quarta-feira, 26 de julho de 2023

A imagem do dia


Maranello. Num dia de julho de 1988, o papa João Paulo II está lá para visitar a fábrica da Ferrari. O seu prestigio como símbolo de Itália para o mundo foi tal que até o Vaticano que ver de perto as máquinas do Cavalino Rampante. Naturalmente, os seus pilotos, o italiano Michele Alboreto e o austríaco Gerherd Berger, estiveram presentes para serem abençoados pelo polaco Karol Wojtyła, desde há quase 10 anos o representante dos cristãos na Terra. 

Contudo, uma notável ausência: Enzo Ferrari. O Commendatore já está doente. Tem 90 anos, e tem consciência de que os seus dias estarão contados. Aliás, morrerá dentro de pouco mais de duas semanas, a 14 de agosto. E como tinha nascido dois dias antes de ser registado no cartório, o mundo só saberá do seu fim quando o seu funeral ter terminado e quando o seu caixão for colocado no mausoléu da família, ao lado do seu amado filho Dino, morto de 1956, e da sua mulher, Laura, morta em 1978.

Contudo, ao lado de Wojtyła está Piero Lardi, um homem que teve de esperar pela morte de Laura para que oficializasse aquilo que muitos falavam baixinho: que era filho do Commendatore, nascido em 1945 de uma ligação longa com Lina Lardi, já que o divórcio em Itália só foi legalizado em 1974, e por um referendo. Só em 1990, depois da morte do seu pai, que usou legalmente o apelido Ferrari. Hoje em dia, é dono de 10 por cento da companhia e o presidente honorário da marca.   

Contudo, naquela temporada de 1988, todos sabiam que nem com bênçãos papais ele iriam longe. Berger e Alboreto bem se esforçavam com o F1/88C, uma evolução do F1/87, desenhado por John Barnard e Gustav Brunner, com a ajuda técnica de Mauro Forgheri, do qual tinham ganho duas corridas no final da temporada anterior, com o austríaco ao volante, mas tinham sido atropelados pela máquina da McLaren, que com seu Honda Turbo, tinham ganho todas as corridas até então. Pareciam ser candidatos ao lugar de "melhor do resto", mas naquela temporada apenas tinham conseguido seis pódios e uma pole-position, em Silverstone, com Alboreto ao volante.

Aliás, já nessa altura se sabia quem iria estar na Scuderia em 1989: era o britânico Nigel Mansell, e ele ia para o lugar ou de Berger, ou de Alboreto. E tudo indicava que o italiano iria ser o elo mais fraco.

E também nessa altura que a Ferrari já estava a meio da sua travessia do deserto. Sem ganhar um título de pilotos desde 1979, com Jody Scheckter, e sem títulos de construtores desde 1983, o "velho" se calhar já saberia que, se a Scuderia voltasse a ganhar, se calhar já não estaria aqui para assistir. Neste caso, então não precisaria de bênção papal. Afinal de contas, já teria visto tudo o que queria ver. Contudo, quatro semanas depois de ele morrer, em Monza... 

Post-Scriptum: Curiosamente, soube hoje o lugar onde acontecerá a antestreia mundial do filme do Enzo Ferrari, realizado por Michael Mann. Será em setembro, no festival de cinema de Veneza, e fala-se que a estreia nos cinemas será em dezembro. É esperar para ver. 

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