecimento raro. Muito raro mesmo. Mas acontece. E no final, Henry Surtees teve o mesmo destino que Mike Spence, nas 500 Milhas de Indianápolis de 1968, ou do austríaco Marcus Hottinger, numa corrida de Formula 2 em Hockenheim, em 1980. E não teve a sorte de Vittorio Brambilla, no GP de Itália de 1978..."

Aqueles eram tempos estranhos. Achariamos que aquilo que aconteceu com Surtees tinha sido uma mera fatalidade, mas uma semana depois, na Hungria, Felipe Massa leva com uma mola vinda do carro de Rubens Barrichello e fica gravemente ferido, ficando fora de prova para o resto daquela temporada. E depois lembramos de como o automobilismo continuava a ser perigoso, e de como uma fina linha vermelha separa a vida da morte. A sorte que Massa teve naquele fim de semana no Hungaroring foi a sorte que o jovem Surtees não teve oito dias antes num circuito que têm o nome do seu pai numa das curvas.

Apesar de ser raro haverem acidentes mortais nos nossos dias, sofremos quando acontecem. Desde 2009 passamos por mais choques destes no automobilismo. Dan Wheldon e Sean Edwards são dois exemplos que lembro agora de acidentes fatais numa era em que ficamos com a ilusão de que os acidentes mortais não acontecerão mais. No caso de Wheldon, como no caso de Surtees, passamos pelo mesmo: o choque de termos assistido em direto pela televisão passou depois pelo silêncio que era cada vez mais ensurdecedor à medida que os minutos e as horas passavam e não ouvíamos nada do outro lado. E e interpretávamos esse silêncio como que o pior tinha acontecido. Nessa altura, tinha descoberto o poder das redes sociais e ali se sentia uma comunidade unida na solidariedade e na dor de a nossa modalidade favorita ter sofrido mais um dia negro na sua longa história.

É por isso que nunca vou esquecer de Henry Surtees e daquela tarde de domingo. E na altura, como agora, recordo uma velha frase de Graham Hill: "Se algum dia o pior acontecer, é porque pagamos o preço da felicidade em vida". 

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