sábado, 28 de setembro de 2024

A imagem do dia (II)



Isto não é raro, mas decisivo: Niki Lauda, no Canadá, em 1979 com o BT49 a seu lado. Se calhar, deve ser o momento em que estava a andar num carro pela última vez nos três anos seguintes. E claro, quando saiu do carro, com vontade de não querer saber mais de pistas, carros, testes e afinações, apenas saturado de tudo. 

É sexta-feira, 28 de setembro de 1979. A Brabham estreia o seu novo carro, e pela primeira vez desde 1975, voltavam a ter um motor Cosworth, depois de quatro temporadas com o mercurial motor Alfa Romeo de 12 cilindros. E então, naquela temporada de 1979, a coisa foi infernal: apesar de qualificações entre as primeiras filas, ele tinha conseguido apenas quatro pontos, a pior temporada desde 1973. Apesar de tudo, tinha ganho a prova extra-campeonato de Imola e o carro novo parecia ser competitivo.

Lauda entrou no carro, deu algumas voltas, foi para as boxes, saiu do carro, foi ter com Bernie Ecclestone... e disse que ia embora. Não para o hotel, mas da Formula 1. E claro, foi um choque enorme. Até para Bernie, que aceitou a decisão sem protestar muito. 

Tempos depois, Lauda explicou:

"De repente senti um vazio, uma total falta de interesse no que estava fazendo. Fui para as boxes e acabei com tudo. Havia outro mundo lá fora. Foi uma decisão que tomei sozinho, só depois falei com Ecclestone e com os patrocinadores. Eles entenderam. Afirmei muitas vezes que um bom piloto de Formula 1 tem que ter um coração e uma cabeça muito especiais. Não sei qual dos dois mudou em mim, se o coração, se a cabeça”.

Foram basicamente dez anos felizes para mim. Perfeitos. Fiz algo que gostei e me tornou rico. Que mais poderia querer? Digo que me enriqueceu, mas acima de tudo, enriqueceu a minha alma, não a minha carteira. De repente tinha o suficiente. Por isso a minha necessidade de outras coisas, o meu interesse pela aviação. Talvez daqui a dez anos, talvez mais cedo, procure outra coisa, outros objetivos. Rotina não faz o género de pessoas como eu”, concluiu. 

Mas Bernie nunca era parvo, tinha lido os sinais ao longo da temporada. Nas bancadas, à espera de algo, estava um piloto que tinha andado na Formula AFX Aurora e uns tempos antes, tinha feito um teste no BT48. Aliás, tinha sido convocado para, aparentemente, um novo teste. Era o argentino Ricardo Zunino.  E por incrível que pareça, ele foi convocado... por altifalantes. Lembrem-se, estamos em 1979, não há cá telemóveis (ou celulares, se lê isto no Brasil).

Com Lauda a voar para a Europa, Zunino teve tempo para se adaptar, marcar um tempo - 19º na grelha - e no domingo, acabar a corrida na sétima posição, à porta dos pontos. E Lauda, sem saber, tinha acabado de dar as últimas voltas da sua carreira num dos melhores carros que a Brabham iria produzir na sua história. Mas mesmo isso foi inutil: aliás, Lauda quase nada se importou com o novo modelo, que foi desenvolvido durante o verão de 1979. Quem fez grande parte do trabalho foi Nelson Piquet. Ou seja, quando entrou dentro dele, a sua mente já estava noutro lugar.   

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