segunda-feira, 17 de agosto de 2020

The End: Mário de Araújo Cabral (1934-2020)

Mário de Araújo Cabral, o "Nicha", primeiro dos quatro pilotos portugueses a bordo de um Formula 1, morreu esta madrugada aos 86 anos. Já estava doente há algum tempo e deixa para trás uma rica carreira no automobilismo, que durou por mais de duas décadas, em mais de um continente.

Nascido a 15 de janeiro de 1934 no Porto, filho do Conde de Vizela, "Nicha" começou a correr logo no inicio da década de 50, numa altura em que sempre se excedeu ao nível de desportos, especialmente a ginástica. Depois de ter brilhado nos circuitos nacionais, a sua primeira grande chance internacional aconteceu em 1959 quando aluga um Cooper-Maserati à Scuderia Centro Sud para poder correr o GP de Portugal daquele ano, que se disputava no circuito de Monsanto, nos arredores de Lisboa. 

Qualificado para a corrida, ficou marcado pelo incidente com Jack Brabham, que quando o dobrava, sofreu um toque, que o levou contra um poste. Cuspido para fora do seu Cooper e caindo no meio da estrada, quase sendo atropelado por Masten Gregory. Nicha continuou e acabou a prova no décimo (e último) posto, a seis voltas do vencedor, Stirling Moss.

Só voltou a correr no ano seguinte, na corrida natal, no circuito da Boavista. Ali, de novo no Cooper da Centro Sud, largou de último e a sua prova acabou na volta 38 com um acidente.

Nos anos seguintes, dividiu a sua atenção entre a Formula 2 e os Turismos, voltando apenas à Formula 1 em 1963, correndo duas provas pela mesma equipa, com um Cooper T60. Em Monza, tentou qualificar-se mas não conseguiu. Contudo, era o primeiro dos não-qualificados, e quando Chris Amon não pode alinhar devido a um acidente, ele, que em principio iria ficar com o lugar, acabou por ver Giancarlo Baghetti, que corria no seu ATS, a alinhar porque a organização queria um piloto italiano.

Em 1964, a Derrington-Francis, equipa construída por Alfred Francis, o antigo mecânico de Stirling Moss, e o preparador Vic Derrington, construiu um chassis para correr na Formula 1, com um motor V8 da ATS. Cabral foi escolhido para fazer a estreia do carro em Monza, onde conseguiu o 19º melhor tempo, em vinte lugares. Andou relativamente bem antes de desistir na volta 24 devido a problemas de ignição. A ideia era de correr em mais provas, mas num teste, o americano Dan Gurney destruiu o chassis e o projeto acabou.

Para piorar as coisas, Nicha sofreu um forte acidente em Rouen, durante uma prova de Formula 2, quando sofreu uma colisão com Peter Arundell. Gravemente ferido, ficou convalescente por mais de um ano, até voltar a correr em 1968. Não mais voltou à Formula 1, mas a sua carreira em Turismos e Endurance o levou até África, mais concretamente Angola, correndo todo o tipo de carros. Em 1971, foi um dos pilotos que correu no Porsche 917 do David Piper, nas Seis Horas de Watkins Glen, e foi o vencedor da corrida inaugural do Autódromo do Estoril. Ainda voltou aos monolugares, na Formula 2, antes de encerrar a carreira em 1977, aos 43 anos.

No anos 80, ajudou no regresso sa Formula Ford a Portugal, ajudando a descoberta de uma nova geração de pilotos portugueses, desde António Simões a Ni Amorim, atual presidente da Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, passando por Pedro Matos Chaves e Pedro Lamy, que chegaram à Formula 1.

Fora das pistas, era conhecido por ser alguém com bom humor, e por vezes, foi capaz de fazer acreditar até os mais incautos. Em 1971, ele e mais três amigos decidiram disfarçar-se de "sheiks" árabes, deslocaram-se ao hotel Ritz e conseguiram convencer o diretor de um jornal que iam negociar com o governo um acordo petrolífero. Isto, antes do primeiro choque do petróleo. Alguns dias depois, o logro foi anunciado e o diretor ficou em maus lençóis...

No final do século, quando escreveu a sua biografia, revelou que tinha tido relações com homens e mulheres ao longo da sua vida, tornando-se dos poucos automobilistas que "saiu do armário". E nos últimos anos, era presença nos eventos históricos, especialmente no Circuito Histórico da Boavista, na década passada.

Sem comentários: