sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Os últimos dias de Timmy Mayer

Há quem ache que é mais um dos casos de “e se?” sobre o que o futuro lhe teria reservado se não tivesse morrido demasiado cedo. Diga-se isso devido ao seu imenso talento e potencial para ser um dos grandes pilotos americanos da sua geração. Foi a primeira escolha de Bruce McLaren e era amigo de pessoas como Peter Revson e Roger Penske. Tinha tudo para ser um grande piloto de Formula 1, provavelmente na equipa de Bruce McLaren, mas a 28 de fevereiro de 1964, acaba por morrer no outro lado do mundo, na Austrália, meses antes de se estrear na categoria máxima do automobilismo. Timmy Mayer acaba por ficar na história como a primeira morte de Bruce McLaren, e o seu elogio fúnebre tornou-se na sua mais famosa citação. E que anos depois, também serviria como seu próprio epitáfio.

Nascido a 22 de fevereiro de 1938 em Dalton, na Pennsylvania, era o irmão mais novo de Teddy Mayer, nascido três anos antes. Vindos de uma familia rica (o tio dele acabou por ser governador da Pennsilvânia), Timmy seguiu os passos do seu irmão, ao ir para a Universidade de Yale, mas em 1959, aos 21 anos, e já casado com a sua melhor Garrill, deixa de lado os estudos e vai seguir o seu irmão. Consegue uma licença de competição, adquire primeiro um Austin Healey e no ano seguinte, um Lotus 18 de Formula Junior, onde consegue cinco pódios em oito corridas, antes de ter um acidente de Louisville, destruindo o carro.

Pouco depois, Timmy era chamado para fazer o serviço militar. Fê-lo em Porto Rico, mas as coisas eram feitas no sentido de poder participar em competições na América, a bordo de uma equipa que o seu irmão tinha montado e do qual o seu amigo Peter Revson era o seu companheiro de equipa. A Rev-Em fez sucesso ao longo de 1962, e no final dessa temporada, Mayer era o campeão na SCCA (Sports Car Club of America) e como recompensa, alinhou no terceiro Cooper oficial no GP dos estados Unidos, ao lado de um jovem neozelandês, seis meses mais velho do que ele, e infinitamente mais experiente. Chamava-se Bruce McLaren.

No ano seguinte, toda a gente começava a pensar sériamente em ir para a Europa, e foi o que fizeram, correndo na Formula Junior ao serviço da Ken Tyrrell Racing. Contudo, tinham deixado para trás um jovem engenheiro aeronautico de 22 anos chamado Tyler Alexander.

"Em 1963, eles desapareceram para a Europa e eu fiquei pensando no que fazer. Felizmente, o Sr. [Roger] Penske, um bom amigo, arranjou-me um emprego em Houston com a equipa de John Mecom. Acabei por levar um protótipo, um Zerex Special para Brands Hatch para uma corrida de carros desportivos em agosto de 1963. Foi lá que Teddy, que estava correndo num Cooper Monaco para Timmy [Penske ganhou e Mayer terminou no terceiro lugar], perguntou se eu ia ajudar a construir um carro Tasman. Eu disse: 'Tudo bem. Mas que diabo é um carro Tasman?'" contou anos depois à britânica Motorsport Magazine.

Nesse ano, as federações automobilisticas australiana e neozelandesa resolveram aproveitar o facto de os pilotos correrem durante o verão austral para organizar a sua própria série. Os motores teriam de ser á volta de 2,5 litros, e os chassis teriam de ser construidos de modo semelhante aos Formula 1 de então. Eram oito corridas, divididas entre a Austrália e Nova Zelândia. Para Bruce McLaren, correr em casa era uma excelente oportunidade, mas a Cooper não estaria disposta a participar nessa competição, apesar dos insistentes pedidos por parte de Bruce. E era um ano dificil para a marca: John Cooper sofrera um grave acidente durante um teste com o Mini Cooper de ralis, e o seu pai Charles iria morrer pouco tempo depois, e ambos seriam um duro golpe para a marca.

