segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Arrows A2: A história de um belo fracasso

Em 1979, a Formula 1 estava deslumbrada com o efeito-solo e queria puxar os limites aerodinâmicos. Depois de ter visto Colin Chapman a reinventar a competição com os Lotus 78 e 79, vencendo ambos os títulos de pilotos e Construtores no ano anterior, a temporada de 1979 viu o pelotão a querer imitá-lo, tentando conseguir o "carro-asa" total, aquele que dominaria o pelotão, numa altura em que os motores Turbo da Renault já começavam a ser significativos. 

Contudo, dos vários projetos que foram apresentados, houve um que ficou na memória: o Arrows A2, o projeto de gente ambiciosa que um ano antes, tinha saído de outra equipa e seguira o seu caminho. Mas o carro, que queria ser o melhor carro-asa de todo o pelotão, acabou por ser provavelmente, o fracasso mais espectacular da história da Formula 1. E provavelmente o impediu de ser a equipa vencedora que tanto queriam.


UM CARRO-ASA NO LIMITE


Final de junho de 1979. Dijon-Prenois, palco do GP de França desse ano. Na grelha de partida, mais do que assistir ao triunfo dos motores turbo da Renault, pilotados por Jean-Pierre Jabouille e René Arnoux, muitos olhos estavam virados na direcção das boxes da Arrows, onde estavam a mostrar pela primeira vez o seu novo chassis. Carros-asa não era nada que tinham visto anteriormente. Dois meses antes, em Jarama, Colin Chapman tinha estreado o Lotus 80, que muitos julgavam ser o carro que poderia continuar com o domínio da marca na Formula 1. Contudo, apesar do terceiro lugar de Mário Andretti nessa corrida, tinha ficado atrás do modelo 79 e pior, não tinha deslumbrado. Apesar do americano ainda o usar nesta corrida, ficava demonstrado que tinha sido um tiro ao lado.

Contudo, o Arrows A2, guiado por Riccardo Patrese e Jochen Mass, continuava a querer encontrar os limites do aerodinamismo, no sentido de ser a máquina que daria o pulo na grelha. Desenhado por Tony Southgate, era o culminar de experiências nessa área que tinha tido, primeiro na BRM, depois na Shadow, antes de sair no final de 1977 e ser um dos fundadores da Arrows. E internamente, tinha um nome diferente.

"Chamávamos de bombardeiro Heinkel, por causa do seu nariz redondo. E porque não?", disse Southgate, numa entrevista recente à Autosport britânica. Agora com 79 anos, antes de começar a esboçar as primeiras linhas do carro, já tinha uma longa experiência no automobilismo. Começando a trabalhar em 1962, na Lola, ajudou a desenhar o modelo T70, de Endurance, e aquele que viria a ser o Honda RA300, de 1967, que deu uma vitória a John Surtees, em Monza.

Depois, seguiu para a BRM, onde aprendeu aerodinâmica com Peter Wright, e desenhou o seu primeiro carro, o P153, em 1970, e no ano seguinte, o P160. Combinado com o motor V12, a marca assistiu a um renascimento, com quatro vitórias entre 1970 e 72. No final desse ano, Don Nichols, da Shadow, propôs-lhe que desenhasse o seu primeiro chassis para o projeto da marca na Formula 1. Assim nasceu o DN1, que deu dois pódios logo no seu primeiro ano de competição. Lá ficou até 1975, quando Wright o chamou para ir trabalhar com ele para a Lotus, ajudando a desenhar os modelos 77 e 78, precursores do 79.

Ficou um ano e voltou à Shadow em 1977, desenhando o DN9, que deu a única vitória da marca, através de Alan Jones, no GP da Áustria desse ano, em Zeltweg. Mas no final do ano, acompanhou outros como Alan Rees, Franco Ambrosio ou Jackie Oliver, para ajudar a fundar a Arrows. Desenhou o FA1, que de uma certa maneira era uma cópia do DN9. Tanto que foi a tribunal... e a Shadow ganhou. Assim sendo, teve de fazer uma versão, o A1.

"Eu sabia que [Wright] estava interessado neste conceito de [carro] asa durante algum tempo, e tentamos na BRM, mas nunca funcionou lá por várias razões", diz Southgate.

"Quando fui para a Arrows, continuei o mesmo pensamento, porque nessa altura, a aerodinâmica realmente descolara. Na Lotus, costumávamos falar sobre o carro aerodinâmico definitivo que não precisaria de asas, porque o faria na forma da carroçaria, onde todo o carro seria um aerofólio. É exatamente isso que o A2 é.", continuou.
Depois de desenhar a maqueta, levou-a ao túnel de vento do Imperial College, e ficou impressionado com os números. "Estava a receber 1.600 libras de força descendente a 150 milhas por hora. O melhor do não-aero [sem efeito-solo] carros seria de cerca de 700 libras. Mesmo o carro asa da Lotus tinha sido à volta de 1100 libras de força. Esses números eram tão impressionantes, você dizia: 'O que diabos vamos fazer com isso?' Jackie Oliver também não resistiu e disse: 'Que se lixe, vamos fazê-lo!'"

