segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Grand Prix (numero 85, na Catedral de Monza - I)

Monza, 4 de Setembro de 1970

Passaram-se quinze dias desde a corrida austriaca, e o Grande Prémio de Itália, última prova em solo europeu antes da jornada tripla nas Américas, assumia contornos de decisão, devido ao fosso cavado entre o Matra do francês Philippe de Beaufort e o resto do pelotão. O belga Patrick Van Diemen e o novato sildavo Alexandre de Monforte eram os candidatos certos ao segundo posto, embora o alemão Pieter Reinhardt também estar na corrida, embora o carro desse ano não ter cumprido aquilo que estava a prometer, graças ao seu chassis revolucionário. Mas Bruce Jordan prometia que esse chassis teria nova evolução na temporada de 1971, o que poderia significar que ele e os novatos Antti Kalhola e Pedro Medeiros iriam aparecer mais vezes nos lugares da frente.

Monza era o circuito que todos sonham e temem. Construido em 1922, era um dos mais velozes do mundo, sem ser uma oval de velocidade, tal como aquela que tinha dentro do seu perímetro, e do qual deixou de ser usada depois dos eventos de 1966, em que o Ferrari de Jean-Pierre Sarti sofreu o seu acidente fatal. Mas mesmo assim, o seu circuito convencional era o mais veloz do mundo, com médias acima dos 240 quilómetros por hora. E talvez por isso que os pilotos e as marcas dispensem os apêndieces aerodinâmicos, por acharem que aqui, prejudicam mais do que beneficiam os seus bólidos.

Na lista de inscritos estavam os habituais: a Apollo tinha Monforte e Solana, a BRM tinha Bob Turner e Anders Gustafsson, a Matra Philippe de Beaufort e Gilles Carpentier, a McLaren Peter Revson e John Hogarth e a Jordan e Ferrari tinham três pilotos cada: a primeira com Pieter Reinhardt, Pedro Medeiros e Antti Kalhola, a segunda com Patrick Van Diemen, Antonino "Toino" Bernardini e Michele Guarini. Em termos de privados, a Temple-Jordan tinha cumprido a sua promessa, dando um carro a Bob Bedford, correndo ao lado de Brian Hocking. E Manfred Linzmayer voltava ao seu McLaren privado, mas este era assistido pela equipa oficial. E por isso se falava que poderia fazer parte da equipa oficial nas etapas americanas. Pelo menos, ele dizia aos seus amigos no "paddock" que já tinha a passagem garantida para os Estados Unidos...

Dezenas de pessoas ligadas ao automobilismo circulavam naquele paddock na sexta-feira. Um deles era alguém do qual nada se sabia desde há algum tempo: Pedro Cavenaghi, o homem da Lamborghini. Decidira observar de perto como é que andavam as coisas e encetar algumas conversas sobre os seus planos a médio e longo prazo. Não era segredo que, mais cedo ou mais tarde, a Lamborghini iria tentar a sua sorte na Formula 1, depois da tentativa falhada com a Ferrari, num mau motor que causou a morte do seu fundador, em Junho. Mesmo com esses maus eventos, era uma pessoa bem recebida em toda a parte, incluindo na McLaren.

Na caravana da equipa, Cavenaghi aproveitava a tarde de Verão para falar com John Hogarth. Não o esquecera e queria saber sobre a sua disponiblidade num futuro próximo:

- Então, estas estão a ser as tuas últimas corridas?
- Definitivamente, sim.
- Já andas aqui há muito tempo...
- Doze épocas, meu caro. Já é demasiado tempo a brincar com a sorte.
- Lá isso é verdade, respondia Cavenaghi, fumando o seu charuto.
- E então? Não me vieste ter comigo para falar sobre o tempo.
- Pois não, caro John. Gostaria de saber se tem planos para a sua vida depois de ser piloto. Continua a gostar da Itália?
- Continuo, apesar da minha saída da Ferrari... mas já foi há muitos anos. E até acho que foi bom sair enquanto era tempo, porque senão teria acabado como o Sarti, o Barlini e outros.
- O Commendatore é demasiado exigente.
- E demasiado frio quando um de nós morre. Digo eu.
- Hmmm... diga uma coisa - perguntou Cavenaghi enquanto dava uma baforada no seu charuto - quem me recomenda para piloto?
- Um piloto rápido e fiável? Reinhardt, Beaufort, Van Diemen, o novato Monforte...
- Esses já têm dono, John. Um barato.
- Há dois, mas acho que esses já têm dono: o francês Brasseur e o italiano Guarini. Não acredites muito nesse último, porque parece que o Commendatore gosta dele. Mas também ele gosta do Bernardini.
- Ele anda para o nacionalista?
- Como assim?
- Perfere italianos?
- Não, ele sempre perferiu pilotos rápidos. Só que há a coincidência de dois deles serem italianos neste momento.
- Hmmm... entendo.
- Contudo, o Guarini tem a situação mais periclitante neste momento. Não tem um contrato a tempo inteiro na Ferrari. A equipa é Bernardini e Van Diemen, e sei que nas corridas americanas, ele será o piloto que a NART irá inscrever.
- Entendo, entendo.
- Quando é que o projecto vai para a frente?
- Em 1972. Queremos aproveitar o novo regulamento da Interseries.
- E tu me queres como director desportivo?
- Por aí, se quiseres aceitar a minha proposta. Pagamos bem, agora com o novo dono...
- Pois é... o Lamborghini quinou?
- Não, mas quase. Decidiu largar tudo, apareceu um interessado e temos a sorte dele adorar automobilismo. E temos até um excelente patrocinador.
- Ah é? Qual.
- Não posso dizer ainda. Mas vai pagar bem. Porque acha que vamos nos lançar em duas frentes?
- Ahhh... entendo. Muito bem, aceito a sua proposta.
- Excelente. Na terça-feira, apareça em Sant'Agata que terei um contrato à sua espera para você assinar.
- Assim farei, respondeu John, com os dois homens a apertarem fortemente as mãos, em sinal de acordo.

