Zeltweg, 23 de Agosto de 1970
O dia estava radioso nos Alpes austriacos. Naquele céu limpo, a vista era maravilhosa e os presentes podiam ver as neves eternas, que faziam parte daquele cenário. As milhares de pessoas que tinham vindo de todos os cantos do Centro da Europa podiam ver aquele cenário e se calhar lhes poderia dar uma sensação de frescura, pois naquele dia estavam mais de 30 graus à hora da partida do Grande Prémio da Austria, nona prova do campeonato do mundo de 1970.
A azáfama nas boxes era grande, mas numa boxe em particular, as coisas eram ainda mais agitadas. Na Apollo, os mecânicos lutavam contra o tempo para colocar um carro em forma para poder alinhar na grelha de partida a tempo e horas. E ao lado do carro, com o capacete posto, estava o piloto em questão, Alexandre de Monforte, que começava a dar sinais de desespero à medida que os minutos passavam. Saiu dali, foi ter com Pete e Alex Sherwood e disse:
- Quanto tempo demoram para afinar o carro de reserva?
- Não muito, porquê?
- Vou usá-lo. Seja o que Deus quiser, mas eu não acredito que o meu carro não fica pronto antes da hora. Estamos aqui há duas horas e tal, a tirar a caixa velha e a colocar a nova, a montar tudo no sitio, e parece que nem tudo funciona corretamente.
- Tem calma, disse Sherwood. Vai estar tudo pronto a tempo, não te preocupes.
- Alex... diabos! Despachem-se a colocar isso tudo a funcionar. Temos menos de uma hora para a largada, porra!
- Tem calma, Alex, vamos conseguir, respondeu Pete.
- Espero bem que sim, Pete. Não dei o meu melhor nos treinos para ver depois a corrida da boxe, pois não?
- É óbvio, Alex. Eles estão a dar o seu melhor.
Alex suspirou. Estava crescentemente nervoso naquela hora. Já tinha sido complicado conseguir o lugar que conseguiu, e aquela caixa avariada no "warm up" tinha sido a pior coisa que poderia ter acontecido. Teresa observava-o de longe, com a sua câmara fotográfica, e sabia que não valia muito a pena o incomodar, pois sabia que nessas circunstâncias, era uma pessoa absolutamente irascivel.
Quando faltavam 35 minutos para a hora, um dos mecânicos disse a Alex para que entrasse dentro, pois estava quase tudo pronto. Ele entrou, apertaram o cinto de seis pontos e quando terminaram, deram uma palmada nas costas para que carregasse no botão e colocasse o motor a funcionar. Ele carregou e após um compasso de espera, este acordou para a vida. As pessoas à volta aplaudiram, mas o que interessava era saber se a caixa nova funcionava corretamente. Engatou a primeira e saius dali, para dar uma volta pelo circuito.
Pete e os outros rumaram para o local onde ele iria alinhar na grelha, onde já estava Arthur O'Hara e mais uns mecânicos. Quando Alex chegou, um dos mecânicos perguntou:
- E então?
- Funcionou. Agora resta saber se o resto funciona. São 60 voltas ao circuito.
Ao ver Arthur, chamou-o ao pé de si. Naqueles minutos nervosos e stressantes, ainda teve tempo para o ver e perguntar:
- Como anda a Sinead?
Arthur ficou algo espantado com a pergunta, por ser feita naquela altura do dia. Ele respondeu:
- Tenta recuperar, mas é complicado. Ela adorava o irmão, sabes?
Ele ficou calado por um momento e depois disse:
- Arthur, diz a ela que eu e a Teresa sentimos a falta dela e gostariamos de a ver logo que pudesse. E que o resto da equipa também sente a sua falta, tal como sentimos a falta do John.
Alex estendeu a sua mão esquerda na direcão de Arthur, e ele a cumprimentou. Ele notou que os olhos daquele velho irlandês estavam a ficar marejados de lágrimas e afastou-se. Pete tinha-o visto a sair e perguntou:
- O que é que disseste?
- Disse que tinha saudades dos dois. Só isso.
- Tu tens uma maneira de lembrares das coisas na pior altura possivel...
- Ei, só estou a ser simpático.
- Eu sei, mas não achas que este é um local estranho para lembrares de tal coisa?
- Deixa estar, por agora está tudo bem.
- E para que isto tenha um final feliz, tens de acabar a corrida.
- Precisamente.
Nessa altura, um elemento da organização mostrava o sinal que faltava um minuto para a partida, a grelha foi evacuada de pessoas e as máquinas sairam dessa grelha para se aproximarem lentamente da linha branca da partida. Um comissário acenou para os carros, manobrando-os até ao local, e depois saiu dali. O comissário de pista pegou na bandeira austriaca, segurou-a com as duas mãos e depois largou-a, com os carros a arrancarem furiosos, rumo à subida.
Van Diemen e Beaufort ficaram lado a lado até à primeira curva, feita à direita e a alta velocidade. O francês levou a melhor sobre Van Diemen, com Bernardini logo atrás dele. Mais atrás, o terceiro Ferrari de Michele Guarini tinha dado um salto para o meio do pelotão e ficara colado ao Jordan de Pieter Reinhardt, que tinha tido um mau arranque e tinha sido superado pelo seu companheiro Pedro Medeiros e pelo BRM de Anders Gustafsson.
