segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Considerações sobre Elon Musk

Acho que toda a gente sabe muito bem sobre a minha crença nos carros elétricos, de como num futuro próximo, têm o potencial de revolucionar a maneira como iremos andar de carro, bem como outras coisas complementares, como a condução autónoma e até o automobilismo. Mas até agora falei muito pouco sobre a pessoa que, em muitos aspectos, está a impulsionar isto tudo, que é Elon Musk, o multimilionário americano de origem sul-africana.

Como é sabido, este sábado, a Tesla e a Security and Exchanges Comission (SEC) chegaram a um acordo entre eles para que Musk fosse afastado como dirigente da Tesla por três anos e pagasse uma multa de de milhões de dolares - ele e a Tesla pagariam esse valor cada um. A razão tinha sido por causa dos "tweets" que ele mandou em julho sobre a possibilidade de fazer a sua companhia privada, caso as ações chegassem ao valor de 420 dólares, e teria um financiador para essa operação. Na realidade, não tinha qualquer financiador, não avisou a SEC - que controla os operadores da Bolsa de Nova Iorque, a Dow Jones e a NASDAQ - e a operação foi cancelada. A SEC chegou à conclusão que Musk mentiu e processou-o.

O acordo foi anunciado na madrugada de sábado para domingo e está ainda pendente de saber se o tribunal de Manhattan irá aceitá-lo ou não. Ou seja, está pendente. E claro, caso isto for para a frente, Musk terá um mês para sair voluntariamente do seu cargo. Contudo, o acordo não o impede de ser o CEO da Tesla, nem o impede de sair da empresa ou de ser acionista. Nem o impede de ser o CEO das suas outras empresas, como a SpaceX, a Boring Company ou a SolarCity, a empresa que está a fabricar painéis solares do tamanho das nossas telhas.

Contudo, li muita gente a felicitar este resultado, afirmando coisas do género "finalmente, começa a cair a máscara" e "o vendedor da banha da cobra foi desmascarado", como se fosse o principio do fim de alguma grande conspiração que se calhar só existe na cabeça deles, vá-se lá saber. É preciso que se diga que, como existem imensos apoiantes de Musk e que ele dá a cara por uma revolução nos transportes - para dizer o mínimo - existem também muitos a afirmar que ele não passa de um charlatão, muitas dessas afirmações baseados apenas em... meras irritações, digamos assim. 

Aos 47 anos de idade - nasceu a 28 de junho de 1971 - Musk fez imensa coisa. Um "nerd" que sofreu "bullying" quando crescia na África do Sul na fase final do "apartheid", aproveitou a nacionalidade canadiana da mãe para emigrar para o Canadá, e depois para os Estados Unidos no inicio dos anos 90, para estudar informática. Foi um dos fundadores da PayPal, que o fez milionário, e depois com esse dinheiro, se meteu noutras aventuras. Não fundou a Tesla, apenas a financiou nos seus primeiros tempos - foi formada em 2003 - para depois o adquirir por completo, um ano depois de fundar a SpaceX, que lançou o seu primeiro foguetão em 2007 e revolucionou a maneira como estes são lançados, recuperados e reutilizados, tudo isto com o objetivo de ir à Lua e a Marte nos próximos vinte anos. A sua fortuna pessoal anda na casa dos vinte mil milhões de dólares, foi casado por três vezes - duas com a mesma mulher - e teve seis filhos, um deles morreu de sindroma de morte súbita quando tinha dez semanas de vida.

Contudo, neste último ano, vê-se que Musk está numa espécie de "burnout". Quer estar em todo o lado ao mesmo tempo, fazer tudo ao mesmo tempo. Ele andou dias a fio na fábrica de Fremont por causa dos detalhes e dos problemas na linha de montagem do Model 3, dormindo muito pouco - provavelmente, nada - tem o problema dos "short stocks" - em linguagem financeira, pessoas que vão à imprensa falar mal de determinada empresa para fazer baixar o valor das ações para depois poder vender com lucro - e no meio de setembro, foi ao podcast do comediante Joe Rogan para falar de vários assuntos, mas o que ficou na memória foi ele ter fumado um charro de "cannabis" durante a entrevista. A droga é legal na Califórnia, é certo, mas o sururu foi grande um pouco por todo o lado. 

