sábado, 28 de dezembro de 2019

Considerações sobre um 2019 automobilistico (3)

3 - SAÍRAM DA VIDA, PASSARAM À HISTÓRIA


Anthoine Hubert. Jean-Luc Therier. Robin Herd. Domingos Piedade. Bill Simpson. Niki Lauda. Junior Johnson. Todos de origens diferentes, para eles, 2019 foi o último ano das suas vidas. Algumas longas e preenchidas, cheias de triunfos e fracassos, outros, vidas jovens subitamente interrompidas por aquilo do qual ainda acreditamos ser um desporto seguro, mas no final vemos que a Morte gosta de jogar um jogo do gato e do rato, querendo reclamar insaciavelmente mais vidas.

No caso de Hubert, a carambola da segunda volta da primeira corrida da Formula 2 no fim de semana belga mostrou que por muito que o carro seja sólido, nada escapa a uma colisão em T a mais de 260 km/hora, ainda mais numa curva como o Radillon. Quando Juan Manuel Correa embateu de frente no carro do piloto francês de 22 anos, soube-se de imediato da gravidade da situação. Bandeira vermelha, final imediato da corrida, e o silêncio. Aquele silêncio arrepiante da "não noticia", demonstrando a excepcionalidade do automobilismo na frente "no news, good news". A primeira sensação de que as coisas estão muito mal é quando não há noticias sobre o estado de determinado piloto após o acidente. E quem viveu isso nos acidentes anteriores, nos últimos dez anos, sabe perfeitamente que esse silêncio é só o pressentimento de algo muito mal irá acontecer.

Quanto a Correa, o equato-americano, esse também não esteve muito bem. Dois meses no hospital, o risco de perder a perna, foram as marcas físicas do acidente, e nem contamos com o psicológico, que eventualmente poderá ser mitigado, mas provavelmente não será apagado. Mas ainda nem sabemos se o próprio Correa fará ou não o seu regresso e mostrar que a sua carreira não ficou abalada.

No caso de Lauda, desaparecido na madrugada de 20 de maio, foi o final de uma vida excepcional, que o viveu na sua pele, e teve tempo de ser homenageado em vida. Sempre ativo, sempre interveniente, nunca foi uma criatura passiva, foi sempre capaz de ir ao fundo do problema, para o resolver. E sobreviveu ao Inferno para poder voltar e contar a sua história, e voltar a vencer. E sempre nos seus termos.

Pagou para entrar - Robin Herd disse que foram 35 mil libras, mais oito mil para a sua temporada de Formula 2 - conseguiu um lugar na Ferrari, sobreviveu ao pior desastre que poderia ter, no mais desafiante circuito de então, regressou em 40 dias, venceu mais dois títulos mundiais, cansou-se de andar às voltas para regressar algum tempo depois, e mesmo depois de ser piloto, foi dono de uma companhia aérea, comentador televisivo, e diretor-geral da Mercedes, ao lado de Toto Wolff. E ainda teve tempo de ver Hollywood fazer um filme sobre ele e James Hunt, seu rival na temporada de 1976. Um ser destes só aparece uma vez em cada século, e tivemos esse privilégio de o er em todos os seus aspectos: como piloto, primeiro, e como dirigente, depois. 

Falar de Robin Herd, um dos fundadores da March, a falecido a 5 de junho, aos 80 anos, é referir sobre como alguém que ajudou a desenhar o Concorde acabou por fundar uma equipa e ser o último a ficar. Assistiu aos altos e baixos da equipa, viu os seus sócios todos partirem até ficar ele, quase até ao final, no anos 80. Sabia de aerodinâmica, via os pilotos que tinha por ali, e ainda teve tempo para ser o presidente do seu clube do coração, o Oxford United, embora não o tenha levado para a Primeira Divisão...

Herd ajudou a moldar um certo tempo da Formula 1, onde por dez mil libras, se poderia fazer um chassis e arriscar a vencer corridas! Um tempo de excêntricos e sonhadores, do qual provavelmente não voltará mais.

Quando em 1973, Lauda corria para a BRM como piloto pagante e Herd desenhava carros para todas as categorias possíveis do automobilismo - até desenhou chassis para a Can-Am! - Jean-Luc Therier dominava as classificativas um pouco por toda a Europa com o seu Alpine A110. Um carro baixo e leve, para compensar a falta de potência, Therier era hábil e tinha uma memória fotográfica, suficiente para poder acelerar onde outros não conseguiam.

Venceu três ralis: Portugal, Sanremo e Acrópole, acabando por ser o melhor na classificação geral... se existisse uma classificação para os pilotos. Não existia nesse ano, apenas os Construtores é que pontuavam. Logo, informalmente, tornou-se campeão do mundo, pois a Alpine foi campeã.  

A sua carreira foi longa e frutuosa: duas vezes campeão francês, venceu a Volta à Corsega em 1980, com um Porsche 911 RS, e correu sempre em carros da Toyota e da Renault até que em 1985, num pequeno Ciroen Visa, decidiu participar no Rali Dakar, onde um acidente o fez terminar a sua carreira devido a lesões graves no seu braço esquerdo, que o deixou paralisado. Mas mesmo assim, foi um dos que marcou toda uma geração de pilotos de ralis, na mesma ordem que Bjorn Waldegaard ou Sando Munari, para não falar de Markku Alen. Therier saiu de cena a 31 de julho, aos 73 anos.

Desses anos 70, uma das imagens marcantes era a de um capacete onde o piloto fazia lembrar vagamente o Darth Vader, em homenagem a um dos filmes do momento, o Star Wars. Esse era o Simpson Bandit, um desenho feito pela mesma marca de capacetes, fundada pelo americano Bill Simpson. Aos 18 anos, Ele era piloto de Dragsters e já tinha tido o seu primeiro grande acidente, o que fez pensar na segurança do automobilismo. Inventou um dispositivo que fazia largar um pára-quedas para ajudar na travagem dos carros, e mais tarde, quando tomou conhecimento do Nomex, um composto inventado pela DuPont, decidiu fazer fatos de competição com o seu nome. Tudo isto enquanto corrida na USAC, participando em algumas edições das 500 Milhas de Indianápolis.

Pode não ter sido um grande piloto, mas o mais fantástico é que ele liderava pelo exemplo. Muitas das vezes, para provar que os seus produtos eram bons, vestia-os... e regava-se em gasolina para mostrar que aguentava tempo suficiente para os pilotos poderem sair dos seus carros em segurança. E foi assim que dominou o mercado americano no final dos anos 70, tornando-se multimilionário.

Em 2001, o seu negocio fica abalado com a morte de Dale Earnhardt, nas 500 Milhas de Daytona. A NASCAR culpou o seu equipamento pelo acidente, mas ele contestou a ideia em tribunais. Acabou com um acordo entre ambas as partes, mas pelo meio, teve de abdicar da firma que tinha fundado. Mesmo assim, foi reconhecido pelos seus feitos no capitulo da segurança, quando morreu, a 16 de dezembro, aos 79 anos.

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