quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Grand Prix (numero 87, na catedral de Monza - III)

(continuação do capitulo anterior)

Alguns minutos depois, quase às 15 horas, o director de prova autorizou a continuação da sessão de qualificação, acenando a bandeira verde. Apesar de terem passado largos minutos e de se saber que a ambulância que levava Beaufort já ter chegado ao hospital, ainda não havia noticias de Milão.

- Ainda nada? Perguntava Pete à sua mulher, que estava no muro a marcar os tempos.
- Nada, infelizmente.
- Pelo que me contam, foi um acidente feio, disse Alexandre de Monforte, que estava fora do seu carro, com os óculos de sol colocados para se defender daquele sol de Setembro. O Matra não bateu bem nos rails, voou quase na rede de protecção, ia acabando como o Von Trips em 61...
- Eu sei. Desse dia, eu vi tudo. Estava cinco carros atrás dele e do Stoddard, ao lado do Jordan de Stirling Moss. Quase batiamos, a tentar evitar os destroços.
- É. Foi a minha primeira corrida na Formula 1, disse Teddy Solana. Num Cooper da Scuderia Centro-Sud. Não tive muita sorte nesse dia, confesso...

Alguns carros já iam para a pista, tentando marcar tempos. Alexandre sentou-se num dos pneus do carro, na zona de sombra, com os óculos postos, olhando para o vazio. A sua ansiedade começava a crescer, e a falta de noticias de Milão só piorava ainda mais o seu estado de espírito. Depois começou a ouvir, e ver, agitação à volta do carro de Teddy, com os mecânicos à sua volta a colocar as asas tiradas na véspera. Ficou a observar e perguntou:

- Então?
- Acho que tinhas razão, Alex. Já marquei o meu tempo, perfiro salvar o meu coiro.

Ele sorriu, sentindo que tinha sido vingado na sua tese. Mas o sorriso depressa desapareceu, pois a sua ansiedade sobre a sorte de Beaufort ainda não tinha desaparecido. Pelo contrário, aumentava ainda mais, pois sabia que a esta hora, já teria chegado há muito ao Hospedale Comunale di Milano ou a outro qualquer naquela área, embora achasse que ali deveria haver um helicóptero preparado para este tipo de situações, e não havia naquele dia. Sentindo-se agitado, decidiu colocar o capacete e entrar no seu carro, para dar as suas voltas. A sua tentativa de marcar um tempo tinha sido interrompida pelo acidente do Matra, e agora iria tentar melhorar um pouco a sua situação, que não era famosa após a sessão do dia anterior. Colocou o carro em funcionamento e partiu.

Às 15:15 minutos, o telefone toca num dos "motohomes" da Matra. Um funcionário atende o telefone e ouve o que tem a dizer do outro lado da linha. A sua expressão já de si fechada, ainda mais fechada ficou. Depois foi a correr para ir ter com o director da Matra e aproxima-se para falar com ele ao ouvido. Depois de transmitir a mensagem, vai ter com Gilles Carpentier, o segundo piloto, que está a olhar para os destroços do carro do seu amigo e companheiro de equipa e diz secamente, entre a passagem dos carros na pista:

- "C ést fini. Philippe est mort."
- "Vous êtes sure?"
- Oui. Ils ont confirmé justement."
- "Et alors?"
- "Pour nous, c'ést fini. Retournons à Paris."

Os mecânicos foram avisados do telefonema e imediatamente começaram a arrumar as coisas. Os destroços do Matra já estavam a ser arrumados para o camião azul da marca, Logo a seguir, na motorhome da Apollo, Teresa recebia de um seu amigo as más novas. Ela, tentando contar as lágrimas por um momento, correu para o muro das boxes e foi ter com a Pam, que deu a noticia ao ouvido, pois tinha acabado de chegar o carro de Alexandre, depois de três voltas à pista, melhorando, mas pouco, o seu tempo, mantendo o 11º posto na grelha. Teve de repetir a noticia quando o motor Cosworth foi desligado. Pete Aaron aproximava-se do carro, mas ao ver Teresa a falar com Pam, adivinhou o que se passava e tirou o capacete, perguntando em voz alta:

- É grave?
- Recebi agora a noticia da sua morte. Partiu o pescoço no impacto, segundo dizem.
- Com o quê?
- Não sei, vão dar mais pormenores depois.

