terça-feira, 16 de outubro de 2018

Quando descobrimos que o petróleo tem fim (parte 2)

(continuação do capitulo anterior)


Comecei ontem uma série de artigos sobre a crise petrolífera de 1973, a primeira do qual causou um enorme impacto na economia mundial. Falei sobre as causas, a dependência forte do ocidente do petróleo para alimentar toda uma industria e dos preparativos para a guerra do Yom Kippur, basicamente o pretexto para o Médio Oriente, especialmente os países árabes, usarem o petróleo como arma. E hoje, ou falar das consequências de tudo isso, desde as politicas até às desportivas.



A TEMPESTADE PERFEITA


O final da guerra não significa o final do embargo petrolífero. Bem pelo contrário, irá ser alargado. É que durante este período, a operação "Nickel Grass" continuou, mesmo depois da cessação de hostilidades. A maior parte dos paises da Europa Ocidental - especialmente os da NATO - tinham declarado a sua neutralidade e impediram que os aviões americanos aterrassem nas suas bases. Com duas excepções: Holanda e Portugal. No caso português, os aviões que faziam parte dessa operação faziam escala na base das Lajes, na ilha Terceira, e isso depois iria ter consequências.

A 5 de novembro, os países da OPEP decidem cortar a produção em 25 por cento, com a hipótese de cortar ainda mais no futuro, e iriam usar essa arma. Com isso, o preço do barril do petróleo aumentou ainda mais, e o embargo agravou a situação. A 23 desse mês, o embargo é alargado a Portugal, África do Sul e Rodésia. O primeiro caso tinha sido não só pela razão acima, mas também porque era a única potência europeia que mantinha o seu império colonial. Os outros dois países tinham a ver com os seus governos, de minoria branca num país de maioria negra.

A exigência árabe era simples: que Israel recuasse para a linha de armisticio de 1949. Mas o exército decidiu ficar nas mesmas linhas do cessar-fogo do dia 26 de outubro, e tinha o apoio de boa parte do Ocidente, e claro, dos Estados Unidos. Claro, o embargo continuava, e mais cortes na produção estavam para vir. E o preço subia: em janeiro, o preço do barril tinha quadruplicado para os 12 dólares por barril, 75 dólares a preços de hoje. E para piorar as coisas, a economia americana sofria com a queda das ações de Wall Street, desde o inicio do ano. Em suma, estavam numa tempestade perfeita, e a recessão parecia ser inevitável.

E claro, o consumidor final iria pagar por isto tudo.


REAÇÕES AO EMBARGO


Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, todos iriam ser afetados pelo embargo petrolífero, em maior ou menor escala. No lado americano, o preço da gasolina no posto aumentou quase vinte cêntimos em três meses, passando de 35 cêntimos por galão (cerca de quatro litros) para 55 cêntimos por galão. Mesmo assim, era um preço muito baixo. Mas os carros americanos eram muito pouco eficientes. Os Ford, GM, Chrysler e outros eram carros longos, potentes e muito pouco eificientes. E ainda por cima, poluíam bastante. E no final dos anos 60, inicio dos anos 70, vivia-se a era dos "muscle cars", carros potentes e enormes que serviam para fazer muito barulho e iam muito velozes, mas cujo consumo era enorme.

Na Europa e no Japão, os carros eram diferentes. Pequenos e com baixo consumo, não eram potentes, é verdade, mas conseguiam fazer mais quilómetros por litro que os americanos. Marcas como a alemã Volkswagen e as japonesas Honda e Toyota começavam a ser populares. Inicialmente eram ridicularizadas pelo seu tamanho, mas com a crise petrolífera de 1973, os americanos começaram a olhar para eles e verem que afinal de contas, a sua sobriedade tinha vantagens. Em pouco tempo, as vendas desses carros aumentaram bastante, porque trocaram os grandes carros americanos por um Carocha, um Datsun 510 ou um Honda Civic.

E as três grandes americanas tiveram de ir na onda. A Ford tinha lançado o Pinto, que mais tarde acabou por ser retirado por causa das suas vulnerabilidades no depósito de gasolina, a AMC (American Motor Company) tinha o Pacer, a Chrysler tinha o Vega e depois importaram para os Estados Unidos modelos que eram fabricados na Europa como o Ford Fiesta, o Plymouth Horizon ou o Chevrolet Chevette, todos fabricados na Grã-Bretanha e que acabaram por ser produzidos durante a década de 80.

