terça-feira, 8 de novembro de 2011

Os tributos feitos no final de uma era

Ontem, depois de ter reagido ao artigo da Serena sobre os dezoito anos aquele Grande Prémio da Austrália de 1993, onde Alain Prost e Ayrton Senna correram juntos pela última vez, lembrava-me, enquanto escrevia o meu artigo sobre essa data, que tinha na minha biblioteca particular o anuário do Francisco Santos sobre essa temporada e sobre esse Grande Prémio, tão marcante em termos simbólicos por tantos motivos.

Assim sendo, mal tive a oportunidade, decidi resgatar o livro e transcrever para aqui o que foi escrito nessa altura, as declarações dos pilotos e aquilo que se esperava para a temporada de 1994, pois acho que é importante, mesmo para nós fazermos o nosso descernimento sobre aquilo que se falava e aquilo que sabemos agora.

Primeiro que tudo - e um pouco na continuação do artigo de ontem - andei a ler os relatos desse GP australiano. As choradeiras de Senna quando se despediu de Jo Ramirez, uma das lendas da McLaren, e no final da corrida, quando se abraçou a Ron Dennis, depois de ter dado à McLaren a sua última vitória ao serviço da equipa - e da carreira, como sabemos agora. E ainda o "tio Ron" teve a audácia de afirmar: "Nunca é tarde demais para mudar de ideias..."

E depois de se abraçarem, de o colocar no pódio, lado a lado, o homenageando como admirável adversário que o foi, Senna disse na conferência de imprensa, em tributo à equipa que se despedia e tinha ajudado a escrever as suas páginas mais douradas: "O mais importante é guardar os bons momentos que vivemos juntos, e quero agradecer a todos os nossos patrocinadores e a todos os que me ajudaram. Ganhei amigos e o respeito deles. E tenho por eles os mesmos sentimentos, isso é o mais importante. Esta temporada deu-nos um desafio muito duro, que enfrentamos".

Depois, Prost disse o que tinham sido a sua última corrida na Formula 1: "Quando se sabe que enfiamos o nosso capacete integral pela última vez, e que pomos as luvas pela última vez, e que escorregamos para dentro de um cockpit de um Formula 1, é difícil manter a concentração. Hoje esta realmente motivado, queria fazer uma boa corrida. Mentalmente não é nada fácil abordar a nossa última corrida: queremos fazer o melhor possível, evitando ao máximo cometer um erro.

Fiquei feliz por ter subido ao pódio. Claro que teria gostado ganhar, mas foi difícil. Esforcei-me muito para manter a concentração. Paciência: é o fim da história. Depois da bandeirada, na minha volta de arrefecimento, disse para mim próprio que podia suspirar: em treze temporadas de Formula 1, nunca me magoei gravemente!"

No dia seguinte, um artigo escrito pelo jornalista desportivo francês Franoics Reste, no jornal L'Équipe fala sobre o fim da carreira de Alain Prost e a sua interligação com Ayrton Senna, principalmente no seu auge nos temps da McLaren:

"Como nas cédulas de dinheiro, revelando em filigrana o rosto de uma personagem célebre, a carreira de Alain Prost teve sempre a sombra de Ayrton Senna. Desde 2 de junho de 1984, num GP do Mónaco chuvoso que revelara o novo prodígio, o cenário da Formula 1 se articulou à volta destas duas personagens principais, que chegaram ao paroxismo de sua rivalidade em 1988 e 1989, os anos da sua coabitação na McLaren, levados com inteligência, mas pontuados por uma severa rutura.

Durante estes quase dez anos, os feitos de Prost não teriam talvez tido a mesma importância se Senna não existisse, e o contrário também é verdade. Será agora necessário nos habituarmos à ideia de um sem o outro. Como um casal jamais separado. Senna sem Prost, será um pouco D.Quixote sem o seu Sancho Pança.

Se já dá para sentir o vazio que a aposentadoria de Prost vai trazer a partir de 1994, Senna ficará ainda mais orfão que todos nós. Ao volante do seu Williams-Renault, o brasileiro, o último Campeão do Mundo ainda em atividade, vai se sentir bem solitário, mau grado todos esses jovens ainda longe de terem atingido a sua dimensão: Schumacher, Hill, Hakkinen e o nosso Alesi.

A sua caça aos recordes de Prost, notadamente o de vitórias, para o qual já só restam dez sucessos, fará provavelmente sobresair ainda mais a sua ausência do seu alter ego. Senna sabe tudo isso. como homem inteligente e sensível, não pode deixar de pensar nisso no momento em que derramou uma lágrima dpeois da chegada deste emocional GP da Austrália. Este romance que acaba de chegar ao fim com o adeu de Alain Prost, é também um livro que se fecha sobre ele. Na sua nova vida que chega, haverá um pouco da sua juventude que se vai."

Num dia como hoje, em que o mundo inteiro presta tributo a Joe Frazier, a sombra de Muhammad Ali nos seus dias de auge do boxe, em meados dos anos 70, e que se ausentou da vida para fazer parte dos livros de história, recordar aquilo que se falou sobre aquele já distante sete de novembro de 1993 e o que representa esse dia nos dias de hoje, agora que sabemos o final da história, demonstra até que ponto se tornou importante.

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