quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Os últimos dias de Francois Cevért

Todos os anos, neste seis de Outubro, procuro sempre colocar alguma coisa sobre Francois Cevért. Este ano, descobri o arquivo digital da revista brasileira "Quatro Rodas" e pus-me a ler. Encontrei a edição de Novembro de 1973, onde vi com pormenor as páginas dedicadas ao automobilismo e uma pérola que, nos dias de hoje, parece irreal: a reportagem do jornalista sueco Bjorn Benkos sobre os últimos dias de Francois Cevért.

"O homem na plataforma próxima da linha de chegada agitou frenéticamente uma bandeira vermelha. E logo depois, os rápidos carros de Formula 1, que podem fazer mais de 300 km/hora, aparecem se arrastrando em direcção aos boxes. Era um dia quente e ensolarado em Watkins Glen, mas naquele momento, um súbito calafrio dominou a todos os que conheciam o significado daquela bandeira vermelha. E passaram a conferir os carros, à medida que entravam nos boxes. Somente um não apareceu: o Tyrrell de Francois Cevért.

Jackie Stewart, campeão do Mundo pela terceira vez, caminhou em direção da sua mulher, Helen, fazendo gestos desolados. As mãos de Helem ergueram-se institivamente para o rosto, deixando cair o cronómetro e a tabela de tempos. Depois, ela abraçou silenciosamente o marido. Ken Tyrrell, o chefe de equipe, aproximou-se e levou-os para o trailer da equipe. José Carlos Pace permanecia encostado ao guard-rail de entrada nos boxes, com as mãos cobrindo o rosto enquanto o corpo se contorcia com seu choro. Nesse dia, Pace estava completando 29 anos de idade.

Um piloto alto e loiro saiu do seu Lotus JPS negro e dourado e caminhou para um galpão próximo, tirou o capacete azul e o capuz à prova de fogo. Lágrimas caiam de seus olhos enquanto ele se sentava a um canto. Poucos momentos antes, o seu amigo intimo Francois Cevért morrera violentamente: seu Formula 1, depois de bater contra um meio-fio, chocara com o guard-rail a 250 km/hora. O Tyrrell-Ford, acabando por bater no guard-rail do lado oposto e ainda arrastou-se sobre ele por mais de cem metros. Cevért tevbe morte instantânea: quando finalmente os destroços do seu carro finalmente se imobilizaram, o corpo do parisiense de 29 anos não era mais do que um amontoado sangrento.

O eco do choque ainda não se dissipara quando Peterson freou no seu Lotus no local do desastre, com o cinto de segurança já aberto. Saltou do carro antes mesmo que ele parasse e correu para ajudar o amigo. Mas nada poderia fazer: o francês moreno que ele conhecera numa fábrica dos arredores de Bolonha, em Itália, e com quem depois diviria quartos de hotel, companheiro de tantas paqueras, tinha encontrado o seu destino. Agora, Ronnie encolhia-se no canto do galpão, desesperado e insensível aos gritos alegres de seus fãs e ao barulhos dos mecãnicos que preparavam os carros para o treino da tarde. Um jornalista perguntou-lhe como estavam as coisas no local do acidente. Ronnie desviou o olhar, sem responder. Quando insistiu, falou com voz sufocada:

- Vocês não entendem? Preciso pensar em outras coisas.

Ali perto, meus próprios pensamentos retrocediam três dias. No intervalo entre o GP do Canadá e o GP dos Estados Unidos, eu acompanhara Ronnie e a sua namorada Barbra às Bermudas, para umas rápidas férias. Nossos outros companheiros de viagem foram Cevért e seu mestre e companheiro de equipe Jackie Stewart, com sua bonita mulher, Helen. Na última noite antes de seguirmos para os EUA, para a prova de Watkins Glen, Ronnie nos convidou a todos para jantar no Newport Room, o mais sofisticado restaurante da ilha. Foi uma reunião onde todos tinham um interesse em comum: as corridas de automóveis.

Stewart nos falou, entre risos, dos rumores sobre a sua aposentadoria e como Cevért estava ansioso por isso. Cevért interrompeu-o:

- Eu então passarei a ser o lider da equipe e vencerei dez campeonatos de seguida.
- Acho que o último deles coincidirá com o teu 99º aniversário - respondeu Stewart.
- É exatamente o tempo que ele precisará - disse Ronnie, pondo mais lenha na fogueira - É que pretendo conquistar alguns campeonatos, alternando com os teus, naturalmente.

O francês de olhos profundos, admirado pelo "jet set" desde o seu caso com Brigitte Bardot, apanhou a lista de vinhos e escolheu a bebida nobre para aquela noite. Mas só as mulheres ficariam sabendo se a escolha foi boa, pois Ronnie perferiu pedir uma Coca-Cola, enquanto Stewart perferia uma soda.

Como de costume em finais de temporada, especulamos em quem iria pilotar o quê no ano seguinte.