E nem falo de outras coisas que disse e causaram irritação. Não gosta muito dos transportes públicos como são agora, é critico da inteligência artificial, acha que os robôs deveriam pagar taxas - a mesma coisa defendeu Bill Gates - que as pesquisas sobre o hidrogénio "são um disparate". E este verão fez acusações a um dos mergulhadores envolvidos no resgate dos doze rapazes de uma gruta na Tailândia, que disse repetidamente na sua conta do Twitter que ele era um pedófilo, resultando num subsequente processo por difamação. Pouco depois, frustrado em relação ao seu tratamento nos órgãos de comunicação social, disse ter a intenção de fazer um site de noticias que batizou de "Pravda", o jornal oficial do Partido Comunista da União Soviética. Já agora, Pravda em russo significa "verdade"...

Musk é genial, é certo. Sabe vender muito bem o seu peixe. De uma certa forma, se quisermos continuar com esta metáfora, direi que tem a mais revolucionária peixaria do mundo, e os seus métodos de captura são inéditos. Mas ele é ao mesmo tempo o dono da loja de peixe, o capitão do navio, o piloto e o pescador. Fazer várias tarefas ao mesmo tempo cansa qualquer um. E tenho a sensação que ele não delega competências. Quer ser Deus, estar por toda a parte, e até agora, tem sido bem sucedido. Mas parece que luta contra tudo e todos, e a uma certa altura, ele vai se cansar e vai quebrar. E já disse coisas muito, muito polémicas. E claro, se há imensos que se converteram, há os que querem vê-lo arder, atacando a ele e atacando o que anda a fazer.

É óbvio que aquilo que faz não é "banha da cobra". A tecnologia está a ser provada como sendo viável, tem vantagens sobre os motores de combustão e os motores tem muito mais eficiência energética do que, por exemplo, os motores de hidrogénio. E é ele que está a impulsionar uma nova corrida ao espaço - há a Blue Origin, do Jeff Bezos, o dono da Amazon, mas é muito mais discreto que Musk - e tudo isto implica o investimento de muitos milhões de dólares, o trabalho de dezenas de milhares de engenheiros, operários e programadores, e tudo isto para algo próximo de uma revolução nos transportes. São os factos, não se pode negá-los. Sem ele a impulsioná-los, se calhar tudo isto ficaria no domínio da fição cientifica por mais uma ou duas gerações, como estamos agora no campo da ida à Lua e a Marte, por exemplo.

Contudo, acho que Musk expôs-se demais. Agora, tudo o que faz, tudo que escreve no seu Twitter pessoal, é alvo de imenso escrutínio. Tal como o presidente dos Estados Unidos, outro que se expõe em demasia na rede social de 280 caracteres, se escorregar na banana, aparecerá amanhã nos jornais, televisões e redes sociais. Haverá os que o odeiam, e os que o reverenciam. Francamente, o meu conselho seria o de se recolher e descansar um pouco. As coisas vão chegar lá com naturalidade, o mecanismo já está a rolar e é irreversível - os Tesla serão os carros mais vendidos nos Estados Unidos até ao final da década, as baterias terão um alcance de 600 ou 700 quilómetros, e terão cada vez menos metais raros; os foguetões chegarão à Lua e Marte, teremos um meio de transporte que levará pessoas a uma velocidade estonteante e que poderão revolucionar os transportes públicos. 

E se os americanos não estão para aí virados, os chineses estão. Andam a ouvi-lo atentamente nos últimos anos, e pela quantidade de marcas de automóveis que têm e andam a construir carros elétricos no seu país, como a Nio, e mesmo comprando firmas que estavam em dificuldades ou falidas, como a Faraday Future e a Fisker, injetando dinheiro e ressuscitando-as. Aliás, vai ser na China que a Tesla construirá a sua próxima fábrica. E os chineses, como sabem, querem ser a próxima potencia económica mundial, e levam tudo isto muito a sério... 

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