terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

A imagem do dia


Chamavam-lhe a Chaleira Amarela. Quando apareceu, quase ninguém fora da Renault e de França acreditava no seu sucesso. Outros, como Bernie Ecclestone, reagiram com hostilidade, afirmando que "não seria aceite". Mas em quase dois anos - menos duas semanas - passou de chacota em Silverstone para vencedora em Dijon. 

Na realidade, os motores turbocomprimidos estavam previstos no regulamento, quando este entrou em vigor, em 1966. Mas ninguém o levou a sério numa Formula 1 de motores aspirados, porque nenhum preparador tinha essa ideia, e eles queriam motores grandes e que consumissem demasiado. O Cosworth DFV V8 praticamente resolveu as coisas por dez anos.

Mas entretanto, as alternativas começavam a aparecer. E começaram na América. Na série mais "sem-limites" do automobilismo: a Can-Am.

No final de 1971, quando a CSI decidiu que ira trocar os carros de 5 litros pelos de três na Endurance, os Porsche 917 ficaram obsoletos, mas ainda capazes de mostrar alguma coisa. A Penske tinha dois chassis e modificou-os, pedindo à marca alemã uns motores onde poderiam usar a nova tecnologia dos turbocompressores. O resultado final foi o 917/10 e 917/30, com motores que tinham uma potência em qualificação de... 1100 cavalos, os carros mais potentes até então. Com pilotos como George Follmer e Mark Donohue, o carro foi batizado pelos fãs de "Can-Am Killer", dominando o campeonato de 1973, depois da retirada da McLaren. Contudo, no final desse ano, o primeiro choque petrolífero fez com que o carro se retirasse, também. 

A "caça à potência" transferiu-se para a USAC, mais concretamente para a IndyCar, onde aos poucos, os motores Turbo foram colocados nos diversos carros do pelotão. E claro, a velocidade e a potência aumentou fortemente. 

Mas no lado europeu do Atlântico, as experiências americanas fizeram despertar a curiosidade de outras marcas. E a Renault experimentava na Endurance, com um motor de 2 litros e um chassis, o A441, através da Alpine, que tinha adquirido. Construído em 1974, com um motor de 270 cavalos, mostrou-se competitivo desde o inicio com pilotos como Gérard Larrousse, Jean-Pierre Jabouille, Alain Serpaggi e Alain Cudini. No ano seguinte, usaram esses ensinamentos para construir o A442, que se estreou nos 1000 km de Mugello, com Jabouille e Larrousse como pilotos.

Nos dois anos seguintes, a prioridade foi o sucesso nas 24 horas de Le Mans, mas a Formula 1 também lhes interessava. E tinham a gente ideal para isso: Jabouille, como piloto de desenvolvimento, que tinha construído um carro na Formula 2, com financiamento da Elf, e Larousse, como diretor desportivo do projeto. E gente na área técnica como Jean Sage, Bernard Dudot e Jean Castaing

O motor que construíram em 1976 foi o EF. Um V6 de 1,5 litros, a 90º, com uma potência inicial de 510 cavalos, a 11 mil rotações por minuto, suficiente para apanhar os motores Ferrari e Alfa Romeo flat-12 e claro, os Cosworth DFV V8, que nesta altura tinham entre 450 e 480 cavalos. O projeto foi apresentado em meados de 1976, e os testes decorriam em circuitos como Dijon e Paul Ricard. Mas dentro da Formula 1, havia gente que era nitidamente contra. Bernie Ecclestone tinha dito no inicio de 1977, numa entrevista à revista brasileira "Veja" que iria barrar a entrada dos Turbo. Mas estava nos regulamentos, pouco poderia fazer. 

Demorou um ano, o desenvolvimento do carro que acabou por ser batizado de RS01. Estreou-se em Silverstone - curiosamente, não entrou na pré-qualificação - e conseguiu um modesto 22º tempo, entre o ATS de Jean-Pierre Jarier e o Copersucar de Emerson Fittipaldi. O carro não passou da 16ª volta, quando o turbo cedeu. Foi nessa altura que ganhou o sobrenome que o tornou famoso: a Chaleira Amarela. 

Parecia que os ingleses estavam numa de torcer o nariz aos franceses, de uma tecnologia que esperavam ver fracassada. Mas eles não desistiram, porque tinham visto noutros lados e tinham alcançado o sucesso. Sabiam que tinham a chave para que a formula 1 deixasse de ser uma coutada de garagistas com Cosworths para todo o sempre. Logo no GP dos Países Baixos, a segunda corrida onde participaram, conseguiram um 10º lugar na grelha de partida. Em um ano, no final de 1978, Jabouille conseguia lugares na grelha bem próximos da pole. E os primeiros pontos, em Watkins Glen, com um quarto lugar, provaram isso. 

Pelo meio, tinham ganho as 24 Horas de Le Mans, com Jean-Pierre Jassaud e Didier Pironi, mostrando que os Turbo eram uma formula vencedora. E com isso, arrumaram as malas e foram para a Formula 1 com todo o seu peso. Para 1979, alargaram para dos carros, contratando René Arnoux, que tinha estado em 1978 na Martini e na Surtees, e preparavam um novo chassis e uma evolução do motor EF-1, que reduzira bastante o "turbo-lag", sem grandes aumentos de potência.

E os resultados apareceram logo: pole em Kyalami, com Jabouille ao volante, e três meses depois, em Dijon, a consagração. Apesar da resistência aguerrida do Ferrari de Gilles Villeneuve, que os passara na partida - a Renault monopolizou a primeira fila, com Jabouille na pole e Arnoux em segundo - na volta 47, ele passara o canadiano e nem olhou mais para trás, rumo à meta. Mas se Jabouille tivesse olhado, teria visto Villeneuve e Arnoux a roubarem o show e quase apagado o momento histórico que estava a escrever na Formula 1: um motor turbo, feito num chassis francês, calçando pneus franceses, pilotado por um francês. 

E o Dia da Bastilha estava a 14 dias de distância. 

No final do ano, mesmo Ecclestone, o relutante, tinha sentido o vento da mudança e lido o "the writing on the wall". No final de 1980, tinha assinado com a BMW uma parceria para construir um motor Turbo. Três anos depois, quase todo o pelotão tinha o seu, exceto a Tyrrell, e inaugurava uma nova era. Graças à Renault e a Jabouille, que por essa altura, já tinha pendurado o capacete. 

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