terça-feira, 1 de março de 2022

A imagem do dia (II)


Há precisamente 30 anos, no inicio de uma temporada que iria ser dominadora para a Williams, com o seu FW14B, a Formula 1 chegava a Kyalami, na África do Sul. E esta presença era simbólica, porque pela primeira vez em sete anos, eles estavam de volta.  

Desde 1962 que a África do Sul estava no calendário, primeiro em East London, e a partir de 1966, em Kyalami. Sempre no verão austral - entre dezembro e março - era uma corrida relativamente popular, mas nos anos 80, era um incómodo. Porque desde 1948 que o país estava sobre um regime de "apartheid", onde todos os direitos, incluindo os de voto, estavam nas mãos de cinco milhões de brancos, contra os mais de 25 milhões de africanos, sem direito a eles. A partir dos anos 60, com a independência dos países africanos, a maré tinha virado totalmente contra eles, e começou a haver um boicote contra o país, principalmente no campo desportivo, pelo facto de eles não quererem uma equipa multirracial. 

Resultado: a nação sul-africana tinha sido expulsa do Comitê Olímpico Internacional e da FIFA, entre outras federações. Não podiam participar nos Jogos Olímpicos, e mesmo modalidades que não faziam parte, como o rubgy e o cricket, modalidades onde eram uma potência, estavam afastados. A grande exceção era a FIA, e isso incluia a Formula 1.

Contudo, em 1985, mesmo esse incómodo furo no boicote internacional foi demais. Em outubro desse ano, alguns membros do Congresso Nacional Africano, condenados à morte, iriam ser enforcados nessa semana, e um forte protesto internacional para impedir esses enforcamentos, pedia o cancelamento do Grande Prémio. Com Jean-Marie Balestre - que tinha acusações de ter pertencido a uma organização nazi em França na II Guerra Mundial - na frente da FIA, e Bernie Ecclestone, dono da Brabham, da FOCA, que tinha feito o negócio para ter a corrida com o dinheiro do governo - indiferentes aos apelos, a corrida prosseguiu. Mas nem toda a gente foi: o governo francês impediu a Reanult e a Ligier de irem para o país, e no dia da corrida, Alan Jones, que corria pela Lola-Haas, decidiu não correr, alegando "indisposição".

E televisões, como a BBC, impediram a transmissão da corrida sul-africana para os seus espectadores. 

Mas apesar da corrida ter acontecido, o estrago tinha sido feito: aquela era a última corrida de Formula 1 naquele traçado daquele circuito. Em 1988, o circuito foi fortemente modificado, ficando apenas com a parte sul, a partir da curva Crowthorne até à subida para a meta. E quando isso acontecia, as coisas mudavam no país e no mundo. Primeiro, uma mudança no governo, com P.W. Botha a sair, para ser sucedido por F.W. De Klerk, e coisas como o final do comunismo, a queda do Muro de Berlim e o final da União Soviética, o governo decidiu proceder à abertura e depois, a transição para uma sociedade multirracial. A 27 de fevereiro de 1990, Nelson Mandela, preso durante 27 anos, era libertado para delírio do país e do mundo.

Com esses desenvolvimentos, foi o suficiente para que a FIA e a Formula 1 regressar a aquele país. A corrida tornou-se a prova de abertura e claro, alguns dos pilotos que lá correram em 1985 fizeram o seu regresso, como Ayrton Senna, Ricciardo Patrese e Nigel Mansell, o vencedor nesse ano. E curiosamente, na mesma equipa, também acabou como triunfador, num carro, que iria dominar o campeonato. 

Contudo, o regresso seria de pouca dura. No final de 1993, a organização do GP sul-africano faliu e a corrida não regressou mais a África. 

(escrevi originalmente para o medium.com sob o título "O dia do regresso")   

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