terça-feira, 8 de outubro de 2019

Um futuro em jogo - parte 1

Ontem dei por mim a ver o video da Julianne Cerasoli sobre o futuro próximo da Formula 1, com as suas regras para 2021, que estão constantemente a serem modificadas, arrastando cada vez mais no tempo, e do qual não ficaria admirado se fossem adiados para 2022. Uma das razões pelo meu cepticismo em relação a isso nem tem a ver com o teto salarial, mas som sobre as pelas dos quais a FIA quer que sejam padronizadas, como os travões e as caixas de velocidades, mas os engenheiros decidiram vetar essa parte.

Mas não é sobre isso que pretendo falar. Na realidade, pretendo escrever sobre as possíveis retiradas de Renault e Mercedes da Formula 1. Como equipas de fábrica, não como fornecedora de motores. E como isso, caso aconteça, faz parte de um enorme mecanismo que mostra os tempos que correm e as prioridades existentes, que a Julianne fala, mas do qual eu colocarei mais pormenores.

As razões pelos quais Renault e Mercedes poderão ir embora, provavelmente no final de 2020 ou de 2021 - depende do ano em que as novas regras forem implementadas - são diferentes, mas tem pontos em comum. No caso dos franceses, o facto de ficarem sem clientes, pois a McLaren decidiu em 2021 mudar para a Mercedes, poderá ter dado pólvora para a administração da marca francesa questionar a sua presença na Formula 1. Uma administração que, como é sabido, está em polvorosa depois da prisão de Carlos Ghosn em novembro de 2018, por causa do escândalo de corrupção no qual foi envolvido, e apostava forte nas operações da Formula 1.

Contudo, esta nova administração tem outras prioridades, quer no lado francês, quer no lado japonês - a Nissan - e ambos investiram forte nos carros eletricos desde o inicio desta década. E a Renault, em associação com a DAMS, esteve na Formula E desde o seu inicio, embora tenham mudado de nome em 2018 para se concentrarem na Formula 1. Mas a aposta não tem tido resultados, e claro, todo este dinheiro está a ser escrutinado - Daniel Ricciardo tem um os salários mais altos da Formula 1, a par de Sebastian Vettel e um pouco abaixo de Lewis Hamilton - e como a marca gasta muito menos na competição elétrica e tem muito melhores resultados - um título de pilotos com Sebastien Buemi e três de construtores - logo, não ficaria admirado se digam onde é que o dinheiro deveria ser melhor gasto.

No caso da Mercedes, há semelhanças e diferenças. Os Flechas de Prata são campeões de pilotos e construtores desde 2014, e estão na Formula 1 como construtora desde 2010, e tem fornecimento de motores ininterruptos desde 1995, com imenso sucesso na McLaren, em 1998 e 1999, com Mika Hakkinen. Mas a Mercedes, como toda a industria alemã, está a apostar forte na electrificação - Dieselgate oblige - e as marcas estão a lançar modelos atrás de modelos que terão unicamente motores e baterias elétricas. E a Mercedes, depois de um ano de aprendizagem com a HWA, vão estar na Formula E usando o seu nome, a par da Porsche, Audi e BMW, uma aposta bem forte da industria alemã para triunfar neste novo mundo automobilistico. 

E se isso é pouco compreensível na América do Sul, onde as novidades chegam mais tarde, falemos quem mora na Europa, como eu. Grande parte dos países já estabeleceu regras para a electrificação, onde nos próximos quinze a vinte anos, a grande maioria dos carros têm de ser elétricos. São obrigados pelos governos e a industria tem de obedecer, sob pena de pagar multas cada vez mais pesadas. A multa do Dieselgate foi muito alta e alguns dirigentes de topo estão presos, quer nos Estados Unidos, quer na Alemanha, por terem mentido em tribunal sobre o cumprimento das regras que deveriam seguir, e no final, andaram a enganar. É por isso que o motor Diesel se tornou na "má da fita" na Europa, e todos pretendem largar, e num futuro não muito distante, ilegalizar.

E também têm de se pensar no seguinte: o que é que a Formula 1 tem para oferecer às equipas de fábrica? Que tecnologia que pretendem desenvolver do qual a Formula 1 poderia ser uma via para acelerar esse desenvolvimento? Nesta altura, pouco ou nada se pode oferecer. Em termos tecnológicos, o futuro está na Formula E, porque é todo um mundo para desbravar, e nas áreas onde podem desenvolver livremente, irá haver saltos tecnológicos que serão colocados nos carros de estrada logo a seguir. Na Europa, todos já entenderam que o futuro é elétrico e o aceitam, e a cada ano que passa, centenas de milhares de carros elétricos são colocados na estrada, com cada vez mais autonomia, cada vez mais baratos e com redes de carregamento cada vez mais presentes. A Noruega, onde mais de metade dos carros novos são elétricos, é um espelho do futuro.

O que a Formula 1 poderá fazer nesse campo? Pode-se pensar numa fusão com a Formula E, mas há muitos obstáculos. Primeiro que tudo, nem é tanto a tecnologia, mas sim o ordenamento. A Julianne fala um pouco no video sobre Toto Wolff ser o futuro patrão da Formula 1, mas também falo sobre Alejandro Agag. O fundador e idealizador da Formula E tem os direitos exclusivos da competição durante 25 anos, ou seja, até 2039. É tempo suficiente para fazer crescer a competição, quer em termos tecnológicos, quer em termos de calendário. E já conseguiu um dos seus objetivos: tem dez equipas de fábrica, algo do qual a Formula 1 nunca teve na sua história. 

Agag até veria com bons olhos essa fusão... desde que fosse o dono da Formula 1. Só que para esse cargo, há concorrência. Não Chase Carey ou Sean Bratches, que estão de saída - vão se reformar em 2020 - mas sim Toto Wolff, que tem interesse no lugar quando sair da Mercedes. Ele que têm dez por dentro das ações da equipa, a par de Niki Lauda, quando foram para lá no final de 2013. E Wolff tem um pé na Formula E. Bom, não ele... mas sim a sua mulher, Susie. Que é a diretora da Venturi, onde esta semana anunciaram uma parceria técnica com a... Mercedes. Podem ser sinais de que os alemães irão para lá no sentido de vencer e dominar, como estão a fazer na Formula 1.

Caso Wolff - ou os Wolff - entrem cada vez mais na Formula E, a ideia de dominar ambos para poder fundir num futuro distante pode não ser tão descabida assim.

Por isso é que digo não acreditar mais em equipas de fábrica a entrarem na Formula 1. O mundo muda e as prioridades são outras. Agora, entrar novas equipas na categoria máxima do automobilismo... a conversa é outra, do qual contarei na segunda parte desta história.

Sem comentários: