O FIM DO EMBARGO... MAS NÃO DA CRISE
No inicio de 1974, a OPEC reune-se e decide congelar os preços até abril para incentivar as negociações para a retirada do exército israelita das margem ocidental do Canal do Suez, o que acontece a 18 de janeiro. No mês seguinte, ambos os lados do conflito estão a negociar um mesmo acordo, mas para a Síria, e para a organização, estas negociações são progresso suficiente para pensar em acabar com o embargo aos Estados Unidos e aos países ocidentais. Em março, há uma conferência em Washington e no final, os árabes concordam em levantar o embargo, que acontece a 17 de março. A grande excepção é a Líbia.
Contudo, eles não decidem logo retomar a produção a níveis pré-crise. Aliás, esta riqueza recém-descoberta - as receitas do petróleo quadruplicarão até ao final da década - e o poder recém-descoberto irão fazer com que os governos queiram controlar esta riqueza, desde a produção até à refinação, passando pelo consumidor final, através do preço do litro de combustível. Todos os países da OPEP, sem excepções, nacionalizam as companhias petrolíferas - a ARAMCO saudita é nacionalizada em 1980, cinco anos depois da Venezuela ter feito o mesmo, criando a PDVSA - e todos os governos canalizam as receitas para projetos de desenvolvimento dos seus países. Todos experimentam um crescimento sem precedentes, e a prosperidade irá ser sentida nos seus bolsos. E em alguns lugares como o Iraque e a Arábia Saudita, o litro de gasolina será mais barato que um litro de água engarrafada.
O preço mantêm-se elevado para o resto da década, e as coisas irão piorar em 1978, quando o Xá do Irão, Reza Palhavi, é derrubado e é substituído por um regime teocrático no ano seguinte. Em setembro de 1980, Irão e Iraque entram num conflito que irá ocupá-los nos oito anos seguintes, com o preço do petróleo a subir ainda mais. Esse período passou à história como o segundo choque petrolífero. E o Ocidente, que mal aguentou o primeiro choque petrolífero, teve de aguentar este segundo choque, mesmo sem embargos.
Apenas em meados da década de 80 é que os preços baixaram bastante. O excesso de produção, aliado a alternativas vindas de outros países (o Mar do Norte, especialmente Grã-Bretanha e Noruega) e o Canadá, fizeram com que os preços baixassem bastante, fazendo baixar ainda mais as receitas. Em 1985, o barril de petróleo rondava os vinte dólares, a preços atuais. E essa descida iria afetar fortemente os países da OPEP, que de repente viram a fonte secar. Muitos não tinham feito reservas com os excedentes e agora viam-se com enormes dividas externas, como o Irão e o Iraque, que gastaram tudo com a guerra, ou a Venezuela, que para além da divida externa, acabou por sofrer também com a hiperinflação.
A crise do petróleo fez com que se começasse a pensar seriamente em alternativas. Logo em 1974 começou a haver experimentações na electricidade e na energia solar, que se prolongaram até meados da década de 80, mas o excesso de produção do meio da década fizeram com essas pesquisas ficassem um pouco de lado. Contudo, dessas pesquisas, houve uma que deu certo quase de imediato: o álcool, no Brasil.
Mal começou a crise petrolífera, o governo militar ordenou a pesquisa de alternativas para o petróleo. O álcool retirado da cana do açúcar - o etanol - foi uma solução imediata e esse biocombustível começou a ser comercializado em 1976 e chegou a haver cerca de um terço de carros com motores alimentados a essa gasolina. Contudo, a baixa do preço do combustível e problemas na corrosão desses motores fizeram com que os carros a álcool ficassem encostados por algum tempo até voltarem a crescer a procura, no final do século XX.
Para além disso, para evitar a dependência do petróleo, muitos países apostaram no nuclear, quer na Europa, quer nos Estados Unidos, quer no Japão. A França construiu na década seguinte mais de duas dezenas de centrais, todas de fissão, e projetos semelhantes aconteceram na Alemanha e Holanda. A mesma coisa aconteceu no bloco de Leste, com centrais de fissão construídos com desenho soviético.
Contudo, a aposta no nuclear teve curta duração. Os acidentes nucleares de Three Mile Island, em 1979, e de Chernobyl, sete anos depois, fizeram com que se abandonasse o nuclear como alternativa renovável. Para além disso, construir centrais a fissão, fossem eles alimentados a urânio ou a plutónio, eram complexos, muito caros e demorariam anos para serem construídos e depois, desmontados, quando terminassem o seu período de vida.
A OPEP, depois dos dois primeiros choques petrolíferos, parecia ser poderosa, disso já vimos em cima. Mas quando os preços baixaram, em meados da década de 80, entraram em crise e ficaram em maus lençóis. Alguns aguentaram-se melhor que outros, e houve países que tentaram algo radical para resolver o problema. Como o Iraque, em 1990. Saddam Hussein tinha uma enorme dívida externa atrás de si, por causa da guerra Irão-Iraque, e decidiu invadir o Kuwait porque este tinha enormes reservas em dinheiro e outros bens. Essa invasão e consequente pilhamento resultou na primeira Guerra do Golfo. Os preços aumentaram até aos 40 dólares, mas no ano seguinte voltaram aos vinte, e assim ficaram até ao final da década. Apenas em 2002 é que voltaram a subir, num aumento que durou doze anos.
Mas nessa altura, a quantidade de fontes era tal que a OPEP, que ainda tinha cerca de três quartos das reservas conhecidas e com novos membros - Angola, Equador, Guiné Equatorial, Gabão - tinha perdido importância graças a novos produtores, como o Canadá, Rússia, Brasil e a Noruega, e também à nova politica americana, de aumentar a procura dentro do seu país, com o "shale oil", fazendo com que em 2010 anunciasse que iria voltar a exportar crude. A OPEP era ouvida e tinha a última palavra em termos de produção, mas quem estava de fora podia cortar ou não na produção.
Na altura do primeiro choque petrolífero, começara a despertar a consciencialização ambiental. A ideia de que o planeta Terra era a única casa habitável no Sistema Solar, do qual estávamos a tratar muito mal, fez com que se pensasse sériamente na conservação da Natureza. Mas na década seguinte, essa consciencialização aumentou ainda mais quando se soube das alterações climáticas causadas pelo ser humano, desde o buraco na camada de ozono sobre a Antártida até ao aumento da temperatura, com verões mais quentes, tempestades mais fortes, o derretimento das calotas polares, entre outros, fizeram voltar para cima da mesa a questão da redução da dependência dos combustíveis fósseis.
E nos últimos vinte anos, os vários países, desde o Ocidente até à China acordaram aumentar as pesquisas para as energias renováveis, que continua até hoje, tentando reduzir - senão eliminar - o petróleo da equação. E até os países da OPEP, como a Arábia Saudita e os Emirados, pretendem não ficar dependentes dos preços do petróleo para sempre.
E tudo isto tem a ver com um choque petrolifero de há 45 anos no qual de repente nos fez pensar sobre a dependência de um só produto.
2 comentários:
Brilhantes textos da história da crise de petróleo. Parabéns.
Pa.Ra.Béns. Abordagem multidisciplinar, e sem fugir do escopo do site; algo raro hoje em dia.
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