sexta-feira, 16 de julho de 2010

Grand Prix (excerto numero 34, começo em Kyalami, parte III)

Kyalami, 28 de Fevereiro de 1970.

O calor continuava a fazer-se sentir na zona de Joanesburgo, e aquele dia era mais convidativo para ficar na piscina do "lodge" onde estavam instalados do que propriamente a estar na pista a ver os carros a passar. Contudo, ninguém estava ali em recreio e o que importava era saber se tudo estava em ordem para o dia da corrida. Como era sabido, os tempos de ontem tinham mostrado uma Apollo em alta forma, com os dois carros oficiais nos três primeiros lugares, com o Jordan de Pieter Reinhardt entre eles. Ambos os carros eram novos, e isto demonstrava, no mínimo, que estes eram chassis bem nascidos, pois faltava o resto, ou seja, desenvolvê-los. Depois dos três primeiros, apareciam o Matra de Gilles Carpentier, o BRM de Anders Gustafsson, o Ferrari de Patrick Van Diemen, o segundo Jordan de Bob Bedford e o segundo Matra do campeão, Pierre de Beaufort. Após ele vinha o primeiro piloto local, o jovem Philip de Villiers e a fechar o "top ten", outro local, Peter Hocking, no Jordan privado da equipa inscrita por Henry Temple.

Com 32ºC à hora do treino de hoje, isto iria ser desgastante para máquinas e pilotos. As equipas oficiais tinham pelo menos alguns motores de reserva, algo que os privados teriam maior dificuldade em ter. Em suma, iria ser um fim de semana desgastante. Com um boné na cabeça e óculos escuros, Pete Aaron conversava com John O'Hara, que estava sentado no seu carro a aguardar a sua hora, enquanto que Thomas Nel dava uma ultima espreitadela no carro, para ver se os sistemas funcionavam.

- Espero que aguente este calor, disse Pete. Se rebentares um motor, só terás mais um para a corrida. É um luxo ao qual não deves desperdiçar.
- Normalmente estes motores aguentam mais do que os V12.
- Em principio sim, mas não se pode confiar.
- Estou confiante. Até agora, todos os sistemas tem funcionado bem. E ontem não puxei muito por este motor.

Thomas aproxima-se dos dois e diz:

- Está tudo em ordem, mas amanhã deveriamos colocar um motor novo. O calor não vai poupar ninguém, rapazes.
- Isto quer dizer que posso dar o máximo com este? Então faço já, afirmou John.
- Sim, mas só depois de marcares alguns tempos de registo. Tenta cair do segundo vinte, isso seria interessante.
- OK, vou tentar.
- Boa sorte, afirmou Thomas.
- Obrigado.

Ele foi para trás e ajudou a ligar o motor. Este rugiu violentamente o seu V8, como que a avisar os outros da sua presença, e lentamente, naquelas boxes apertadas, serpenteou a concorrência rumo à saída para entrar no "the Dip", a caminho da Crawtrhorne Corner, para dar mais uma série de voltas ao circuito sul-africano. John tinha sido um dos primeiros a entrar na pista, a limpá-la, pois tinha caído uma inesperada bátega de água, típica daquelas paragens africanas. Naquele país gerido por um bando de calvinistas, onde até a corrida tinha de ser num Sábado, para não perturbar o Domingo dedicado à Igreja, mais uma anormalidade de um pais cujo governo já era anormal nas suas leis e no seu comportamento, e que trancava os seus opositores numa ilha inóspita, ver uma inesperada chuva africana era um sinal de que, pelo menos na Natureza, havia algo que não podia ser contrariada pela lei dos homens.

Após algumas voltas de aquecimento, John O'Hara concentrou-se em fazer as curvas da melhor maneira possivel. Em meter as marchas na altura certa. Em acelerar o mais cedo possivel e travar o mais tarde possivel, tentando ganhar aquele metro, aquele segundo, fazendo a curva melhor do que a concorrência. E a cada volta que fazia, gostava cada vez mais da resposta que o seu carro dava. Sem forçar muito os limites, fazia tempos cada vez mais aceitáveis: 20.3, 20.1, 19.9, 19.6. 1.19,6 segundos, era o melhor tempo do dia até então. Quando um dos mecânicos mostrou a placa com esse tempo, John abrandou e andou em marcha lenta para as boxes, em quarta com o pé levantado do acelerador. Sem incomodar os seus adversários, encostando-se à direita, caminhava lentamente para as boxes. Quando chegou, todos sorriam:

- Bom trabalho. 1.19,6 segundos, mano! Disse Sinead.
- Acho que podemos melhorar, disse.

Virando-se para Pete, perguntou:

- Que tal?
- É um bom tempo, mas o Van Diemen acabou de fazer 19.8, e o Beaufort tem 20.0. E suspeito que os Jordan andam a cozinhar alguma.
- Porquê?
- Deram poucas voltas e não os vejo com problemas mecânicos. Bedford tem 21.3 e Reinhardt ainda não entrou na pista. Os carros do Bruce podem sacar alguma...