McLaren decidiu construir dois chassis Cooper T70, e estavam prontos em setembro para teste. Mayer fez o "shakedown" e em novembro, todos estavam a caminho da Nova Zelândia, onde iriam correr as etapas iniciais da competição. A competição começou a 4 de janeiro, no circuito de Levin, onde o local Denny Hulme venceu a corrida, depois de um duelo com Mayer. Bruce McLaren completou o pódio. Nas três corridas seguintes, McLaren dominou, incluindo o GP da Nova Zelândia, no circuito de Pukehoke. Meyer foi terceiro nessa corrida, antes de conseguir outro segundo lugar no circuito de Teretonga. Nesta altura, McLaren dominava com 27 pontos e parecia que as coisas iriam ser mais calmas na segunda metade da competição, na Austrália.

Ledo engano. Jack Brabham tinha participado apenas em duas corridas, alcançando um segundo lugar em Wigram. Mas na Austrália, ele estaria em todas as provas e a possibilidade de ser campeão era bem grande. E foi o que fez, ao vencer três corridas seguidas, em Sandown, Warwick Farm e Lakeside, igualando McLaren em número de vitórias. Mas McLaren conseguiu dois pódios, dez cruciais pontos e assim tinha o título na mão quando chegaram à última corrida do ano, no circuito de Longford, na Tasmânia.

Atrás, as performances de Timmy Mayer eram consistentes, mas não tinha alcançado qualquer vitória devido a problemas com o carro. Em Lakeside, por exemplo, tinha andado à briga com Brabham e parecia que iria levar a melhor quando teve problemas de motor. Teria sido uma bela prenda para o seu 26º aniversário natalicio. Aliás, as suas performances confirmavam o potencial de velocidade por parte do piloto americano. Tanto que McLaren tinha convencido a Cooper de contratar Mayer para ser seu piloto para a temporada de 1964.

A corrida final da temporada inaugural da Tasman Series era num circuito complicado. Longford tinha muitos obstáculos: uma ponte de tijolos, um viaduto de madeira, uma passagem de nível e uma ponte estreita faziam parte do circuito, o que colocaria mais obstáculos e perigos do que se poderia imaginar.

Tyler Alexander contou como foi a viagem: "Nós guiamos de Brisbane para Melbourne com apenas uma paragem pelo caminho, se você pode imaginar tal coisa. Tivemos duas "station wagons" cheias de peças e puxando um trailer cada, bem como uma carrinha aberta que agia como um camião para os motores e caixas de velocidades. Não me lembro exatamente como Bruce, Timmy e Teddy viajaram, pois estavam sempre à procura de uma oportunidade para praticar esqui aquático."

"Eles estavam hospedados nos mesmos lugares que nós. Não havia nada "snobista" sobre isso. Era um trabalho duro, mas faziamos de bom humor. É assim que Bruce operava. Ele tinha muito carisma, mas nunca o usou num sentido egoista. Você trabalhava com ele e não para ele. Nós deixamos os carros em Melbourne e pegamos o barco para a Tasmânia."

A sessão de treinos em Longford começou com Mayer a ser mais lento em 1,8 segundos, o que fez com que na sessão seguinte, decidisse mudar as relações de caixa, no sentido de melhorar o seu tempo. Quando ele voltou à pista, no dia seguinte, Mayer perdeu o controle do seu Cooper numa reta, após um salto, e embateu numa árvore, tendo morte imediata. Uma semana depois de fazer 26 anos.

Frank Gardner, um dos concorrentes, achou que Mayer ia em excesso de velocidade, mas Tyler alexander não confirma, nem desmente: "Eu não sei nada sobre isso", começa por dizer Alexander. "Nós poderíamos ter montado o carro de olhos vendados, de tanto termos trabalhado nele durante as semanas anteriores. E, na verdade, para Timmy, estava tudo bem na mesma. Ele era uma pessoa inteligente [um graduado de Yale] que ficava melhor a cada corrida que fazia. Ele estava a aprender o tempo todo. Um par de vezes ele terminou apenas a alguns metros atrás de Bruce. Eu suspeito que ele poderia ter feito um esforço mais determinado para o superar, mas, sem dúvida, Bruce teria sido capaz de responder.", afirmou.

McLaren não correu no sábado, mas participou na segunda-feira, o dia da corrida. Sem marcar tempo, partiu do último posto para fazer uma corrida de recuperação, terminando no segundo lugar da geral.