- Francois decidiu que eu devo aposentar-me, para que ele passe a ser o numero um da equipe - disse Jackie em tom de gozação - É que ele não suporta ter um superior por perto.
- Você não me atrapalharia - respondeu Cevért - sou invencível e o derrotaria em qualquer coisa.
- Nós jogamos tênis ontem - disse Stewart dirigindo-se a nós - mas nem isso Francois é grande coisa.
- Espere para ver - gritou Cevért imitando o gesto de Muhamad Ali, o Cassis Clay - eu sou o maior! Em 1971 eu venci o meu primeiro Grand Prix em Watkins Glen e daqui a três dias vencerei o segundo.

Dois dias depois, Cevért abotoou o seu macacão à prova de fogo e colocou o seu capacete pintado com as cores de França. Em seguida entrou no seu Tyrrell azul escuro, enquanto que os seus mecânicos apertavam seu cinto de segurança de seis fechos. Seu dedo enluvado pressionou o botão de partida e os 480 cavalos do motor ford trovejaram. A agulha do tacómetro estremeceu enquanto as rotações aumentavam rapidamente. Aquele rapaz de 29 anos, com o seu sorriso largo e seu olhar que nunca deixava de localizar uma garota bonita e piscar para ela, acelerou para a pista.

Um minuto e meio depois, ele passava por nós, acenando amistosamente. Mais uma volta e ele voltou a passar em frente à mesa de controle de tempo da sua equipe. O chefe, Ken Tyrrell, seguia atento o ponteiro de um cronómetro. Os segundos fugiram rapidamente e mais uma vez era tempo do carro numero 6 reaparecer na curva dos boxes. Mas não reapareceu. Os segundos transformaram-se em minutos e nada do capacete tricolor. Um mecânico gritou, apontando a linha de chegada, onde uma bandeira vermelha tinha sido erguida.

Todos os olhares se convergiram para um carro vermelho e branco que parou junto dos boxes da Marlboro-BRM. O piloto continuava imóvel dentro do carro até que Tyrrell, que tinha acompanhado Helen e Stewart até ao trailer, onde o médico lhes dera calmantes, auxiliou-o cuidadosamente a sair do carro e levou-o também para o trailer. Esse piloto era Jean-Pierre Beltoise, cunhado de Francois Cevért. Com os olhos aterrorizados, ele deixou que Tyrrell o guiasse até a um telefone de onde ele ligou para a sua mulher em Paris, a irmã de Cevért.

Uma hora depois, os treinos recomeçaram. Tanto stewart e Beltoise participaram neles, mas a atmosfera era anormal e os pilotos cumpriam as suas funções como se fossem autômatos e ninguém falava mais do que o necessário. Uma multidão de fotógrafos que cercava Beltoise teve de ser afastada à força. Ninguém conseguiu melhorar de tempo e quando o treino chegou ao fim, todos respiraram alividados. Os auti-falantes pediram um minuto de silêncio pelo piloto desaparecido e em seguida os acordes de 'A Marselhesa' ecoaram no autódromo, enquanto um pelotão de paraquedistas baixava a bandeira francesa a meio-pau.

O último Grand Prix da temporada foi disputado no dia seguinte, mas o campeão Jackie Stewart não participou. A morte de Cevért deixou Helen em quase estado de coma e Jackie, que através dos anos assistira á morte de tantos amigos em violentos acidentes, havia tomado a dificil decisão final: nunca mais voltaria às pistas. Mas estava lá, de mãos dadas com uma Helen completamente entorpecida.

Os olhos de Ronnie Peterson pareciam vazios enquanto ele esperava a bandeira de largada. Ao seu redor, 26 motores finalmente roncaram e aceleravam com os pneus fumegantes. O sueco liderou a prova de principio ao fim, conquistando a sua quarta vitória e o terceiro lugar do campeonato. Mais tarde, quando o cermimonial de vitória havia terminado e não havia ninguém por perto, ele falou:

- Sabe uma coisa, Bjorn? Esta foi a pior corrida que disputei até hoje. Correr é tudo para mim e acho que não saberia fazer outra coisa, mas hoje não senti prazer nenhum. Mas corri para ganhar e é para isso que sou pago."

4 comentários:

Unknown disse...

MARCUS CUNHA - RJ.
ERA CRIANÇA,ADORAVA OS BÓLIDOS AZUIS DA TYRREL POIS FORAM ELES OS RESPONSÁVEIS PELA PAIXÃO POR F-1 QUE ALI NASCIA, CHOREI A MORTE ESTÚPIDA DE CEVERT E LAMENTO ATÉ HOJE TAL PERDA.

Alice Henne disse...

Com certeza o veríamos brilhar.

PAIXÃO F1 disse...

Continental Circus, vocês poderiam me ajudar a divulgar o meu canal, ele é de tributo á pilotos conhecidos e desconhecidos, vocês poderiam me dar uma Força

florbela disse...

Hoje,mais um ano... quarenta e quatro anos depois daquele fatídico e inesquecível 06/10/1973. Descanse em paz, príncipe Cévert!