segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Os últimos dias da Lotus (Parte 1)


Há 30 anos, em setembro de 1994, a Lotus abria falência e tentava sobreviver o mais que podia, tentando encontrar um parceiro para poder continuar a correr na Formula 1. Contudo, em janeiro de 1995, todas as tentativas acabaram em nada e esta fechou as portas, depois de 38 temporadas, com sete títulos mundiais de pilotos e outros tantos de construtores. A equipa fundada por Colin Chapman, e que integrou pilotos como Jim Clark, Graham Hill, Emerson Fittipaldi, Ronnie Peterson, Ayrton Senna e Nigel Mansell, entre outros, deixava de existir.

Contudo, isto não foi algo abrupto e chocante. O final foi o culminar de uma longa decadência, que começou muito tempo antes e do qual houve muitos mais baixos que altos. A última vitória foi em 1987, e foi um conjunto de más decisões, algumas arriscadas, que colocaram a equipa na beira do precipício. Mas há quem ache que as coisas começaram bem antes, quando Chapman ainda estava vivo, e alguns apontam o seu envolvimento em coisas como a Essex, de David Thiemme, e o DeLorean, do qual Fred Bushell, o seu contabilista-chefe, pagou com alguns anos de prisão por fraude, e do qual o juiz do caso afirmou que Chapman deveria estar naquele lugar, "a receber uma sentença de 10 anos de prisão, pelo menos", se ele não tivesse morrido entretanto. 

Se muitos afirmam que o final foi no inverno de 1994-95, ainda a desenharem o projeto 112, a realidade é que a Team Lotus começou a perder passo com o pelotão muito antes. Mas muito antes.



PARTE 1 – OS ÚLTIMOS TEMPOS DE CHAPMAN


Para começar a falar da decadência, primeiro, temos de falar da Lotus no auge. E para isso recuemos a 10 de setembro de 1978, no Autódromo de Monza, em Itália. Mário Andretti está prestes a alcançar o seu sonho de ser campeão do mundo de Formula 1, na pista que mais gosta. Nascido em Itália, emigrou para os Estados Unidos em adolescente e ali fez carreira, mas sempre teve olhos para a Formula 1. Em 1978, estava na sua terceira temporada na equipa, e ajudara e desenvolver o modelo 79, que punha em ação o efeito-solo. 

A temporada foi um tremendo sucesso: estreado no GP da Bélgica, no final de maio, Andretti triunfou em seis corridas, contra uma de Ronnie Peterson, na Áustria. E quando chegaram à corrida italiana, a Andretti faltava um ponto para ser campeão do mundo, já que o título de Construtores era deles. 

Contudo, a partida foi uma catástrofe. Uma carambola tinha acontecido na chegada à primeira chicane e um carro tinha batido contra o guard-rail e explodiu: era o carro de Peterson. Usando o velho 78 como carro de reserva – mais frágil que o 79 – porque tinha inutilizado o 79 horas antes, no warm-up, o piloto sueco tinha ficado gravemente ferido nas pernas. Levado ao hospital para ser operado, para reduzir as fraturas, sofreu uma embolia e acabou por morrer no dia seguinte, ensombrando as comemorações do título de Andretti. Para Chapman, era o seu quinto piloto a morrer a bordo dos seus carros – Chris Bristow, Jim Clark, Mike Spence e Jochen Rindt foram os outros – e de certa maneira, a consciência de mais um piloto morto a bordo dos seus carros pesava nos seus ombros. 

Para piorar as coisas, Chapman precisava de dinheiro para colocar a andar as vendas dos seus carros de estrada, reduzidos grandemente por causa das novas emissões de consumo vindas da América, o seu maior mercado. Algum tempo depois, conheceu David Thiemme, um americano que tinha enriquecido com a venda de petróleo. Em 1979, quando rebentava a segunda crise petrolífera, por causa do derrube do Xá do Irão e a chegada do poder ao regime dos “ayatollahs”, o preço dos combustíveis disparou. Thiemme, que tinha a marca Essex, injetou dinheiro na equipa, ao ponto de a apresentação do modelo 81, no Royal Albert Hall, em Londres, ter custado um milhão de dólares, uma quantidade incrível para a época. 

Pelo meio, queria dar mais um salto em frente em termos de tecnologia. Depois do fracasso do modelo 80, em 1979, decidiu fazer um modelo que teria um chassis duplo, onde o principal ficaria estável, com o piloto a guiar, enquanto um secundário teria as suspensões e as molas, que receberiam o impacto do asfalto. Batizado de 88, o carro ficou pronto no inicio da temporada de 1981, com um dupla de pilotos jovem e claro, ambiciosa: o italiano Elio de Angelis e o britânico Nigel Mansell.