Alexandre suspirou fundo, tirou as luvas e colocou as mãos à frente dos olhos, saiu do carro e foi rumo ao motorhome da Matra, não sem antes abraçar Teresa de maneira forte. Percorreu boa parte dos outros motorhomes, com um ou outro fotógrafo a ver a cena, mais os caçadores de autógrafos, mas ele não estava ali. Só queria chegar às boxes da Matra e os ver agora. Quando chegou, cumprimentou o director e apenas disse em francês: "Je suis desoleé". A seguir viu Gilles Carpentier, seu rival desde os tempos da Formula 2, aquele homem alto e forte, antigo jogador de rugby, tez morena, que ainda estava em choque. Os dois viram-se e abraçaram, com Gilles a soluçar que nem uma menina.

--- XXX ---

A qualificação terminou às 16 horas. Em teoria, o tempo de Beaufort tinha sido batido por Patrick Van Diemen por 0,4 segundos, com "Toino" Bernardini no terceiro posto, à frente do BRM de Bob Turner e do segundo Matra de Gilles Carpentier. Depois vinha o terceiro Ferrari de Michele Guarini, o Jordan de Pieter Reinhardt e o Apollo de Teddy Solana. O segundo BRM de Anders Gustafsson e o segundo Jordan de Antti Kalhola fechavam o "top ten", com Alexandre de Monforte no 11º lugar, à frente do McLaren de Peter Revson.

Por esta altura, toda a gente sabia do trágico desfecho do acidente de Philippe de Beaufort, duas horas antes. E toda a gente sabia do choque que era ao ver o líder do campeonato acabar a sua vida num acidente na Parabólica, ao tentar dar o seu melhor para bater uns Ferrari que melhoravam a cada semana. Por esta hora, as rádios já davam a noticia, e os jornalistas e fotógrafos, que estavam atarefados como sempre, ainda mais atarefados andavam revelando os seus rolos e mandando as suas noticias para as redacções, dando conta dos eventos. Algumas dezenas de fotófrafos estavam a rondar o "paddock" da Matra, tirando fotos dos mecânicos, alguns não escondendo a tristeza, que arrumavam os carros de Gilles Carpentier e aquilo que restava do carro de Philippe de Beaufort.

Os "carabibieri" também estavam lá, a fazer um cordão policial à volta das boxes, e também um responsável lá estava, para dizer ao director da Matra que iria ser aberto um inquérito e que muito provavelmente os restos do carro de Beaufort poderiam ter de ser apreendidos, pois segundo a lei italiana, qualquer acidente durante um evento desportivo obriga à apreensão de qualquer objecto relacionado com o acidente, pois é uma prova para ser analisada pelos peritos. O director da Matra ouviu as explicações, e após um telefonema para a sede, em Paris, acedeu a que eles transportassem os destroços num reboque, tapado por um toldo, rumo a Milão. Enquanto que essa operação era feita, ele convocara a imprensa para prestar uma declaração rápida pelas 17 horas. Por essa altura, o sol começava a desaparecer por detrás das árvores e os fotógrafos e jornalistas estavam a postos quando leu uma pequena folha de papel:

"Esta tarde, perdemos um excelente piloto e um grande amigo nosso. O objectivo de Philippe de Beaufort este ano era o de revalidar o título mundial mais uma vez nas nossas cores da Matra, a nossa 'ecurie de France', numa competição cada vez mais forte e mais perigosa. Ele tinha consciência dos perigos da competição e já tinha dito que após a conquista deste título mundial, pretendia pendurar o capacete e começar uma nova carreira dentro de nós, gerindo a nossa equipa de Formula 3. Apesar dos rumores, pouca gente sabia verdadeiramente que ele iria abandonar a competição no final da temporada, pois pretendia sair disto sem um arranhão e começar uma nova vida no seu 'chateau' no Loire. Infelizmente, não teve tempo.

Em sinal de luto, decidimos não participar no Grande Prémio que se realizará amanhã à tarde. Esperamos voltar em breve para cumprir o objectivo que ele estava prestes a alcançar: o título mundial. Se antes queriamos o título pelo prestigio e como recompensa do trabalho feito pelos mecânicos, projectistas, pilotos e directores, agora temos mais um objectivo em vista: pelo nosso amigo Philippe, que jamais será esquecido por todos nós.", concluiu com voz embargada pela emoção.

A seguir enxugou as lágrimas e afastou-se dali, rumo às boxes já seladas. Agora, toda a gente sabia que no dia seguinte iria haver menos dois carros na grelha.

(continua)

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