Em 2009, escrevi sobre Mayer por aqui, e na altura, transcrevi na íntegra o artigo de Bruce McLaren, homenageando o seu companheiro de equipa e amigo, escrito semanas depois do seu acidente fatal em Longford. Ei-lo na íntegra:

“Sentamo-nos no topo das boxes, aproveitando o sol de Longford, esperando para que começasse a primeira sessão de treinos: eu, Timny, a sua mulher Garril e os mecânicos – a nossa equipa. Dali, tinhamos a pitoresca vista do campo, e imediatamente abaixo de nós ficava o “Paddock”, com coloridos e polidos carros desportivos.

Estavmos felizes. Era o último evento da série. Nos dois meses em que nós corremos, trabalhamos e relaxamos juntos, talvez mais do que todos nós, Timmy estava gozando a temporada. Tinha confessado que adorara verdadeiramente ter estado na Austrália. Inteligente e charmoso, tinha feito dezenas de amigos. Quem não o conhecesse, não acreditava ver um corredor, tinha de o cohnhecer verdadeiramente para notar o seu desejo de competir, fazer algo melhor do que a pessoa ao lado, seja a nadar, e fazer esqui aquático ou a correr.

Então, quando durante a segunda sessão de treinos, soubemos que tinha batido a alta velocidade, soubemos imediatamente que era mau, mas sabiamos que ao menos, estava a fazer o que mais gostava. A noticia de que teve morte imediata fori um terrivel choque para todos nós. Mas quem é que nos diz que nos seus curtos 26 anos de vida fez mais, viu mais, e aprendeu mais do que muitos de nós fizeram nas suas vidas? É trágico, particularmente para nós, os que ficaram para trás. Planos que foram imediatamente cancelados, e esperanças que desapareceram. Sem homens como Tim, tais planos e esperanças já não significam nada.

Fazer algo bem vale tanto a pena que morrer fazendo ainda melhor, não pode ser loucura. Não consigo dizer isto muito bem, mas sei que isto é verdadeiro. Seria um desperdicio fazer coisas com as habilidades dos outros, mas para mim a vida é medida por realizações e não por anos.

A aqueles que mostraram á sua mulher Garril, ao seu irmão Teddy e aos restantes membros da nossa equipa, as suas simpatias e considerações, quero dizer ‘obrigado’. Os vários telegramas que nos chegaram um pouco de todo o mundo são o testemunho do vasto circulo de amigos que tinha e da perda que sentiram.

Timmy era um verdadeiro amigo e um excelente companheiro de equipa”

Tyler Alexander explicou o que fizeram nesses dias de luto e angustia: "Na noite após a morte de Timmy, todos nós voltamos para o hotel. Havia quatro ou cinco de nós, inclusive Garrill, que era uma menina corajosa, agradável e inteligente. E nós fizemos o que tinhamos que fazer. Voamos para Nova York, via Sydney, e passamos dois dias na casa da mãe de Teddy, a Happy Apple Farm, explicando a um grupo de pessoas em luto, familiares e amigos, onde era a Tasmânia e o que Timmy estava fazer por ali."

"As pessoas ainda me perguntam se Teddy e eu discutimos alguma vez sobre a hipótese de abandonar a comptição. Eu acho que minha a resposta para isso é a seguinte: Teddy e Garrill foram esquiar em Vermont para ficar longe de tudo, e ela ligou para a casa dos meus pais para me convidar; Garrill queria me ensinar a esquiar. Uma noite, vendo a paisagem e mantendo nas mãos um bom copo de whisky de malte, o telefone tocou. Era Bruce. Ele queria perguntar ao Teddy se ele achava que deveria comprar o Zerex especial e fazer algumas corridas de carros esportivos na Inglaterra. Teddy respondeu: 'Tyler está aqui! 'E me entregou o telefone

"Voltei para casa e, de seguida, dirigi non-stop para Pensacola, na Flórida, para pegar o carro e rebocá-lo para Nova York. No fim de semana seguinte, fomos correr em Oulton Park. Não há nenhuma razão para que Timmy não nos quisesse que continuassemos. Nenhuma".

Apesar de hoje em dia, pouca gente saber de Timmy Mayer, o que ele foi, a sua carreira e o seu trágico fim, as pessoas que estiveram à sua volta aprenderam com ele e tornaram a McLaren na potência que foi no final dos anos 60, na Can-Am e na Formula 1. E os seus fundadores sabiam disso e sempre agradeceram a sua contribuição.

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