segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Esta estória do GP de Madrid


Madrid, a capital de Espanha e um dos centros económicos da península Ibérica - cerca de quatro milhões na sua área metropolitana - não tem uma corrida de Formula 1 há 42 anos, quando eles correram pela última vez no circuito de Jarama. Contudo, isso poderá mudar em breve com o anuncio - próximo, segundo dizem algumas fontes - de uma pista citadina perto do parque de exposições da cidade, o IFEMA. A acontecer, não só significaria a saída do GP de Espanha de Barcelona, onde está desde 1991, sem interrupções, como também significaria a primeira corrida noturna no continente europeu, e aparentemente, a tendência que a Liberty quer colocar na Formula 1 do futuro: um espetáculo para um sábado - ou domingo - à noite. Como fizeram agora a Las Vegas. 

Contudo, neste fim de semana em Baku, na Gala dos Prémios da FIA, Carmelo Sanz de Barros, Presidente do Senado da FIA e responsável máximo do Real Automóvil Club de España (RACE), afirmou que a Federação Espanhola não recebeu qualquer proposta para analisar e fazer chegar à FIA.

Como presidente da RACE, o que é que posso dizer? A última vez que Madrid teve Formula 1 foi em 1981. Ter a Fórmula 1 em Madrid é um desejo de muita gente, mas penso que, e esse é o risco destas coisas, há um processo claro para ter um Grande Prémio num lugar, e não acho que o processo esteja a ser seguido, nem que os passos do processo tenham sido dados, ao contrário do que se pode ler”, afirmou.

Há um processo que temos de respeitar e há outras pessoas à espera. E, para além disso, temos a situação política espanhola com o governo, porque também tenho lido muito sobre Madrid estar a tentar roubar [a Formula 1] a Barcelona, a tentar matar Montmeló, ou coisas do género. Até agora, nada. E isso é outra coisa que temos de avaliar melhor.  Espanha pode ter duas corridas no calendário? Sim, temos três nos Estados Unidos, temos duas em Itália. Porque não? Já as tivemos antes? Sim. É fácil? Não. É possível? É possível, mas até agora, com toda a procura [a Formula 1 tem], não me parece que vá ser fácil”, concluiu.

Manuel Aviñó, presidente da Federación Española de Automovilismo e vice-presidente da FIA na Europa, segue o mesmo diapasão de Sanz de Barros, afirmando que nada recebeu de concreto. 

Quando a federação espanhola considera que este projeto é válido e que está interessada, encaminha-o para a FIA. Porquê? Porque estamos a falar de qualquer circuito citadino e, em casos como este, a primeira coisa a fazer é homologar, certificar, coisas do género. Quem faz todo este processo? A FIA. A federação espanhola não recebeu nada, portanto não canalizou nada para a FIA, a FIA não recebeu nada. Ninguém, nenhum engenheiro, ninguém tem estado a trabalhar até agora neste projeto que tem sido noticiado na imprensa nos últimos dias”.


A conclusão que se chega poderá ter a ver com o que se passa entre a Liberty Media e a FIA. As tensões que estão a aparecer entre Mohamed Ban Sulayem e a Liberty Media, agora dirigida por Stefano Domenicalli, estão a fazer especular sobre a chance de acontecer uma cisão entre ambas as entidades. Com cada vez mais a Formula 1 a ter sucesso e a procura a aumentar - há especulações sobre uma oferta de compra da Arábia Saudita - o poder de controlar é cada vez maior. E com a FIA sempre a ficar de lado nos tempos de Bernie Ecclestone-Max Mosley, a tentativa de controlo do que resta por parte da entidade máxima do automobilismo é algo do qual as equipas não acham muita graça. E a polémica do conflito de interesses entre Toto Wolff e a sua mulher, Susie, do qual todas as equipas manifestaram a sua solidariedade, afirmando que nenhuma delas denunciou o eventual conflito, deixando grande desconfiança da parte da FIA, passa a ideia de que por aquelas bandas, a paz já foi embora há muito.

E ainda mais, o gesto de Lewis Hamilton de entregar o troféu de terceiro classificado a um fã na noite da Gala da FIA, mais do que um gesto de generosidade, poderá estar a ser interpretado como um gesto simbólico de desprezo por parte das equipas para a FIA. 


A Formula 1 já esteve em situações de conflito em 1980 e 2009, e sempre se evitou a cisão ao último momento, porque cabeças mais frias prevaleceram. Curiosamente, um dos momentos de colisão entre ambas as entidades foi precisamente... em Madrid, no GP de Espanha de 1980, que viu a retirada da Ferrari, Renault e Alfa Romeo, e as equipas FOCA a correrem. A FIA retaliou considerando a corrida como "pirata" e os seus resultados não contaram para o campeonato. 

Contudo, a Liberty Media pode olhar para o exemplo da IndyCar como o de uma organização de equipas que construiu uma competição de sucesso sem interferência de entidades superiores. Aliás, a IndyCar não precisa da FIA para sancionar o seu calendário, por exemplo. Aliás, foi o primeiro de três corridas polémicas, com boicotes - os outros dois foram o GP da África do Sul de 1981 e o GP de San Marino de 1982 - e a cisão foi evitada com o primeiro Acordo da Concórdia. 

E a Liberty Media é americana, só para avisar...

Quanto a esta história de Madrid e das declarações dos responsáveis das federações, se calhar é uma maneira de afirmar que nestas coisas, a FIA ainda tem o seu poder. E não sabemos quem tem a faca e o queijo na mão em coisas como Super-Licenças, por exemplo...

Em suma, cenas dos próximos capítulos. E claro, que cabeças mais frias prevaleçam.    

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