terça-feira, 7 de novembro de 2023

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Há 30 anos, encerrava-se uma era na Formula 1. E não falo só de Alain Prost fazer a sua última corrida na Formula 1. Ou Riccardo Patrese. Ou Derek Warwick. Ou Ayrton Senna na McLaren. Ou os motores Lamborghini. Não, não é só isso.

Nas ruas de Adelaide iriamos ter pela última vez as paragens nas boxes sem ser por reabastecimento, os carros com suspensão ativa, com controlo de tração. A partir do ano seguinte, os carros seriam reabastecidos, teriam de aguentar as centenas de cavalos, e se o carro escapar de traseira, será de ser o piloto a controlá-lo.

Mas em Adelaide, numa corrida que não foi muito emocionante - os títulos estavam decididos há muito - Senna dominou a seu bel-prazer contra um Prost que já tinha tudo, e só queria chegar ao fim, desapertar os cintos e agradecer a todos pelos bons anos que teve na Formula 1. Só que a cena do pódio foi daquelas que os jornais, os fãs e todos, em geral, até queriam, subconscientemente ou não: uma reconciliação. 

O facto de Senna ter pegado no braço de Prost, e tê-lo erguido, foi um reconhecimento de que ele o olhava como adversário e não como inimigo. Não levava desaforo para casa. Claro, gostava e usava as intrigas palacianas e da imprensa a seu favor para alimentar a aumentar a tensão, mas sempre soube que no final, era espetáculo. Mas por vezes, continha-se até à altura em que explodia, dizendo o que tinha preso na garganta. E a minha melhor lembrança disso é quando Jean-Marie Balestre perdeu as eleições na FIA a favor de Max Mosley e Senna desabafou aos jornalistas em Suzuka, no lugar conde alcançou o seu terceiro título mundial. 

Mas outro motivo para aquilo era este: Senna adorava uma boa competição. Ele sabia que era bom, mas se não fosse estimulado, não iria chegar ao seu pináculo. Não digo que precisasse de inimigos, "nemesis". Queria competição, alguém que pisasse os calos, para que pudesse responder. Podia afirmar detestar Prost, mas por exemplo, respeitava Nigel Mansell, que foi em muitos aspetos, seu rival com máquinas superiores ao dele. E Piquet? De uma certa forma, não aturava os desaforos dele, aí, mais pessoais. Senna até poderia brincar, zoar mesmo, mas não do tipo "piquetista". E já vimos no que se tornou o Piquet, não é?

Naquela altura, a Williams era uma obsessão sua. Queria ir, até tinha dito que is de graça, se fosse preciso. Prost vetou Senna, sabendo que Frank Williams o queria. Mas ele assinou com Prost logo no inicio de 1992, e ele teve de aturar máquinas inferiores por duas temporadas, dos quais até tirou "leite de pedra". Mas o título de Prost foi "burocrático", ou seja, sem grandes corridas da parte do francês, ofuscado por aquilo que Senna fazia com uma máquina menos potente - era uma versão cliente, as coisas boas eram para a Benetton, que já tinha Michael Schumacher - e Senna, a certa altura, teve de ser "despertado" por Mika Hakkinen para mostrar quem ele era - se querem saber a razão da alta de forma de Senna nas duas últimas corridas do ano, vejam a qualificação do GP português.

E uma cena final. No dia seguinte, Senna foi ao concerto de Tina Turner. Como muitos, era fã do piloto. Não sei se tinha essa consciência, que nem todos os seus fãs eram meros anónimos. Também tinha fãs VIP's, pessoas que admiravam o seu estilo de pilotagem e a sua combatividade. Quando ela soube, convidou-o para o palco e cantou "Simply The Best". Acho que diz tudo. Simplesmente o melhor, acima de todo o resto.

O que não sabíamos, é que era mesmo o final de uma era. A primeira parte foi ali, a segunda, abrupta e traumática, aconteceria num fim de semana de maio, debaixo de um céu azul de primavera. Mas ainda teria tempo para afirmar que tinha saudades dele. Não tanto da pessoa, mas do competidor que ele era.

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