quinta-feira, 7 de outubro de 2010

5ª Coluna: A Mercedes no fio da navalha

Já imaginaram uma equipa a dar um ultimato a alguém que conseguiu sete títulos mundiais? Pode não ser totalmente verdade, dado que a noticia de hoje vem de um tablóide alemão, mas que a Mercedes tinha expectativas sobre Michael Schumacher para 2010, tinha. E pelos vistos, o piloto de 41 anos (fará 42 em Janeiro) tem uma espada de Dâmocles sobre os seus ombros: ou melhora em 2011, ou sai da equipa.

Ross Brawn já disse à imprensa que "com o Nico Rosberg estou feliz, mas agora esperamos progressos do Michael, que está longe do seu melhor." E de facto é verdade: nos 15 Grandes Prémios até agora realizados em 2010, Rosberg bateu o seu compatriota em qualificação por 12 vezes e o jovem filho de Keke Rosberg tem 122 pontos contra apenas 46 de Schumacher.

Ross Brawn já trabalha no monolugar de 2011, como toda a gente, e "estou muito confiante que o novo monolugar será muito melhor". Mas ter a direcção da Mercedes a pressionar toda a equipa para ter resultados... já, parece ser um pouco mau. Estes sinais merecem uma análise mais profunda, mas digo desde já que confiar em alguém que não colocava o pé num monolugar desde 2006 parece um pouco deslocado.

Mas não estou surpreso, porque todas estas noticias e reacções são o resultado de uma direcção impaciente. E para explicar, vou recuar um ano no tempo. Em Novembro de 2009, quando o campeonato terminou, a Brawn Grand Prix tinha ganho em toda a linha: Jenson Button era campeão do mundo, Rubens Barrichello tinha uma segunda vida, Ross Brawn era laudado como o herói que tinha resgatado a equipa da Honda, que quase um ano antes, em Dezembro de 2008, tinha decidido abandonar a Formula 1.

Como é sabido, Ross Brawn tinha projectado um carro que teria dado à Honda aquilo que procurava: vencer. E do qual tinha investido milhões nos anos anteriores, sem qualquer resultado de relevo, antes pelo contrário... Como sabem a novela durou o Inverno inteiro e a equipa foi salva num "management buyout", com motores Mercedes cedidos pela marca. Mas havia um preço a pagar: no final do ano, a casa de Estugarda iria comprar 75 por cento das acções da equipa. Ross Brawn e Nick Fry, os dois sócios da empresa, concordaram. Depois de vencer os campeonatos, Dieter Zetsche, o CEO da Mercedes, anunciou o acordo, depois de um divórcio complicado com a McLaren, uma parceria que durava desde 1995.

Zentsche queria fazer da McLaren aquilo que fez depois com a Brawn, e foi por isso que chegou a ter 40 por cento da McLaren. Mas quando Ron Dennis começou a planear fazer supercarros e a concorrer com a marca alemã nesse mercado exclusivo, zangaram-se e decidiu sair de cena. Pagou algumas dezenas de milhões à equipa de Woking, acordou em dar motores à equipa até 2014, dado que estavam a sair antes do final do contrato previsto, e compraram 75 por cento da Brawn GP por, digamos, uma fracção do seu valor.

E tinham planos grandiosos: atrairam Michael Schumacher da sua reforma, pois ele tinha corrido por eles em 1990/91 nos Sport-Protótipos, e foram eles que deram os 500 mil dólares necessários para que ele corresse no GP da Belgica desse ano na Jordan, e contrataram o prometedor Nico Rosberg. Uma dupla alemã, num carro britânico, com motor alemão. Parecia que estava tudo feito para que se continuasse a senda vencedora de 2009.

Mas os resultados são decepcionantes: três pódios, todos de Nico Rosberg, com Michael Schumacher a ser um pálido décimo classificado no campeonato, com 46 pontos, contra os 122 pontos do filho de Keke. E em termos de Construtores, tem apenas 168 pontos, andando no quarto lugar da classificação, não muito longe da quinta classificada, a Renault. E as suas reacções são tipicas de uma corporação privada: resultados imediatos ou rolam cabeças. E essa pressão tem várias razões. Para além das normais, tipicas de uma corporação, o desejo de Zetsche de bater a McLaren é mais do que óbvia. Sendo a casa-mãe, ver uma subsidiária ou uma empresa cliente estar na frente é uma heresia. Só que se esquece que a McLaren tem 15 anos de experiência e ver a casa de Estugarda a tentar passar alguém num ano, duvido que o Michael Schumacher no seu auge conseguiria fazer isso.

E há outro factor, que já arranhei em cima: a idade de Schumacher. É o veterano do pelotão, que volta às corridas após três anos de ausência. Depois de um periodo de adaptação, seria de prever que voltaria ao "normal", mas não é assim. Se na qualificação, apesar de estar quase sempre no "top ten", fica sempre atrás de Nico Rosberg. E algumas das suas performances em corrida são dignas de embaraço, como na China e Singapura, para não falar das manobras de "Dick Vigarista" no Mónaco e Hungria, este último sobre outro veterano: Rubens Barrichello.

A conclusão quase óbvia que se pode chegar é que Schumacher está se a adaptar a um novo mundo. O alemão prosperou na era dos reabastecimentos, onde a sua consistência era lendária, combinada com a mestria de Ross Brawn nessas situações. Para além disso, Schumacher teve de se adaptar a um carro que não se comportava de acordo com o seu estilo de condução. Quando se tentou corrigir esse handicap, Schumacher teve os melhores desempenhos do ano, com dois quartos lugares em Espanha e na Turquia, mas depois Rosberg reagiu e nunca mais ficou à frente do alemão mais novo.

Em suma: quando a Mercedes comprou a Brawn, pensava que tinha uma equipa pronta para continuar a dominar. O que não contava era que os outros reagissem. Típico de uma corporação. E estas pressões para encontrar bodes expiatórios, normalmente, só fazem mais mal do que bem.

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