Quanto a Monforte, conseguiu arrancar bem e subir um lugar com a má partida de Reinhardt, mas no inicio da terceira volta, o carro começa a engasgar-se à medida que ele carregava o pedal no acelerador e perdia velocidade na recta. Com os metros a passarem e os carros a passarem a seu lado, Monforte começa a ficar frustrado com o que se passa e rola em direcção das boxes, onde diz:
- Não consigo andar, sinto que o carro está engasgado.
Os mecânicos espreitam para dentro do carro, no sentido de identificar o problema, mas viram que quer o motor, quer a caixa, funcionavam bem. Alguns segundos depois, descobriram o problema: o sistema de injecção do carro estava danificado e não podiam fazer mais nada. A sua corrida tinha terminado ali.
Furioso, saiu do carro:
- Bolas! Puta que o pariu... e a pensar que estava tudo bem. Domingo de merda, corrida de merda. Que mais é que pode acontecer?
- Calma, fizemos o que podiamos, disse Alex Sherwood.
- Eu sei, é frustrante estar a dar o teu melhor para nada. Foi um fim de semana para esquecer, concluiu, depois de ter tirado as luvas e o capacete.
Alex foi para dentro das boxes e não parou até se enfiar dentro da caravana, batendo a porta com força. Deitou-se e fechou os olhos, com o ruído dos carros a zumbir nos ouvidos, pois a corrida continuava.
Entretanto, na frente, Beaufort começa a sentir o assédio dos Ferrari de Van Diemen e Bernardini. Estes seguiam-no como uma sombra, pressionando-o para o alcançar a liderança. ao final de dez voltas, os três carros tinham afastado outros tantos segundos sobre o Apollo de Teddy Solana, que por sua vez estava a ser pressionado pelo segundo Matra de Gilles Carpentier e pelos BRM de Anders Gustafsson e Bob Turner. Na 13ª volta, Carpentier conseguiu ultrapassar Solana, e poucas voltas depois, foi a vez de Turner. Entretanto, Michele Guarini tinha apanhado e livrado dos Jordan de Kalhola e Medeiros, com Reinhardt a ter alguma dificuldade em acompanhá-los, pois o seu carro não fuincionava em pleno. E para piorar as cisas, na volta 17, ia para as boxes de modo lento, para se descobrir que sofria de um furo lento. Demorou mais de 30 segundos a trocar o pneu e voltou na cauda do pelotão.
Guarini, apenas na sua segunda corrida na Formula 1, mas com uma excelente máquina entre mãos, começou a apanhar os BRM e ameaçou ultrapassá-los em poucas voltas. Na 22ª passagem pela meta, Gustafsson cedeu aos ataques do italiano, e duas voltas mais tarde, passava Solana. Depois foi ao ataque do veterano Bob Turner, que tentava não deixar escapar o segundo Matra de Carpentier. Nesta altura, Guarini era o sexto classificado, nos pontos.
Na boxe, todos espreitavam os feitos do piloto.
- Esse Guarini é impressionante, não é? Pergunta Arthur O'Hara.
- É. Está a fazer um bom trabalho na Formula 2, este ano, mas já não é candidato ao titulo. Aparentemente, o grande vencedor é o Pierre Brasseur, o seu Matra está em grande forma, e como boa parte dos seus adversários está na Formula 1, sempre se pode concentrar com conseguir o título, respondeu Pete.
Entretanto, Alexandre voltava para o pitlane, mais calmo do que há bocado:
- Então, como andam as coisas na corrida?
- Beaufort aguenta os Ferrari, mas estes andam muito bem.
- Pudera, eles estão a melhorar a cada dia. Em Maranello estão a fazer um bom trabalho, temos de ser honestos.
No final da volta 24, Van Diemen sai melhor na curva anterior à meta e coloca-se lado a lado com Beaufort. Aproveitando a aspiração, acelera melhor, à direita do piloto francês e no inicio da Curva Hella-Licht, ganha uma ligeira vantagem, mas a ultrapassagem só é completa à entrada da curva seguinte. Atrás, Bernardini aproximava-se de Beaufort, mas não o conseguia ultrapassar. Quando se marcava a volta 25, o francês colocou-se atrás do belga, para fazer a mesma manobra na volta anterior. Contudo, este o fechou e Bernardini, atrás, teve a sua chance. Ficou lado a lado do piloto da Matra durante grande parte da volta, mas não o conseguiu passar.
Volta e meia depois, Beaufort conseguiu ficar de novo colado à traseira do Ferrari do belga, e tentou fazer a mesma manobra, e no final, o francês voltou à liderança. Nas cinco volas seguintes, Van Diemen e Beaufort pareciam estar a repetir o duelo de Hockenheim, quinze dias antes, para delírio dos espectadores. O belga aproximava-se a tentava passar, mas o francês conseguia resistir da melhor maneira que conseguia.
Eram assim como andavam as coisas no inicio da volta 32. Beaufort tinha Van diemen nos seus escapes, que por sua vez, tinha Bernardini atrás de si, num duelo a três, à distância. Os três estavam a passar a fundo pela Boschkurwe, a curva interior do circuito feito quase em 180 graus quando de repente, Beaufort perde de súbito potência. Institivamente, ergue a sua mão, curva para a direita, deixa passar os Ferrari e vai à berma para parar de vez o seu Matra. Ele sai do carro e abana a cabeça, desolado, enquanto que uma moto da organização chegava ao local. A corrida de Beaufort tinha terminado ali, e desta vez não ganharia pontos.
(continua)