Há 45 anos, entre outubro de 1973 a março de 1974, o mundo ocidental descobriu que estava demasiadamente dependente do petróleo. E o "ouro negro" estava nas mãos de um grupo de países produtores que, usando uma organização a seu favor, decidiu mostrar ao mundo que, caso quisessem, poderiam fechar a torneira que os faria ajoelhar e ceder às suas exigências. Apenas precisavam de um pretexto. E encontraram-no, quando o Egipto decidiu invadir o Sinai com o objetivo de o recuperar.
Nesses seis meses onde o mundo descobriu o seu vício petrolífero, os hábitos mudaram no mundo ocidental, praticamente para sempre. E é sobre isso que conto a história da primeira de várias crises petrolíferas que o mundo ocidental sofreu no século XX e princípios de XXI.
O petróleo começou a ser usado como bem em 1859, quando em Titusville, na Pennsilvânia, começaram a fazer os primeiros furos na terra. Inicialmente, foi usado como substituto do óleo de baleia nas lamparinas da iluminação caseira. Contudo, no virar do século, com a invenção do motor a combustão, primeiro nos navios, depois nos automóveis, o petróleo acabou por ser um substituto para o carvão, por ser mais eficiente e não precisar de carvoeiros para alimentar as caldeiras dos navios, por exemplo.
No inicio do século XX foi descoberto um grande campo de petróleo no Texas, fazendo deste enorme estado no centro da produção petrolífera mundial, e claro, os Estados Unidos como potência petrolífera. Em 1940, nas vésperas da entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial, dois terços do petróleo mundial vinham dos seus campos. E claro, o petróleo tinha uma vantagem: era o único combustível que fazia mover os aviões.
A importância do petróleo nessa altura era tal que, quando os americanos embargaram a sua exportação para o Japão, este reagiu com o planos para o ataque a Pearl Harbour. E entre os planos seguintes a esse ataque, fazia parte as invasões à Malásia e às Indias Orientais Holandesas - A atual Indonésia - que já eram grandes produtoras de petróleo, graças às explorações feitas pela Royal Dutch Shell.
É também por esta altura que se descobriram jazidas petroliferas em sítios como a Líbia, Argélia e Arábia Saudita, e a sua importância começou logo a ser tanta que os americanos assinaram logo acordos com o rei Ibn Saud para explorar em conjunto, nascendo assim a ARAMCO - acrónimo para ARab-AMerican COmpany. Quarenta anos antes, no inicio do século, já se explorava petróleo na Pérsia, graças à British Petroleum, e no Azerbeijão russo, graças a empreendedores como Calouste Glubeikian, um arménio de Constantinopla que chegou a ser chamado de "senhor cinco por cento", devido às comissões que o tornaram multimilionário.
Após a II Guerra Mundial, o mundo estava altamente dependente do petróleo. Era aquilo que fazia mover a industria, e a cada ano que passava, novas jazidas eram descobertas. Havia tanta oferta que o preço do petróleo era bem baixo - pouco mais de cinco dólares por barril. E era bem barato encher o depósito, nesses tempos dos "trinta gloriosos" - período entre 1945 e 1973, onde o crescimento da produção era constante.
Mas com o passar desses anos pós-II Guerra Mundial, o mundo ocidental ficava cada vez mais dependente do petróleo do Médio Oriente, e dos seus problemas. Com o aumento do consumo, da energia pedida, os campos de petróleo americanos não conseguiam suprir as necessidades, os custos de produção bem baratos no Médio Oriente eram bem tentadores para não passar despercebido. Em 1970, os Estados Unidos tinham passado de quatro milhões para um milhão de barris de excedente por dia, e as importações do México, da Venezuela e do Médio Oriente começavam a ganhar quota.
A 14 de setembro de 1960, em Bagdad, no Iraque, cinco países - Iraque, Arábia Saudita, Kuwait, Irão e Venezuela - reuniram-se e tomaram a decisão de criar a Organização dos Países Produtore de Petróleo, OPEP (OPEC, na sigla inglesa). A OPEP foi uma reação dos governos ao controle da produção, refinamento e distribuição do petróleo por parte das multinacionais americanas - Standard, Texaco ou Mobil - e britânicas - Shell e BP. Eles queriam ter uma palavra a dizer em relação à produção, refinamento e distribuição, mexendo assim no preço final na bomba de gasolina.
De inicio, a OPEP foi algo menosprezada. Contudo, com o avançar dos anos 60 e inicio dos anos 70, as coisas começam a mudar lentamente. Novos membros - Líbia, Argélia, Nigéria, Indonésia e Qatar - entraram na organização, e muitos desses governos viram a importância do petróleo para os seus orçamentos e planos de desenvolvimento dos seus países. Tanto que começaram por nacionalizar as operadoras nos seus países, construindo as suas petrolíferas nacionais. E com o passar do tempo, o Ocidente viu que estava dependente desses membros da OPEP.