Mesmo os "muscle cars" que sobraram tiveram de ser mais eficientes. A segunda geração do Ford Mustang. lançado em 1974, teve a sua potência "estrangulada", porque tinha de seguir as novas normas de consumo ditadas pela National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), que tinha inicialmente sido colocadas por causa das novas normas anti-poluição, mas a crise petrolífera veio apoiar essas medidas. As construtoras americanas tiveram de seguir, caso contrario, perderiam para as japonesas e europeias, ao ponto da sua existência ficar em perigo.

Mas tendo um carro pequeno ou grande, isso não impedia que os governos decretassem racionamento de gasolina. Richard Nixon pediu no final de 1973 para que os postos de gasolina não fechassem no domingo. Um pedido voluntário do qual 90 por cento obedeceu, e claro, as filas eram enormes. E quando as bombas estavam abertas, havia limites que variavam de estação para estação, mas muitas delas deram um limite de 10 galões - cerca de 40 litros - a cada condutor, por semana. E o limite de velocidade, que já existia desde 1970, foi reduzido para as 55 milhas por hora (88km/hora). Apenas em 1995, muito depois da crise acabar, é que esse limite foi levantado.

E a Europa não andou longe. Os governos decidiram que não se podiam circular nas estradas aos domingos. E alguns países até foram mais longe, alargando essa proibição aos aviões e barcos de recreio. Os limites de velocidade tiveram de ser impostos, e onde já havia, baixou-se a velocidade. E em termos de aquecimento, os governos, como o britânico, por exemplo, pedia aos seus cidadãos para racionar o aquecimento. Contudo, Ted Heath tinha os seus próprios problemas: os mineiros de carvão entraram em greve e pouco depois, em dezembro de 1973, demitiu-se e foram convocadas eleições para fevereiro do ano seguinte. Contudo, o resultado foi mais confuso do que era dantes e novas eleições foram marcadas para outubro, onde os trabalhistas conseguiram uma pequena maioria, e Harold Wilson tomou posso como primeiro-ministro.

Noutros países europeus, especialmente os que faziam parte da Comunidade Económica Europeia - antecessora da União Europeia - os nove países que faziam parte tiveram reações diferentes. O Reino Unido foi a que sofreu mais, mas outros países como a França, a Alemanha Ocidental, a Itália ou a Holanda, sofreram de diversas maneiras. Os holandeses levaram no duro porque deixaram que as suas bases fossem usados pelos americanos, mas os franceses tinham recusado qualquer avião americano aterrasse no seu solo, logo, receberam petróleo sem interrupções.

Mas isso não impediu que o ano de 1974 fosse agitado para os países ocidentais. Entre fevereiro e outubro, os líderes da Grã-Bretanha, Alemanha Ocidental, França e Estados Unidos mudaram de mãos por eleições, demissões por escândalos ou morte dos seus titulares. E noutros países europeus, houve golpes de estado, como em Portugal e na Grécia.


E NO AUTOMOBILISMO...


A crise e consequente embargo petrolífero afetou bastante o automobilismo. Apesar de ter começado no outono, altura em que as competições tinham acabado - o GP dos Estados Unidos, o último da temporada de 1973, aconteceu a 7 de outubro, um dia depois do começo da guerra do Yom Kippur - não impediu que sofressem com o impacto do choque petrolífero. 

No caso da Formula 1, havia corridas na América do Sul de janeiro a março de 1974. Se não houve problemas de monta para as duas primeiras corridas do ano, para o GP da África do Sul, o problema era grave. Um dos países que estavam sob embargo petrolífero, a corrida esteve me risco de ser cancelada até que pudessem receber a gasolina necessária para a prova. Conseguiram adiá-la para o dia 30 de março, que coincidiu com o final do embargo árabe, e a prova realizou-se.

Mas no lado dos ralis, o estrago foi maior. Os ralis de Monte Carlo, Suécia e Acrópole, inicialmente previstos no calendário, foram cancelados devido à falta de gasolina, o que fez com que o Rali de Portugal fosse a prova de abertura, marcado para finais de março. Para conseguir assegurar a realização da prova, a organização, liderada por César Torres, conseguiu arranjar gasolina de alta octanagem vinda da Venezuela, e a prova realizou-se sem problemas, embora um mês depois, o governo vigente era derrubado por um conjunto de capitães...

Apesar de tudo, por causa do embargo, das onze provas inicialmente previstas no calendário, apenas oito foram realizadas. E houve um enorme "buraco" de quatro meses entre o Safari e os 1000 Lagos, na Finlândia...

Outras provas foram também canceladas, especialmente na Endurance, como as 24 Horas de Daytona e as 12 Horas de Sebring, todas elas ocorriam nos três primeiros meses do ano. E a NASCAR reduziu as distâncias das suas corridas em dez por cento.


(amanhã, a última parte)

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