Contudo, estamos a meio da guerra entre FISA e FOCA, e interessantemente, ambas as partes decidiram unir-se para evitar que o 88 entrasse na pista. Contrariando as indicações dos comissários locais, que tinham autorizado o carro, Jean-Marie Balestre, o presidente da FISA, declarou o carro ilegal e não o autorizou nem em Long Beach, nem na corrida seguinte, em Jacarépaguá. Irritado, Chapman boicotou a presença da Lotus em Imola, afirmando que não entendia este impedimento da FISA em relação a algo que avançaria o automobilismo. A ideia, contudo, não morreu na cabeça de Chapman. Iria regressar mais adiante.

Para piorar as coisas, a policia suíça vai à casa de Thiemme, em Genebra, para o deter sob acusações de fuga ao fisco, denunciado pelo Credit Suisse, seu parceiro na Essex. Apesar de ser depois declarado inocente das acusações, pouco depois, Thiemme retira-se e Chapman consegue a Imperial Tobacco de volta, ou seja o mítico negro e dourado da John Player Special estava de regresso. 

Na frente caseira, Chapman tinha outros planos. Desde 1978 que aceitara o pedido de John DeLorean de modificar o projeto do DMC-12, que estava a ser fabricado numa usina em Belfast, na Irlanda do Norte. Pegou no projeto do Lotus Esprit e modificou-o no sentido de o tornar viável. Ao longo do tempo, DeLorean pediu mais de 40 milhões de libras para viabilizar o projeto (dos 120 milhões que recebeu inicialmente), que ficou pronto para produção no inicio de 1981. Apesar de ser exportado para os Estados Unidos, objetivo principal – poucos foram construídos com o volante para o lado direito – o custo do carro (mais de 25 mil dólares), mais a pouca potência – o motor era um de 6 cilindros, com 160 cavalos – em relação aos modelos americanos, a meio de 1982, apenas tinha fabricado 7500 unidades, dos quais apenas três mil tinham sido vendidos na América. A situação era desesperada, à beira da falência.


O governo britânico, então liderado por Margaret Thatcher, atento, queria saber do destino do dinheiro, e quando começaram a surgir dúvidas, colocou o Serious Fraud Office em campo. Existia a suspeita de que DeLorean pagava com esse dinheiro os honorários à Lotus, que por sua vez, colocava em paraísos fiscais no Panamá, nomeadamente uma conta da firma General Product Development Services, para as contas correntes. Quem sabia muitas coisas sobre isso era o contabilista-chefe da companhia, Fred Bushell. 

Por esta altura, Chapman respirava um pouco. Na frente desportiva, ganhara a sua primeira corrida desde 1978, quando Elio de Angelis conseguiu um triunfo “in extremis” sobre Keke Rosberg, no GP da Áustria, e na semana seguinte, em Dijon-Prenois, celebrava um acordo de fornecimento de motores com a Renault, fazendo com que em 1983, tivesse Turbo como cliente, a par de Renault, Ferrari, Toleman, Brabham e Alfa Romeo. E já tinha ideias para fazer um principio de suspensão ativa, um sucedâneo da ideia de chassis duplo vindo do 88, que a FISA o vetou. Parecia que as coisas iriam ser interessantes para a temporada que ali vinha... mas no outono de 1982, DeLoean é preso pelo FBI quando foi atraído para uma operação de tráfico de cocaína, a firma entra em liquidação, deixando três mil pessoas desempregadas, e o governo quer saber onde param os milhões investidos. 

Chapman sabe que está envolvido, e mais cedo ou mais tarde, o Serious Fraud Office irá ter uma conversa com ele. 

A 13 de dezembro de 1982, Chapman vai a Paris para uma reunião da FIA – ali tinha-se decidido abolir o efeito-solo e todos os carros iriam ter um fundo plano na temporada de 1983 – e no dia 16, iria ter o primeiro teste do sistema de suspensão ativa, num Lotus 91 modificado. Mas não iria ver isso: na madrugada desse dia de dezembro, Chapman sofria um ataque cardíaco fatal na sua casa de Norfolk. Tinha 54 anos. 

Pouco depois, foram apreendidos cinco milhões de libras das contas quer da DeLorean, quer da Lotus, e o julgamento durou mais de uma década, em Belfast, com Bushell a ser o único a pagar o preço. DeLorean foi para a América, e a sua reputação estava arruinada, apesar de mais tarde, ele ter sido inocentado das acusações. Há quem diga que Chapman não morreu, mas na realidade fugiu para o Brasil, com outra identidade. Mas na verdade, não há muita ponta por onde se pegue. Teria a sua graça, é verdade, mas... 


Aliás, há uma hipótese mais real: Chapman tinha um ritmo diabólico, e para se manter acordado ao longo das noites e dias seguidos, tomou estimulantes e barbitúricos. Pelo menos foi assim nos últimos 20 anos da sua vida. Primeiro prescritos pelo seu médico, com o tempo perdeu lentamente o controlo, adicionando com o stress de todos os problemas que tinha, desde a sua equipa de Formula 1, ao que se passava com a DeLorean e as falcatruas que fez para escapar ao Fisco britânico. De uma certa maneira, o seu génio iria brilhar muito, nas teve uma vida encurtada.

(continua amanhã)

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