
GILLES, o meu tributo. - 3ª Parte (1977)
Mclaren, Brabham e Wolf eram hipóteses reais para Villeneuve entrar na F1 e os meses seguintes poderiam ser determinantes para o futuro dele. Contudo, o salto para a Formula 1 não era fácil para ninguém e muito menos para alguém que não seguia o tradicional caminho de evolução das fórmulas europeias. Gilles era claramente uma estrela em ascensão e tinha provado em pista o seu extraordinário valor mas, o seu estilo de condução criava duvidas nas mentes dos homens de negócios que começavam a controlar a Formula 1 e com tantas certezas disponíveis … para que arriscar.
A Formula 1 em 76 e 77 vivia com uma geração de ouro de pilotos de primeira grandeza. Niki Lauda, James Hunt, Jody Scheckter, Mario Andretti, Emerson Fitipaldi, Ronnie Peterson e Clay Regazzoni eram exemplos claros disso, e a nova geração onde despontavam pilotos como Nelson Piquet, Jacques Lafitte, Alan Jones, Patrick Depailler, Patrick Tambay, Riccardo Patrese, Didier Pironi e René Arnoux, afinavam pelo mesmo diapasão. Contudo os principais patrocinadores cada vez eram mais importantes nas equipas, e em nenhuma equipa a vontade do patrocinador era mais importante que na Mclaren. A Marlboro, com uma estratégia séria e de longo prazo na Formula 1, viu pelos olhos de John Hogan que o lugar de Gilles era na categoria máxima. O seu estilo espectacular e o facto de ser do continente norte-americano eram armas publicitarias muito poderosas.
Gilles era o "cowboy" moderno e Hogan não descansou enquanto não convenceu Teddy Mayer a assinar com Gilles um contrato para 77. As hipóteses Wolf e Brabham desvaneceram-se rapidamente, pois Gilles não queria entrar para a Formula 1 sem garantias e assim Walter Wolf, que iria estrear a sua própria equipa nesse ano, assinou com Jody Scheckter.
Em relação á Brabham, e após uma reunião entre Gilles e Bernie Ecclestone, o caldo entornou, e a partir dai criou-se uma profunda antipatia pessoal entre ambos, nada típica de Gilles, mas perfeitamente compreensível analisando o carácter dos dois.
Assim logo após o término do Campeonato do Mundo que coroou James Hunt, foi assinado um contrato entre a Mclaren e Gilles para a época de 1977. O contrato mencionava a participação do canadiano em 5 Grandes Prémios em 77, ao lado de Hunt e Mass, estando garantidos os dos EUA e do Canada. Previa ainda o patrocínio, pela Marlboro, de algumas corridas de Formula 2 na Europa e “deixava no ar” que em 78 teria um lugar para si na equipa. Fora isso havia um prémio pela assinatura do contrato no valor de 25 mil dólares. O contrato foi anunciado publicamente no dia 6 de Dezembro... para não ser cumprido.
Gilles, pelo contrato que tinha com a Mclaren, tinha disponibilidade para correr em outras categorias e apressou-se a faze-lo. Em Janeiro e Fevereiro desse ano, em vez de disputar os “seus” campeonatos de snowmobile, foi disputar uma série de quatro corridas de Formula Atlantic na Africa do Sul.


Na corrida, as 4 primeiras voltas foram um festival de agressividade em pista. Os toques foram mais que muitos, as rodas sempre a tocarem-se na luta pela trajectória ideal, enfim, um Gilles vs Arnoux em dose dupla ou tripla. Finalmente, na 4ª volta, o inevitável acontece e num salto os carros tocam as suas rodas. Villeneuve roda e Keke segue em frente. Mais tarde, Rosberg desiste com problemas de motor e Gilles consegue um fantástico 2º lugar, depois de uma corrida fabulosa pela sua entrega e querer pois para alcançar essa posição ultrapassou nada menos que... 9 competidores!

John Lane, o seu director de equipa, declarou também: “Foi simplesmente uma guerra…andaram sempre á porrada um ao outro…só havia cerca de 12.000 espectadores nesse dia mas estiveram perto de atingir a loucura total. Foi provavelmente a melhor corrida entre dois pilotos que alguma vez existiu. Os dois riram-se muito sobre o acontecido após a corrida. Gilles não estava chateado com Keke pelo acontecido em Mosport. O que ele achava era que bate-lo em pista era a sua melhor vingança. Nessa noite em Edmonton paguei o jantar à equipa e a Melanie sentou-se ao meu colo. O Pai dela era o homem mais feliz do mundo. Aquele tipo de batalha representava o que Gilles mais amava sobre corridas de automóveis”.

Sobre o Gilles desse ano, disse Keke Rosberg no seu livro de memórias: “ Gilles e eu tivemos nesse ano duelos fantásticos…ele era extremamente talentoso. Muito, muito rápido e muito, muito corajoso. Ele era um piloto extremamente duro e muito ambicioso. As nossas batalhas foram sempre justas e na maior parte das vezes era eu que ia atrás dele. Nós sempre tivemos um bom relacionamento profissional porque ambos nos regíamos pelas mesmas regras. Eu não me lembro de o ter posto para fora deliberadamente em Mosport mas eu lembro-me bem que depois daquilo a Joann deixou-me de falar por um longo tempo.”. Delicioso, acho eu.
Ainda nesse ano Gilles experimentou mais 3 categorias de veículos. Correu com Eddie Cheever aos comandos do BMW 320I a etapa de Mosport do Campeonato do Mundo de Marcas e foi ai que nasceu o…Villickx, pois essa foi a primeira corrida em que os meus dois grandes se cruzaram numa pista. Jacky Ickx aos comandos do seu Porsche 935, e Gilles no BMW. Jacky fez a Pole e Gilles ficou em terceiro. Ninguém ganhou, ganhei eu.

