sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Nikita Mazepin, o piloto que todos adorarão odiar


O russo Nikita Mazepin mal se tornou piloto da Haas F1 e já se envolveu numa polémica grave. Esta semana surgiu um video no Instagram onde se vê ele a assediar uma rapariga enquanto estava a guiar o seu automóvel. As reações foram severas e houve quem pedisse que a Haas pura e simplesmente cancelasse a sua admissão na equipa como piloto em 2021. 

Contudo, FIA e a F1 lançaram nesta quinta-feira uma declaração conjunta de apoio à Haas, e de advertência a Mazepin, tudo depois do piloto russo se ter desculpado pelo seu comportamento: “Apoiamos fortemente a equipa Haas F1 na sua resposta às recentes ações inadequadas do seu piloto, Nikita Mazepin. Os princípios éticos e a cultura diversa e inclusiva do nosso desporto são da maior importância para a FIA e para a Fórmula 1”, leu-se no comunicado oficial.

A polémica de Mazepin não é a primeira, e provavelmente nem sequer será a última a envolvê-lo. Em 2016, esando ele na Formula 3, agrediu Calum Ilott, e este ano, durante a ronda dupla de Shakir da Formula 2, fez manobras perigosas na pista que causaram uma forte penalização, que o fizeram sair da luta pelo título na competição. E um pouco antes, "comemorou" o aniversário da chegada do coronavirus, uma doença que, por exemplo, matou o pai de outro piloto russo, Robert Shwartzman., numa manifestação que alguns qualificaram como "insensível"...

E nem sequer é o primeiro escândalo a envolver um piloto russo. Desde o escândalo a envolver o pai de Vitaly Petrov, que acabou assassinado neste verão, depois do rebentar de um escândalo imobiliário na cidade de Vyborg, até algumas as atitudes que Daniil Kvyat teve ao longo deste ano, especialmente por causa do movimento "Black Lives Matter", entre outros, os russos não tem grande reputação no meio automobilistico, em termos de... emparia e sensibilidade cultural, se quiserem. Podem falar que tem a ver com as suas origens de classe muito alta - Mazepin e Serguei Sirotkin são filhos de oligarcas russos - mas também tem a ver com os homens daquela parte do mundo, que gostam muito de se mostrar que são os mais machos da terra. Curiosamente, a Rússia é o país do mundo onde os homens vivem menos tempo que as mulheres, uma média de vinte anos. O alcoolismo e uma alta taxa de suícidios é uma boa razão que está por trás dessa diminuição da esperança de vida por parte dos homens na Rússia.

Mas também esta atitude e a reação da Formula 1 é um teste à própria instituição para saber até que ponto o dinheiro vale tudo. Ano que vêm, a competição vai à Arábia Saudita, um país que tem um péssimo curriculo na área dos Direitos Humanos, mas nos últimos três anos, tem investido imenso no automobilismo. Primeiro, na realização do Rally Dakar, depois no ePrix de Ad Diryah, uma ronda dupla da Formula E, a competição elétrica, e finalmente, a Formula 1, num circuito citadino nos arredores de Jeddah, a acontecer no final de 2021, antes da prova final, em Abu Dhabi. 

Para além disso, um dos maiores patrocinadores da Formula 1 é agora a Aramco, a petrolifera nacional saudita, que no inicio da temporada anunciou um acordo de patrocínio enorme, no qual cobriu os circuitos um pouco por todo o mundo. O acordo ficou escondido com os eventos da pandemia, que obrigaram o adiamento do inicio da temporada para julho, mas foi durante esse tempo que a Formula 1 poderá ter pedido um adiantamento de valores ao governo saudita, para pagar contas e transferir valores ás equipas, já que esta temporada, haverá um perjuízo enorme, superior a cem milhões de euros. Com essas transferências, a Formula 1 colocou-se numa posição vulnerável em relação a um regime que não é o melhor em termos de direitos humanos. E pior: mais ou menos escondido do mundo, a Arábia Saudita - e em menor escala os Emirados Arabes Unidos, do qual Abu Dhabi faz parte - estão a guerrear-se no Yemen contra os guerrilheiros houtis, de origem xiita e apoiados pelo Irão, pelo poder, causando dezenas de milhares de mortos de forma direta desde 2015 e centenas de milhares de forma indireta, desde cortar o acesso a alimentos às populações, matando dezenas de milhares de crianças à fome e outras doenças causadas pela má nutrição.

Ir contra pessoas que pesam as suas opiniões com camiões de dinheiro, numa competição que necessita dele como de pão para a boca, especialmente nestes tempos pandémicos, é um testa para ver até que ponto a Formula 1 leva a sério o seu "We Race As One" e as suas campanhas contra o racismo, entre outros. É verdade que Lewis Hamilton leva a causa a sério - já foi visto em manifestações anti-racistas em Londres - mas foi um russo, Daniil Kvyat, que contestou sériamente estas manifestações, recusando-se a ajoelhar perante a luta anti-racista, afirmando que só faria isso pelo seu país e sua familia, mostando não só propositos mais individualistas, como não acredita na causa que se defende nas pistas e cuja mensagem se tenta passar antes de qualquer Grande Prémio. 

E de uma certa forma, as atitudes, expressões e poses dos machos russos são típicos de um país enorme, tão enome que se julga serem os únicos no mundo. Ainda por cima, a elite de um país enorme, que se julga estar acima de tudo e todos. 

Mas independentemente disto, de onde venha, estas atitudes mostram que a ética da organização da Formula 1 é altamente questionável. Mas tal não é nada novo. Quem conhece a sua história, sabe perfeitamente a quantidade de vezes que fechou os olhos a regimes ditatoriais cujo registo de abusos de direitos humanos foi sempre alto, até a casos extramos como foi quando ia à Áfria do Sul, por alturas do regime da minoria branca, com leis de segregação racial atias e sendo um pária na comunicade internacional, excluido desportivamente de tudo que era modalidade... excepto a Formula 1. Mas isso era no tempo de Bernie Ecclestone. 

Não esperava que as coisas fossem muito diferentes, mas com manifestações como estas, poderia haver uma atitude diferente. Afinal, não. Pior: estão mais vulneráveis do que estavam antes. E vão engolir sapos ainda maiores no futuro, tenho quase a certeza, independentemente de serem sauditas, russos, chineses ou outros quaisquer, que pesam a sua influência com camiões cheios de dinheiro e vêm manifestações a favor dos direitos humanos como algo parecido com... circo. 

E já agora, para lerem mais sobre esse assunto, recomendo também que leiam o artigo da Alessandra Alves sobre Mazepin, que dá o interessante apelido de "chernomacho" (Cherno de Cherbobyl, palco do maior acidente nuclear da história. Que curiosamente, aconteceu na Ucrânia...)

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