Mas ao fazê-lo, foi aí que começaram a ser plantadas as sementes do fracasso. Southgate depois explicou como é que construiu o chassis e colocou os restantes elementos do carro.

"Coloquei o motor e a caixa de velocidades num ângulo [de dois graus e meio]", começou por explicar Southgate. "A parte de baixo era incrivelmente lisa. Você a virava e parecia um barco elegante, enquanto normalmente você teria um motor e uma caixa de engrenagens em baixo. Eu estava tão entusiasmado com este pacote aerodinâmico que convenientemente ignorei o fato de que ele estaria a elevar o centro de gravidade [CG]. Pensei em como superar isso, mas na verdade não consegui!", continuou.

"O CG era efetivamente um par de centímetros acima do normal e em um carro de Formula 1, que faz uma grande diferença. O carro não gostava de mudar de direção - tentaria passar da esquerda para a direita - e a única maneira de impedir isso era colocar grandes barras rígidas antirrolamento, o que agravava a manutenção normal da estrada. Você não podia usar a aerodinâmica".

Patrese e Mass pediam para ter a suspensão mais leve na parte da frente, para compensar a rigidez traseira, mas isso causava o "propoising", onde os chassis curvavam devido à falta de rigidez torsional do chassis. Para piorar as coisas, o carro era 25 quilos mais pesado que a média, o que faia perder entre 0,5 e 0,7 segundos por volta. E em Dijon, ambos os carros, apesar de terem deslumbrado, foram discretos: Patrese e Mass acabaram na 14ª e 15ª posições, três e cinco voltas mais atrás do vencedor.


FALHAR ONDE A WILLIAMS TINHA SIDO BEM SUCEDIDA


Apesar de depois, terem conseguido dois sextos lugares na Alemanha e na Holanda, ambos com Mass ao volante, a equipa decidiu fazer um novo chassis, o A3, em 1980. Um carro bem mais convencional que o anterior. Southgate achava que os erros poderiam ser corrigidos, mas Jackie Oliver, o diretor desportivo da marca, disse que não havia dinheiro suficiente para desenvolver o carro.

"Se eu tivesse o orçamento, teríamos produzido um carro de desenvolvimento e continuado com a A1 e acho que [Southgate] acabaria resolvendo os problemas", começa por explicar Oliver. "Sem um carro de desenvolvimento para provar o conceito, a única maneira de resolver o problema era abandoná-lo.", continuou.

"Nesses processos, você se compromete com o design do carro, conforme fornecido pelo seu designer. Se existir algum problema, você trabalha com esse problema, vai ser tarde demais para mudar o design. Foi o que aconteceu com o A2. Quando você tem um erro como esse, o dono da equipa - eu - assume o custo tanto em termos de desempenho quanto de ter que fabricar outro carro. Eu disse ao Tony: 'Copia uma Williams', e foi o que ele fez", concluiu.

Curiosamente, a Williams tinha também sido fundada ao mesmo tempo que a Arrows, e nesse mesmo ano de 1979 tinha estreado o seu modelo, o FW07, desenhado por Patrick Head, que deu à equipa a sua primeira vitória, em Silverstone, com Clay Regazzoni ao volante e abrindo o caminho ao sucesso nos anos seguintes. E era um projeto do qual a Williams apostava tudo. "Ele teria falido se o chassis fosse um fracasso", disse Ian Anderson, o mecânico chefe da Williams em 1979. Acabou por vencer cinco corridas nessa temporada, dando o segundo lugar no Mundial de Construtores. 

Quarenta anos depois, Southgate reflete no que poderia ter feito para corrigir os erros do carro.

"Se eu colocasse o motor em uma posição convencional, apenas o colocasse de forma nivelada para que o centro de gravidade descesse, imagino que ele teria perdido algumas centenas de libras de força descendente, mas ainda significaria muito", reflete Southgate.

"Se eu tivesse chegado ao limite de peso, o carro teria sido muito melhor, mas esse seria um carro diferente, porque você não poderia modificar o carro existente dessa maneira. Provavelmente, você teria que começar de novo ", concluiu.

A Arrows durou até 2002, e tornou-se das equipas com mais Grandes Prémios sem conquistar qualquer vitória, apesar de ter tido uma pole-position e uma volta mais rápida. 

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