quinta-feira, 27 de março de 2014

5ª Coluna: Mais uma vez, sobre Michael Schumacher

Para começar, coloco de novo o aviso: isto é um artigo de opinião, tudo o que for escrito aqui não pode ser considerado como factos, e sim as impressões e convições do sujeito em questão. Dito isto, qualquer pessoa que me diga que sou "especulador" e que "vivo da desgraça alheia", então não só não sabe do que fala, como não leu este primeiro parágrafo e não entende a diferença entre uma noticia e as opiniões de um mero individuo.

Dito isto, vamos ao que interessa.

Numa situação como a que vive Michael Schumacher, as noticias serão sempre escassas, mesmo que a família decida guardar para si essas informações. Contudo, saberemos sempre que qualquer coisa que apareça sobre ele, qualquer noticia, terá o seu impacto. Na segunda-feira, dei de caras com o mais recente post do Dr. Gary Hartstein que, sendo neurologista e antigo médico da Formula 1, e sabendo do que se passa - não diretamente - a sua visão clinica das coisas faz com que valha a pena ler o que escreve. Porque é informativo e instrutivo.

Contudo, as informações que ele traz no seu último post estão a ser entendidas como um sinal de que o piloto alemão poderá estar a viver os seus últimos dias ou semanas. Especialmente quando traduziram passagens do seu post para os jornais, como por exemplo, este parágrafo.

"NOTA PESSOAL

Eu sempre soube que Michael era um piloto adorado. Passei anos em circuitos embebidos de vermelho, com bonés, bandeiras e camisas Ferrari, e tudo isso em honra de Michael. Eu ainda estou espantado pela profundidade e persistência do amor dos seus fãs para ele. E enquanto eu me preocupava bastante sobre o que iria acontecer, quando e se realmente o pior for anunciado, cheguei à conclusão de que talvez a falta de atualizações do seu estado de saúde nos deu a chance de seguirmos as nossas vidas, para processar mentalmente o que está acontecendo e, começar a... "conformar". E acho que este é provavelmente um dos "benefícios" inesperados da estratégia escolhida pela família de Michael. De alguma forma, tenho a sensação de que as pessoas irão ficar bem, não importa o que aconteça, porque eles tiveram todo o tempo para processar tudo o que aconteceu. Eu só lamento que vocês, para chegarem até aqui, tiveram a sensação de que foram abandonados. [Esse sentimento] desvanecerá também. Espero eu."

Por causa deste parágrafo, a imprensa internacional correu para escrever que "Schumacher estava às portas da morte", entre outros aspectos. Nada mais errado. Pelo grande motivo de ele não está em contacto com os médicos em Grenoble, logo, não acesso ao boletim clinico do piloto alemão. E se alguém lesse devidamente o post que ele escreveu, teria lido logo no primeiro parágrafo a seguinte frase:

(...) "Como sempre, eu sigo os vossos comentários de perto, tanto aqui como no Twitter, e acho que é hora de abordar alguns dos pontos que foram levantados recentemente, e talvez esclarecer algumas definições (nada de novo aqui, de certeza que este material foi comentado em posts anteriores) - simplesmente porque tenho a sensação de que nós vamos referir alguns deles num futuro não muito distante. Mas falo sobre isso mais tarde." (...)

Se quiserem ler o artigo no inglês original, coloco aqui o link.

O que ele queria dizer no meio disto tudo é que têm a sensação - ou a intuição - de que algo importante acontecerá (ou será anunciado) num futuro relativamente próximo. Teremos de nos preparar para o pior? Francamente, isto é uma opinião, e vale o que vale, mas colocando-me no lugar do Doc, entendo o que ele quer dizer. Está agora a fazer três meses desde que o acidente aconteceu, e o silêncio ensurdecedor que a família e a porta-voz, Sabine Kehm, teve ao longo deste tempo só nos fez pensar, especular e "conspirar" no pior. E já agora, digo isto em termos pessoais: sempre me avisaram, logo nos primeiros dias de janeiro, que as coisas foram muito graves e no próprio dia do acidente, ele esteve a escassos minutos de morrer. Entre outras coisas, sempre me avisaram que o impacto que ele teve com a pedra foi muito forte, tão forte que o capacete se partiu ao meio. A última vez que soube de alguém que teve um acidente e quebrou o capacete no impacto, acabou por morrer.

Só que há um problema, e vocês podem ler o título: é uma nota pessoal do doutor. Logo, uma opinião. Logo, voltamos à velha questão do "especulativo". Aliás, ele diz, logo no inicio do seu post, que "tenho a sensação de que teremos novidades em breve". Se é intuitivo ou recebeu uma dica, não sei. Mas sei que isso é suficiente para ser mal interpretado. E numa altura onde as informações sobre ele são escassíssimas, qualquer coisa faz soar o alarme na imprensa internacional, sempre ávida de novidades sobre o piloto alemão. E como oficialmente, não há nada para dizer, outras fontes servem de "isco", e o prestigio do Doc - como sabem, um ex-médico da Formula 1 - contribui para a credibilidade da informação, mesmo que seja mal interpretada.