Em junho de 1967, o Médio Oriente entrou em agitação quando aconteceu a Guerra dos Seis Dias, entre Israel e os países árabes. Nesse espaço de tempo, o exército avançou até ao Canal do Suez, fechando-o à navegação mundial, pois tinha-se tornado numa zona de fronteira entre um Egipto devastado pelo conflito, e um Israel renovado pela vitória surpreendente, destruindo no solo as forças aéreas de três países - Egipto, Síria e Jordânia - numa só manhã. E por causa disso, os petroleiros agora demoravam mais tempo para chegar ao Ocidente, contornando o continente africano.
Mas essas tensões - como tinha acontecido onze anos antes, quando Grã-Bretanha e França invadiram o Egipto por causa da nacionalização do Canal do Suez por Gamal Abdel Nasser - não tinham causado mossa no preço do petróleo na bomba de gasolina, logo, no consumidor final. Mas alguns sabiam que isso não iria ser assim da próxima vez.
Em agosto de 1971, os Estados Unidos saem do acordo de Bretton Woods, assinado em 1944, que regia a economia mundial baseado no padrão-ouro. A inflação estava a começar a fazer nossa na economia americana, e Richard Nixon, o presidente, achou por bem prgar no dólar e deixá-lo a flutuar de acordo com o mercado. A mesma coisa fez pouco depois Harold Wilson, o então primeiro-ministro da Grã-Bretanha, deixando flutuar a libra estrelina, e outras nações ocidentais seguiram o mesmo rumo nos meses seguintes. Com isso, o preço dessas moedas desvalorizou-se, e as condições para o choque petrolífero estavam estabelecidas, pois sem algo ao qual essas moedas poderiam agarrar - o ouro também é uma "commodity", como se sabe - era mais fácil os países produtores pegarem no petróleo e "fechar a torneira".
Agora, apenas faltava o motivo.
A 23 de agosto de 1973, o presidente Anwar Sadat, que sucedera a Gamal Abdel Nasser em 1970, quando este morreu, foi a Riad para visitar o rei Faisal da Arábia Saudita. Sadat colocou Faisal ao corrente dos planos egípcios para a invasão do Sinai por parte do seu exercito, para recuperar as terras conquistadas pelos isrealitas seis anos antes. No meio disto tudo, ambos os líderes chegaram a um acordo em que os sauditas usariam o petróleo como arma em caso de conflito militar.
Com o acordo debaixo do braço, Sadat voltou ao Cairo e continuou os preparativos com vista à guerra. Não ia sozinho, contudo: a Síria e a Jordânia, os mesmos que se coligaram e foram copiosamente derrotados em 1967, estavam de novo unidos para tentarem a vingança. E queriam apanhar o inimigo desprevenido. Quase o conseguiram a 6 de outubro, um sábado, pois era o Yom Kippur, o Ano Novo judaico. E claro, em dia de "sabbath", o outro lado queria descansar. Mas não teve esse descanso.
Como seria de esperar, os israelitas foram apanhados de surpresa pelo avanço egípcio e sírio. Dia e meio depois, o governo israelita, então governada por Golda Meir, pediu ajuda ao governo americano para que lhes reabastecesse de armas. Nixon concordou, e no dia 12, começava a operação "Nickel Grass". Contudo, a União Soviética também fez o mesmo, abastecendo os exércitos sírio, jordano e egípcio.
A 16 de outubro, com a guerra a decorrer e com ambos os lados a serem abastecidos pelos antagonistas da Guerra Fria, a OPEP reune-se para usar o petróleo como arma. Seis países - Arábia Saudita, Emirados Arábes Unidos, Kuwait, Irão, Iraque e Qatar - aumentam o preço do barril para os 3,65 dólares (pode ser pouco, mas foi um aumento de 17 por cento) e anunciam cortes na produção. Mas dois dias depois, quando Richard Nixon pede ao Congresso americano que desbloqueie 2,2 mil milhões de dólares para ajudar Israel, as nações árabes vão longe: decidem um embargo. Primeiro, a Líbia - que já era governada por Muhammar Khadaffi - e depois os restantes países do Golfo Pérsico.
A 26 de outubro, acaba a guerra do Yom Kippur, e este termina em impasse. Israel não é esmagado, mas também não os países árabes, embora a Síria tenha ficado em maus lençóis, com os tanques israelitas a terem ficado a 80 quilómetros de Damasco. Mas isso não demovia os árabes, pois em vez de terminar o embargo, iria continuar, e alargar-se a mais países. E iria ter enormes consequências nos meses que seguiriam.
(continua amanhã)
(continua amanhã)
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