Gilles fez quatro corridas na categoria, e só em Elkhart Lake é que alcançou a pole position, apesar de ter terminado a corrida na 3ª posição. O resto foram só desistências.
Contudo, as suas performances neste "chasso" levaram Chris Amon a fazer aquele que foi para mim o maior elogio a Gilles Villeneuve como piloto (pois é, em carros inferiores que se vê a cepa dos pilotos): “ Eu só conheci um piloto no mundo que tinha o controlo do carro que Gilles tinha, um piloto que sempre sabia onde estava, não importa o que tivesse acontecido ou estivesse a acontecer. Esse piloto era Jim Clark”.
Mas comecemos pelos treinos não oficiais, que se realizaram uma semana antes do GP, pois foi ai que tudo começou. Conforme o contrato que tinha assinado, Gilles ia alinhar pela Mclaren ao lado do campeão do mundo James Hunt e da estrela alemã da altura, Jochen Mass. Gilles não conhecia Silverstone, não conhecia o Mclaren e muito menos tinha se sentado num Formula 1. Era um ás numa categoria que estava entre um Formula 3 e um Formula 2, e um Formula 1 era diferente, muito diferente.
Gilles usou nesses testes o velho M23 de James Hunt, enquanto os seus colegas usavam o novo M26. Começou devagar para rapidamente começar a apertar o acelerador. E para surpresa de todos começaram os piões. Rodou em Copse, em Becketts, em Woodcote, Club e Stowe, ou seja... rodou em praticamente todas as curvas! E o que causava estranheza a quem estava a observar era que nunca ficava parado e normalmente rodava duas vezes seguidas na mesma curva.
Teddy Mayer não estava impressionado com a performance do diabólico canadiano, apesar de os tempos não serem maus quando não andava aos piões, e estava mais preocupado com o estado em que ficaria o carro, caso num daqueles piões o mesmo se esborrachasse contra um guard-rail qualquer. Essa não era definitivamente a preocupação de Gilles, que, já nervoso com o pouco caso que a Mclaren estava a dar ao seu contrato, estava a encarar esta corrida como a ultima hipótese de vingar na Formula 1, que era onde ele queria e achava que devia ter.
Mas a verdade é que quase ninguém estava muito impressionado com a atitude de Gilles e não foram poucos os pilotos, directores de equipa e jornalistas presentes que não deixaram de comentar criticamente a performance de Gilles mas isto… até entenderem o que realmente estava a acontecer. A compreensão do Gilles não estava disponível para todos, ainda.
O que Gilles estava a fazer era pura e simplesmente o colocar em pratica uma técnica sua desenvolvida nos seus tempos do snowmobile e aperfeiçoada na F.Atlantic: encontrar o limite do carro e do circuito da forma mais rápida possível. Mas como dizia Chris Amon, isto só era possível a quem tivesse o controle do carro que Gilles tinha. Só estava acessível a superdotados. A ideia era ir ao contrário, ou seja, ao fazer a curva depressa demais rodava mas neste processo identificava o limite da aderência e com isso poupava tempo para encontrar o seu limite. Genial!

Nos treinos oficiais, e apesar de varias vezes parecer que Gilles estava à beira do desastre, a pouco e pouco as pessoas começaram a perceber que o que se estava ali a passar era espectacular, pois toda aquela performance dele era genial e não fruto de sorte ou de azelhice. Era simplesmente uma demonstração fenomenal de como se podia controlar um carro de uma maneira que, arrisco dizer, não estava acessível para ninguém presente ali naquele dia.
Ninguém contou e não há certezas, mas foram perto de 20 os piões dados por Gilles naqueles treinos oficiais. A Pole-Position foi obtida pelo campeão do mundo James Hunt, no seu Silverstone, no seu novo Mclaren M26. Gilles foi 9º a 0,48 seg numa pista praticamente desconhecida, numa categoria desconhecida e no “velho” Mclaren de Hunt. UFA!!!
A seu lado, cem centésimos de segundo mais lento, estava o seu ídolo Ronnie Peterson. A seguir a Peterson e imediatamente atrás de Gilles no grid estava … Jochen Mass, no outro McLaren M26. Estreou-se também nesse GP o primeiro motor turbo da história da F1. Um Renault com Jean-Pierre Jabouille ao volante, na 21º posto da grelha.
Na corrida, Gilles, como se tornaria habitual, largou muito bem e na primeira volta passou no sétimo posto, atrás de John Watson, Niki Lauda, Jody Scheckter, James Hunt, Gunnar Nilsson e Mario Andretti. Por ali se manteve até à 10ª volta sem perder qualquer terreno para os líderes. Contudo, o mostrador da temperatura da água começou a subir vertiginosamente e Gilles decidiu entrar nas boxes e relatar o problema á sua equipa. Durante duas voltas a equipa viu tudo e descobriu que o problema era no… mostrador.

Gilles declarou que estava satisfeito com a sua estreia, que achava que tinha andamento para os pilotos de top e que esperava ansiosamente pelo momento de se sentar de novo num Formula 1 (afinal tinha um contrato, achava ele).
A continuar amanhã.
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