E foi o que aconteceu: esta quarta-feira, dois dias depois do post, Hartstein escreveu outro para esclarecer os mal entendidos que a sua noticia causou. Nesse novo post, (do qual coloco o link por aqui) começa por escrever:

"É mais do que evidente que tenho REALMENTE  de esclarecer aquilo que ando e não ando a escrever, comentando 'erros de julgamento'. Estou a ver que estou a ser muito citado em muitos lugares. Isso não é um problema, claro, mas torna-se problemático aquilo que escrevi torna-se aquilo que certamente, não escrevi".

E continua:

1) Estou estritamente referindo-me ao período de gestão antes de Michael foi internado em Grenoble. Como eu disse no dia 30 de dezembro, as pessoas que tomam conta de Michael em Grenoble podem cuidar de qualquer membro da minha família em qualquer altura. Eles são profissionais mais do que competentes. Esta é uma equipa excelente e eles merecem ser reconhecidos como tal.

2) [Sobre a alegada falta de tratamento nos primeiros socorros a Michael Schumacher] De modo algum estou criticar qualquer membro da (s) equipa(s) que foram destacadas para ir buscar Michael na encosta [da estância de esqui de Méribel], nem das pessoas envolvidas na transferência dele de Moutiers para Grenoble. Como deixei claro, a medicina pré-hospitalar é difícil na melhor das condições. Não é difícil imaginar o stress enfrentado por eles na encosta, confrontado-se com uma mega-estrela que estava claramente ferida, e que deve ter sido um momento muito difícil de gerir. Eu não tenho provas suficientes de qualquer tipo - e esse nem é o meu trabalho. E nem é minha intenção questionar a assistência médica individual feita pelos meus colegas. 

Então, o que exatamente eu estou a questionar - e é quase tão importante - é porque é estou dizendo isso aqui e porque agora, neste momento? São perguntas válidas do qual merecem uma resposta. 

3) Estou criticando especificamente a existência de um sistema que permite que os pacientes com lesões cerebrais sejam levados primeiro para centros não-neurocirúrgicos, na ausência de outras razões válidas. 

4) A incapacidade de controlar adequadamente um paciente agitado antes do voo, bem como os atrasos no controle adequado das vias aéreas [respiração] indicam provavelmente uma formação insuficiente, protocolos insuficientemente fortes e experiência talvez insuficiente em circunstâncias difíceis (mais uma vez, um paciente VIP, provavelmente com uma comitiva difícil, exigente e talvez mesmo hostil). Eu estou criticando de forma muito clara um sistema que permite que tal aconteça. 

5) É impossível quantificar o impacto de todos estes casos tiveram no desfecho do caso de Michael Schumacher. Também é óbvio que quando um neurocirurgião, um dia após o acidente, descreva sua condição com "hematomas à esquerda, direita e no centro" [dos lados do cérebro] provavelmente não iria fazer as coisas muito bem. Isso deveria ser óbvio, pelo menos para os "jornalistas" que de uma forma errada (na melhor das hipóteses!) implicitaram que andei a afirmar que a atual situação de Michael é por causa desses aspectos de seu atendimento inicial. O atraso na admissão a um neurocirurgião, bem como o controle das vias aéreas adiada, não pode ter sido bom para um cérebro gravemente ferido. Especialmente numa situação em que a pressão intracraniana subiu tão alto que as partes do cérebro estavam literalmente "a saltar fora do crânio". Dito isto, em termos de prognóstico, isso provavelmente não é nada em comparação com o que significa o impacto de 2000 e e tantos joules de energia contra aquela maldita rocha."

Mas esqueçamos por momentos o especulativo. Mesmo que digam que "é assim que os alemães se comportam", creio que ainda fazem parte da raça humana, certo? E se ainda fazem parte da raça humana, eles têm emoções, certo? Logo, o que quero dizer é que se tivessem novidades, já o teriam comunicado. E o tempo (esse grande sábio) está nos a dizer, por não dizer nada, que Michael Schumacher já passou do "coma artificial" para o verdadeiro coma. Aquele estado que o jornalista da ESPN Ed Hinton chamou há uns tempos, num artigo sobre os pilotos da NASCAR que passaram por comas superiores a dez anos, antes de morrerem, de "o pior e mais longo pesadelo de toda a condição humana"

Em suma: temos de ter paciência nestas coisas. Mas pessoalmente, mesmo que fiquem calados e não nos informem, deixei de ter ilusões sobre o estado dele. Não acredito em milagres e nunca acreditei. E se existissem sinais de que ele iria recuperar a consciência, ou seja, acordar do coma, já teria acontecido. Lembro-vos que há quase dois meses que os médicos começaram a retirar os sedativos que mantinham Schumacher em coma artificial. E em casos normais, ele já teria acordado e já estaria suficientemente recuperado para o transferirem para uma clinica mais perto de casa, onde continuaria a reabilitação.

E o doutor - bem ou mal interpretado - têm razão na frase inicial: já estou a habituar-me à ideia de que o Schumacher que conhecemos não volta mais. Mesmo que saia do coma.

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