--- XXX ---

Na boxe da Apollo, quatro homens estavam fechados na caravana que fazia de motorhome à equipa, para além do camião que transportava os carros de Alexandre de Monforte e Teddy Solana. Alex Sherwood, cada vez mais o numero dois da equipa, ao lado de Pete Aaron, já que desta vez Arthur O'Hara não estaria presente na pista italiana, discutiam sobre algo que normalmente acontecia em Monza desde os tempos em que se usavam as asas nos carros: se deveriam retirá-los dos carros ou não.

Pessoalmente, ele queria seguir aquilo que os outros faziam: tirá-los, principalmente as equipas com motores V8. Mas havia detractores, e sabia que os pilotos estavam crescentemente a torcer o nariz à ideia, porque cada vez mais os carros estavam dependentes da aerodinâmnica. E Alex, que tinha sido contratado inicialmente por causa disso, começava a dizer que esse elemento começava a ser importante, e aquilo que dizia começava a ser ouvido.

Portanto, a conversa iria ser animada.

- Pete, espero bem que não, mas... e se houver um acidente mortal com um dos carros sem asas? Já pensaste nas consequências disso?
- Eu sei, é por isso que queria falar convosco, disse Pete.
- Honestamente, eu corro assim. A mim não me interessa se não pontuar ou se ficar em 20º na grelha. Quero chegar ao fim são e salvo para beijar a minha mulher, respondeu Alexandre.
- Mas temos de tentar. Aqueles tipos tem motores mais potentes que nós, retorquiu Teddy.
- Ted, diz uma coisa, qual é a diferença entre eles e nós? 60, 80 cavalos? E se eles tirarem as asas, por exemplo? Aí eles voavam! Portanto, para mim isso não é desculpa.
- Estás a ficar com medo...
- Não é ser cobarde, é ser inteligente. Teddy, temos uma arma secreta nas nossas mãos. Eu sei que, se perder algum aqui, posso recuprerar noutro lado, dali a algumas semanas.
- Estás a confiar demasiado nisso, Alex, respondeu. Isso funciona?
- Ele experimentou e funciona, mas eles dizem que vão fazer uma mistura especial só para nós, que vai ser diferente de um simples pneu sem sulcos.
- Espero que sim, gostaria de experimentar tal coisa.
- Tens de experimentar. Tenho pena é que não a possamos andar com eles por aqui.
- Temos de ter paciência, rapazes, respondeu Pete.

Entretanto, batiam à porta, que estava trancada. De lá fora, um dos mecânicos dizia que faltavam alguns minutos para a sessão de treinos começar. Pete respondeu à chamada e disse:

- Meus senhores, decido da seguinte forma: cada um de vocês faz o que quiser com as asas. Mas vocês serão os responsáveis pelos vossos actos. Se o Teddy quiser correr sem asas, muito bem. Se o Alex quiser correr com asas, otimo. Mas são responsáveis pelos vossos actos.

Alex respondeu:

- Otimo. Vou fazer as coisas dessa forma. Vou dar o máximo e não ficarei em último, garantidamente!
- Essa vou pagar para ver, respondeu Solana de modo trocista.
- Se eu ganhar, lavas os pratos da equipa.
- E se "eu" ganhar, não só lavarás os pratos da equipa como serás nomeado "lavador oficial dos pratos da Apollo". Garantidamente!
- Meus senhores, não comecemos de novo, que não tenho estômago para mais comidas vindas do Alex. Perfiro mil vezes nadar numa pipa dos vinhos dele do que comer mais um prato preparado por ele.
- Mas eu não toquei nessa parte, respondeu Teddy.
- Não, mas querias... disse Alex Sherwood, colocando a mão no estômago.

Pete levantou-se, dirigiu-se para a porta e disse:

- Para asneiras, já bastam os da pista. Meus senhores, deste momento por diante, estão por vossa conta. Boa sorte.

(continua)

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