- 19,2! Carpentier fez 19.2!
- O quê? perguntaram ambos.
- Ou muito me engano, ou o Carpentier fez o melhor tempo.
- Não me admiraria, é um motor V12...

Sinead foi consultar os tempos com o pessoal da Matra (Pat ficara no "lodge" para combater o calor) e eles confirmaram o tempo quase-canhão do piloto francês, que dera tudo de si no seu novo carro. Aquele era um ano excepcional, pois tirando a Ferrari, as restantes quatro equipas, Jordan, Apolllo, Matra e BRM, tinham estreado os seus novos chassis, e no caso do carro de Bruce Jordan, o carro tinha formas revolucionárias. Que não estavam a dar muito resultado, pois aparentemente (pelo menos tinha sido assim ontem) estava a perder velocidade de ponta.

Alguns jornalistas e fotógrafos puluavam por ali, tirando fotos e tomando notas. Outros, com as suas câmaras de filmar, filmavam o ambiente das boxes, certamente para mostrar depois aos amigos, já que na Africa do Sul não existe um serviço de televisão. Também estavam ali para pedir alguns autógrafos, especialmente aos pilotos, mas hoje, os que chegaram em plena hora dos treinos, ainda não tiveram muita sorte. Por agora, o melhor que conseguiram foi uma assinatura de Pete Aaron, quando este se disponibilizou.

Ainda faltavam 15 minutos, mas John achou por bem fazer uma nova tentativa, pois depois de ter visto o seu companheiro Teddy Solana tirar 19.4, achou que mais cedo ou mais tarde, outros o iriam ultrapassar e podia perder a sua hipótese de ficar na primeira fila. Assim sendo, depois dos mecânicos espreitarem para ver se tudo estava bem no carro, colocaram-lhe um novo jogo de pneus da Goodyear e partiu rumo a uma nova sequência de voltas rápidas.
Por esta altura não iria ser fácil fazer um bom tempo. com imensos carros em pista, e alguns deles mais de 15 km/hora mais lentos do que o carro dele, a hipótse de cruzar com um ou mais chicanes ambulantes era bem real, e poderia estragar a sua hipótese de uma volta limpa.

Quando mergulhou no "The Dip" na sua primeira volta rápida, viu ao longe o carro de Hocking, a fazer uma volta de descompressão. Quando chegou a Crowthorne Corner, este encostou-se à direita, sem o fazer perder tempo. Depois acelerou o mais que pode pelas restantes curvas do circuito: Barbeque Bend, Jukskei Sweep, Sunset Bend, Clubhouse Bend, os Esses e Leeukop Bend, antes de passarem pelo The Kink a alta velocidade.
Tirando Hocking, não teve problemas em fazer a volta, mas não conseguiu melhor que 20.2. Então fez uma nova tentativa, nos limites, para ver como é que se comportaria. E teve sorte. Sem ninguém a perturbá-lo nas curvas, e conseguindo ultrapassar as chicanes ambulantes nas retas, quando passou pela meta mais uma vez, tinha conseguido um feito que teve honras de anuncio oficial:

"Senhoras e Senhores, foi batido o recorde de volta na pista de Kyalami. O Apollo do piloto John O'Hara, da Irlanda, fez a volta mais rápida em 1 minuto, 18 segundos e sete décimos, obtendo a pole-position provisória". A multidão aplaudiu e as pessoas sabiam que de provisória tinha muito pouco, pois faltavam pouco mais de três minutos para o final dos treinos, e dos primeiros só Bob Turner estava em pista, com o seu BRM V12, e ele nesta tarde não tinha feito melhor do que 20.5 segundos.

John chegou à boxe, debaixo dos aplausos da imensa gente, adeptos, fotógrafos e jornalistas que comemoravam aquilo que iria ser a primeira pole-position da Apollo como construtora própria. Dos novos projectos, o primeiro marcador era a equipa do ex-piloto Pete Aaron, que ainda conseguira colocar Teddy Solana no terceiro posto e Philip de Villiers no nono lugar, embora com um carro com dois anos de idade, mas bem trabalhado e bem afinado. Entre eles, na primeira fila, estava o Matra de Gilles Carpentier, e atrás deles, na segunda fila, estavam os Ferrari de Patrick Van Diemen e de Toino Bernardini, que conseguiram bater o Jordan de Pieter Reinhardt, que com problemas, foi o único dos pilotos da frente que não conseguiu melhor o tempo da véspera. Pierre de Beaufort era sétimo, à frente do melhor piloto local, e Bob Bedford e Brian Hocking fechavam o "top ten".

Na familia próxima, eram só sorrisos e um bom motivo de conversa para o telefonema de logo à noite para casa, nos arredores de Dublin, para a mãe Shioban e o tio Arthur. E em relação à familia alargada, e especialmente Pete, era sinal de que o trabalho tinha compensado, pelo menos a metade dela.


(continua)

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