domingo, 22 de agosto de 2010

O protótipo do director desportivo

Toda a gente conhece a história da primeira corrida que as Mercedes "Flechas de Prata" fizeram em 1934. Aparentemente, os carros, pintados de branco, excediam em dois quilos o peso máximo requerido pelos regulamentos. Neubauer e Manfred Von Brauschitisch andaram a pensar em maneiras de tornar o carro mais leve até que tiveram uma ideia: raspar a pintura branca à volta dos seus carros para tirar os quilos que faltavam para poderem alinhar, deixando a descoberto a sua carroçaria de aluminio, e assim nascia o epiteto "Flechas de Prata". Pois bem... temo que tenham sido vitimas da imaginação prodigiosa de Alfred Neubauer.

Na realidade, o primeiro evento em que apareceram as Flechas de Prata tinha sido numa corrida de formula Libre, onde não haveria qualquer tipo de limite em termos de peso, logo, a história não pegaria bem. E uma segunda razão para que isso tenha vindo da mente prodigiosa de Neubauer é que não existe qualquer prova fotográfica dos Mercedes de Grand Prix pintados a branco. Mas quando uma lenda é contada vezes sem conta...

Alfred Neubauer é o protótipo do "Rennleiter", expressão alemã para aquilo que ele foi: o director desportivo, mestre das táticas dos carros alemães nas décadas de 30 e 50, no pré e pós-guerra.

Nasceu na actual Republica Checa, era de origem austriaca e trabalhou primeiro como mecânico, e depois correu na Austro-Daimler, onde conheceu Ferdinand Porsche, e o levou para a Daimler em 1923. Primeiro como piloto, e quando a sua carreira acabou, inventou a sua função dentro da empresa: o de director desportivo.

A sua primeira inovação foi um conjunto de placas que avisavam os seus pilotos da sua posição na corrida. Nessa altura, correr era um exercício solitário, e os pilotos pouco ou nada sabiam da sua performance nem das distâncias que estavam perante os outros concorrentes. Numa era onde as pistas tinham dezenas de quilómetros de distância, a luta do piloto contra os concorrentes, o tempo e a meteorologia podia ser épica, muito solitária... e só saberiam que tinham ganho depois de cortarem a meta.

Neubauer testou o sistema nos arredores de Stuttgart, mais concretamente no circuito de Solitude. Quando ele começou a aplicar a sua invenção, o organizador ficou irritado e exigiu a Neubauer para que saísse da pista. Este, impávido, afirmou que era "Das Rennleiter". Achando a brincadeira de mau gosto, o organizador respondeu: "Está louco? O Rennleiter sou eu!

Foi o homem que dirigiu os "Flechas de Prata" nos anos 30, com pilotos como Rudolf Caracciola, Hermann Lang, Manfred Von Brauchitsch e Richard Seaman, o primeiro grande piloto britânico. Lutavam contra a Auto Union de motor traseiro, um carro desenhado por Ferdinand Porsche e que foi corrido por pilotos como Achille Varzi, Hans Stuck, Bernd Rosemeyer e Tazio Nuvolari, que num Alfa Romeo definitivamente menos potente, calou 350 mil pessoas no GP da Alemanha de 1935.

Quando a II Guerra começou, todas as actividades automobilisticas foram suspensas, e quando esta terminou e o país estava arrasado, demorou quase dez anos para que a marca de Estugarda voltasse à competição. Usando o modelo 300, o primeiro supercarro do pós-guerra, começou a correr nos Turismos, na Endurance e na Formula 1, com pilotos como Karl Kling, Juan Manuel Fangio e Stirling Moss. Voltaram no GP de França de 1954, em Reims, e dominaram do principio até ao fim.

Nessa segunda encarnação, Fangio ganhou dois títulos pela marca alemã - e depois se tornou no seu representante no seu país natal - e Stirling Moss venceu a sua primeira corrida pela marca alemã. Mas esta segunda encaranação acabaria em 1955, marcada pelo acidente mortal do francês Pierre Levegh, que guiava um dos 300 SL quando se despistou e os seus destroços mataram 85 pessoas na tribuna em frente. Foi Neubauer que comunicou o sucedido à sede, em Estugarda, e depois tomou a dolorosa decisão de os retirar de cena. E no final daquele ano, na cerimónia em que aqueles carros foram para o museu da marca, deixou cair umas lagrimas, pois sabia que a sua era tinha chegado ao fim.

Muito daquilo que conhecemos das pessoas que ficam no muro das boxes a dar instruções aos seus pilotos deve-se a um alemão muito forte, que durante quase trinta anos dirigiu com mestria a equipa de corridas da Mercedes. Chamava-se Alfred Neubauer, e morreu faz hoje trinta anos.

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